terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Semana que vem é a festa da Sagrada Família!!



A FUGA DE UM EXILADO

“Levanta-te, pega o menino e sua mãe e foge para o Egito!”  (Mt 2,13)


Hoje é o domingo da Sagrada Família, uma família de “emigrantes perigosos”, que devem fugir de sua pátria (onde são perseguidos), buscando outra terra também rica em opressões (Egito), para voltar de novo a uma terra cheia de perseguições (Judéia, Galiléia). Assim ela aparece como a patrona de “todas as sagra-das famílias” que tem de fugir, exilar-se, esconder-se...
Jesus nasce num mundo hostil. Ele foi perseguido pelos “donos do poder” desde o início de sua vida.
O não reconhecimento de Jesus por Herodes e por Jerusalém antecipa a rejeição, a condenação e a morte d’Ele na Cidade Santa, no lugar onde Ele encontrará a maior hostilidade.
O paralelismo entre Jesus e Moisés, de um lado, e entre Herodes e Faraó, de outro, é claro.
Há também um paralelismo entre Jesus e o povo de Israel: Jesus revive na sua própria carne a história do seu povo chamado por Deus do Egito.“Do Egito chamei meu filho” (Os. 11,1).

A perseguição e o exílio, logo no início da vida de Jesus, revelam o realismo da Encarnação. Ao entrar na nossa história, o Filho de Deus esvaziou-se de sua glória e assumiu nossa condição humana, com todas as conseqüências: pobreza e impotência, perseguições e ameaças de morte por parte dos poderosos de turno.
Como exilados, Jesus e seus pais, fazem parte da corrente ininterrupta das vítimas do poder, que são obrigados a percorrer lugares inóspitos, desertos, cidades estrangeiras, gente hostil...
Jesus e seus pais são irmãos de todos os refugiados políticos dos países repressivos.
Já desde pequeno Jesus se vincula e se solidariza com o mundo dos pobres, dos últimos.
Ele é um Deus frágil que arma tenda nos acampamentos dos exilados, nas favelas e cortiços da miséria total; é um Deus que acompanha e compartilha a sorte dos fugitivos, expulsos das aldeias, mandados para fora da segurança, da tranqüilidade dos muros da cidade. Para Ele permanecem cerradas as portas de ferro dos palácios.

O alarme diante da notícia do nascimento do “rei dos judeus” encaixa perfeitamente no contexto de mentiras e complôs, de terrores e furores dos últimos anos de Herodes.
A história humana e o solo do nosso planeta sempre estiveram manchados de sangue. O massacre por razões de estado sempre foi uma das práticas mais experimentadas, carregando consigo o triste cortejo de repressões, torturas, prisões, violações dos direitos civis.
De fato, nessas vítimas inocentes que Mateus relata, estão representados todos os inocentes que foram ex-
terminados no decorrer da história, cujos nomes não estão registrados nos arquivos da repressão mas ape-
nas no “livro da vida” de Deus. Entre essas vítimas podemos entrever todos os que foram esmagados pelos pequenos e grandes Herodes, sacerdotes da satânica liturgia da morte, da violência, do sangue.

O relato do Evangelho deste domingo é como o espelho de nossa história violenta, que avança sobre cadáveres de crianças sacrificadas, de inocentes fugitivos, de homens e mulheres errantes, perseguidos, em busca de uma pátria. Nossa história do “falso natal” avança sobre o Natal verdadeiro que continua aconte-cendo nos caminhos dos fugitivos e dos clandestinos deste mundo.
Só podemos celebrar hoje a festa da “Sagrada Família” se descobrimos que as famílias mais sagradas, aquelas que devemos respeitar, proteger e potenciar, são aquelas que não tem casa nem pátria, nem meios de vida... e no entanto, continuam caminhando.
Maria compartilha a sorte do menino, vive para ele, com ele assume os riscos da fuga e exílio. Ela cuida, protege, educa o menino entre perseguições e exílio. Enquanto existirem mães que protegem e cuidam das crianças, como Maria, haverá Natal.
José, em meio à perseguição, põe-se a serviço do Deus fugitivo, expulso, exilado do mundo. Como verdadeiro esposo e pai, ameaçado e fugitivo, percorre, com Maria e o menino, os caminhos do desterro.Enquanto existirem pais que, como José, se arriscam pela mulher e pelos filhos, que são sua riqueza, o dom de Deus...,enquanto estiverem dispostos a sofrer por seus filhos e pelas mães de seus filhos, no exílio ou na pobreza, haverá Natal.

Nessa escola de perseguição cresceu o Messias, compartilhando assim a sorte dos hebreus oprimidos no Egito; crescendo nela pode entender e interpretar nossa história por dentro. Entre fugitivos e perseguidos, cresceu Jesus, nas fronteiras da desumanização; ali vai sendo gestada a história da nova humanidade.
Se a história da Encarnação começa lá “embaixo”, na periferia, quer dizer que a fé em Deus implica prestar atenção e voltar a cabeça em direção aos “últimos”, aos que vivem “deslocados”.
É por esse caminho que podemos chegar à descoberta e à experiência de Deus; é também por este caminho que podemos chegar ao conhecimento de nós mesmos e nos fazermos mais “humanos” e “solidários”. Ali temos que buscá-Lo e encontrá-Lo, nós que celebramos a festa da Sagrada Família.

O mistério do Exílio interpela a nossa liberdade e a nossa fé. Jesus bate e pede hospitalidade na ponta dos pés. São rostos desfigurados pela fome e pobreza, rostos aterrorizados pela violência diária, rostos angusti-ados de menores carentes, rostos humilhados e ofendidos na sua dignidade... Podemos fechar-Lhe a porta e condená-Lo ao exílio, que é uma atitude gravíssima na relação com Deus.
Aqui se condena uma criança. Se não entendermos essa lição, nada mais conseguiremos entender. Nesta nossa ignorância e insensibilidade a respeito do presente divino que é a Criança de Belém, estão as raízes de nossas maiores desgraças, injustiças, violências...
E Deus não pode abençoar uma sociedade que não sabe valorizar suas crianças.

O Evangelho de hoje termina com três indicações geográficas, que são como que a espinha dorsal da narrativa. Antes de tudo, o anjo diz a José que deve retornar à terra de Israel: é a pátria mais genérica de Jesus e da revelação bíblica. Depois José é advertido em sonho para ficar no território da Galiléia.
Enfim, de modo mais específico, ele vai morar “numa cidade chamada Nazaré”.
Nazaré está no traçado do retorno-êxodo de Jesus do Egito.
Com a terra de IsraelJesus revive a experiência do Êxodo;
com a Galiléia dos gentios Jesus abre a salvação aos mais pobres e escluídos;
mas com Nazaré Ele atinge quase que o vértice do seu destino. Uma cidade insignificante que se torna o ponto de partida do caminho de Jesus, uma vida oculta e corriqueira que é celebrada pelos profetas.

Podemos dizer que Nazaré é, em certo sentido, a apologética do cotidiano, das horas, dos meses, dos anos escondidos, da vida tranquila, provinciana, não-escrita, de Jesus.
Essa atenção à simplicidade do cotidiano, à natureza da Galiléia, à mensagem que Deus esconde noshomens, nas coisas, nas horas…, é uma constante na pregação de Jesus.Nazaré é o sinal da epifania de Deus nas pequenas coisas, é o sinal da palavra divina escondida nas vestes humildes da vida simples e familiar, é o sinal da pre-sença graciosa de Deus em nossas casas.



Texto bíblico:Mt 2,13-15.19-23

Na oração:contemplemos, com os olhos e o coração de
Maria e de José, a entrada na terra que fo-ra o lugar deescravidão dos  seus antepassados.Terão re-cordado a história do seu sofrimento no cativeiro e da sua libertação, realizada pela ação criativa de Deus.
Suplicar a graça do seguimento de Jesus nos êxodos e nos exílios interiores e exteriores.


Pedro Fabro

Amigos e amigas, foi canonizado o beato Pedro Fabro, um dos primeiros companheiros de Inácio de Loyola.
O papa Francisco revelou ao autor deste artigo que ele sempre se inspirou no modo de proceder deste novo santo.
Mais um santo para ser invocado, sobretudo nos momentos de discernimento e tomada de decisão em nossas vidas.
Um abraço a todos
Pe. Adroaldo sj





Pedro Fabro: a mística na vida cotidiana
Artigo de AntonioSpadaro




A experiência de Pedro Fabro deve ser melhor compreendida e estudada para se entender o estilo e o modo de governo do Papa Francisco. Publicamos aqui um trecho do novo livro de AntonioSpadaro sjPietro Fabro. Servitoredellaconsolazione (Ed. Ancora, 144 páginas). Oartigo foi publicado no jornal Avvenire, 14-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A minha cópia do diário espiritual de Pedro Fabro, chamado de Confissões ou Memorial, é um livro amarelado e de capa já desgastada, publicado em 1980. Eu não me lembro exatamente há quantos anos eu trago esse livro comigo, mas é há muito tempo. Eu o li ao longo dos anos de formação como jesuíta e o terminei recentemente.Fabro é um dos jesuítas menos conhecidos.
Todos conhecem Francisco Xavier, o segundo companheiro de Inácio de Loyola, mas poucos conhecem Pedro, savoiano, que, ao contrário, foi o primeiro. Talvez por isso ele me fascinou: o fato de ter sido o primeiro e de ter ficado na sombra. Sem Pedro, a Companhia de Jesus não existiria. O que me atraiu mais foi a sua experiência de amizade profunda com Inácio, que à época foi definido pelo teólogo espanhol rigorista Pedro Ortiz como "um extravagante espanhol que fomentava a desordem de forma inquietante".

Fabro escreveu no seu Memorial: "Vivemos sempre juntos, compartilhando o quarto, o refeitório, abolsa; e depois ele havia sido meu mestre de vida espiritual, dando-me a possibilidade de ascender ao conhecimento da vontade divina e da minha própria. Foi assim que nos tornamos uma só coisa nos desejos, na vontade e no firme propósito de escolher a vida que agora todos nós levamos, aqueles que fazemos ou faremos parte desta Companhia, da qual eu não sou digno".
Eu imaginava esses dois homens: estudantes da Universidade de Paris que compartilhavam o quarto de aluguel; um basco, um savoiano.
A sua profunda amizade, que nasceu enquanto Pedro, com pouco mais de 20 anos, ajudava Inácio, com quase 40 anos, a entender Aristóteles e os filósofos escolásticos, é o primeiríssimo início daquela que seria a Companhia de Jesus (…).
Fabro viveu o clima fluido e turbulento da primeira metade do século XVI parisiense e por isso é portador de uma sensibilidade moderna. Ele encarnou uma abertura mental e espiritual com relação aos desafios da época, sobretudo aReforma Protestante. Se algumas das suas regras ecumênicas tivessem sido acolhidas e postas em práticas no seu tempo, talvez a história religiosa da Europa teria sido diferente. Ele não era um sonhador, mas sim um místico de profunda doçura.
A experiência mais incisiva dos seus anos de formação foi representada pelo encontro com o pensamento da tradição renano-flamenga, ocorrido através da frequentação na Cartuxa de Vauvert. Mas lendo o seu “Memorial”, um diário interior, justamente, entende-se que a sua mística tem a ver com a vida cotidiana, gasta-se nos detalhes, aplica-se aos sentimentos que acompanham os momentos da vida: é plena familiaridade com Deus.

Fabro revela-se mestre tanto no empenho e coenvolvimento exterior, quanto no "discernimento dos espíritos": não só como grande psicólogo, mas também como autêntico buscador da vontade de Deus (…).
A vida interior, para ele, é "sentir e saborear as coisas internamente", como escreve Inácio nos seus Exercícios Espirituais. Na sua breve vida,Pedro saboreou a existência, sentiu o doce e o amargo, provou "consolação" e "desolação", mas viveu tudo com a alma. E todo o seu mundo era animado, vívido de "moções espirituais".
Outro motivo de fascínio: o fato de ser peregrino incansável, caminhante nato. Aproveitava longas viagens, geralmente feitas a pé, para disseminá-las de oração e de atividades sacerdotais, mostrando, assim, também para nós hoje, como se pode conjugar uma vida ativa extraordinária com uma profunda união com Deus. Esse Fabro, doce místico peregrino, incansável caminhante da grande familiaridade com Deus, peculiar “coincidentiaoppositorum”, me impressionava porque eu não conseguia aferrá-lo totalmente. E ainda não consigo hoje.

Portanto, durante a minha entrevista de fim de agosto de 2013, quando perguntei ao Papa Francisco qual era o seu jesuíta preferido, tive um choque quando ouvi o nome de Pedro Fabro. Descobri, assim, que o então padre Jorge Mario Bergoglio, provincial dos jesuítas da Argentina, tinha até encomendado uma edição do “Memorial” a dois jesuítas especialistas, Miguel A. Fiorito e Jaime H. Amadeo. Eu soube que a sua edição preferida é a editada porMichel de Certeau. Dentre outras coisas, o papa cita um pensamento de Fabro na sua primeira exortação apostólica: "O tempo é omensageiro de Deus" (Evangeliigaudium, n. 171).
Por que ao papa agrada particularmente o primeiro companheiro de Inácio? Ele me respondeu substancialmente dando uma lista de razões: "O diálogo com todos, mesmo os mais afastados e osadversários; a piedade simples, talvez uma certa ingenuidade, a disponibilidade imediata, o seu atento discernimento interior, o fato de ser um homem de grandes e fortes decisões e ao mesmo tempo capaz de ser assim doce, doce…".
Nas suas palavras, eu relia a minha experiência de Fabro, que permaneceu então substancialmente incompleta, interrompida também na leitura do seu diário. E, ao mesmo tempo, eu entendia o quanto Fabro foi e ainda é realmente um modelo de vida para ele.

No dia 14 de junho de 2013, no seu discurso para a redação da La CiviltàCattolica, o Papa Francisco tinha dado aos redatores, como consigna, três palavras-chave: diálogo, discernimento,fronteira. São as palavras-chave da vida dePedro Fabro, unidas a uma infinita doçura de trato que converteu muitos, mais do que muitas palavras. 
Michel de Certeau define Fabro simplesmente como o "padre reformado", para o qual a experiência interior, a expressão dogmática e a reforma estrutural são intimamente indissociáveis. Parece que posso entender, portanto, que o Papa Francisco se inspire justamente nesse tipo de refor-ma. Fabro está convicto de que é no nível da complexidade dos sentimentos e dos afetos espirituais – em que o homem aprende a dialogar com Deus e a sentir o seu mistério – que se tomam as grandes decisões, mesmo aquelas "estruturais".
Para Fabro, Deus age e atua no coração do homem, transformando-o. A confiança na ação de Deus no fundo do ser humano o distingue de Lutero, atento demais ao seu estado de pecador para crer nessa transformação interior. Fabrovê florescer a presença de Deus em toda a par-te; Lutero sempre espera pela sua vinda, que, única, pode salvar da condenação. Mas transformação interior não significa espiritualismo. Longe de Fabro, como de Bergoglio, aquela que o próprio papa definiu como "a constante tentação das tendências pseudomísticas daexistência cristã". Longe de ambos "aquela espécie de cristianismo espiritual que estava perdendo o contatocom a cotidianidade e a vida concreta".

Para Fabro, assim como para Bergoglio, vale o que escreveu Inácio de Loyola: Deus se comunica com cada um de nós com "moções" interiores, "move e atrai a vontade". Esse espaço de encontro e de atração, rico em afetos, não se contrapõe, de fato, à razão nem à gestão da vida e aos seus projetos práticos, mas, ao contrário, os anima: "O coração conjuga a ideia com a realidade", escreveu tempo atrás o então cardeal Bergoglio. A experiência de Fabro, portanto, deve ser melhor compreendida e estudada para se entender o estilo e o modo de governo do Papa Francisco.

IHUonline

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Texto para o NATAL



NATAL: conectar nossa vida com o Mistério da Gruta de Belém

“Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura” (Lc 2,12)

Se a história da Encarnação começa na Gruta, quer dizer que a fé em Deus implica prestar atenção na manifestação do amor materno e na frágil beleza do recém-nascido. É por esse caminho que podemos chegar à descoberta e à experiência de Deus; é também por este caminho que podemos chegar ao conhecimento de nós mesmos. No momento em que o Verbo de Deus assume um rosto, todo ser humano chega à plenitude de sua realização: entra em comunhão com o Infinito e recebe uma dignidade infinita.
As grutas sempre despertaram fascínio nos seres humanos; possuem uma força atrativa e guardam segredos em seu interior. Ao mesmo tempo simbolizam o desejo permanente de retornar ao ventre materno, lugar de segurança, de aquecimento...
A contemplação do Nascimento de Jesus nos impulsiona a fazer a travessia para o interior de uma Gruta: ali o Grande Mistério se faz visível e revelador do sentido da existência humana.
“Conectar-se” com a Gruta de Belém é despertar o que há mais “divino” em nós.
Trata-se de “entrar” nela com suavidade, de percebê-la e fazê-la descer até o coração, de convertê-la em matéria de consideração e oração silenciosa e surpreendida.
A contemplação do Menino na Gruta revela que Deus assumiu a aventura humana desde seus começos até seu limite (vida, amor e morte). Deus se fez “tecido humano”, revestiu o ser humano de sua própria glória, plenificou-o de sentido e de finalidade. No nascimento de Jesus é revelada a grandeza, a dignidade, o mistério inesgotável do ser humano. Nossa humanidade foi divinizada pela “descida” de Deus.“Sendo rico, Cristo se fez pobre para que nós participássemos de sua riqueza” (2Cor. 8,9).

Ao aproximar-nos da Gruta de Belém, com todos os nossos sentidos abertos, começamos a intuir que tudo foi alcançado pelo amor encarnado de Deus. Belém é Deus que entra em nossa própria casa.
Acolhido pela natureza, presente na Gruta, Deus se deixou impactar por tudo aquilo que o rodeava. Tudo isso é Deus na nossa carne quente e mortal. Um Deus que “adentrou” na humanidade e de onde nunca mais saiu; um Deus que agora pode ser buscado em nossa interioridade e em tudo o que é humano. Na pobreza, na humildade da própria história pessoal, inserida na grande história da humanidade, torna-se possível acolher o dom do amor de Deus visível na Criança de Belém.
“Não basta ajoelhar-se uma vez ao ano frente ao presépio para que a vida humana seja inundada da vida divina; antes, é necessário que toda a vida esteja em contato com Deus” (Edith Stein)

Celebrar, louvar e reverenciar o nascimento de Jesus, tem a ver também com poder honrar nossas raízes, despertar nossa criança escondida em nosso interior.Jesus foi desalojado de nossos natais. Daí a urgência em nos aproximar da realidade de Belém.
Deus aparece como Menino mostrando-nos que a verdadeira dimensão do ser humano é “fazer-se criança”. É preciso retornar à infância para entrar na gruta de Belém; é preciso desbloquear em nós as fontes da inocência e da bondade. Dentro de todos nós há um menino adormecido. O ser humano precisa despertar esse menino, porque é o melhor que existe em cada um.
Sabemos que somos habitados pelo Mistério e, portanto, compartilhamos o mais essencial de nossas vidas, que se manifesta em forma de bondade, amor, compaixão...

Ao entrar na gruta para contemplar o Menino-Deus, acessamos, ao mesmo tempo, o mais profundo do coração humano, carregado de compaixão e generosidade. A bondade humana é uma faísca que pode se atrofiar, mas jamais se apagar. São necessários alguns momentos densos para que esta chama seja ativada. A vivência do Natal é um deles.
Em Belém somos pacificados de nossas ansiedades e pressas de fazer mais e de conseguir mais, de nossa sede de poder e de acumular mais; e se permanecemos em silêncio ali, diante do menino deitado no presépio, brotará em nós um desejo profundo de sermos mais humanos; ao mesmo tempo, brotará um desejo de venerar cada ser humano, de contemplá-lo em seu interior, esse lugar ainda não profanado em cada pessoa, o lugar de sua infância e de sua paz.

Hoje, percebemos que o ser humano tem perdido o contato e a comunhão com a própria interioridade, recusando receber a seiva que a todos alimenta; ele está conectado com tudo e com todos e, no entanto, tal conexão não lhe nutre, nem lhe oferece sentido à sua existência. A compulsão dos meios eletrônicos que o ameaça de superficialidade, de individualismo e de isolamento..., tem provocado nele toda espécie de mal-estar, de doenças, de conflito e divisão, de insegurança, de ansiedade, de solidão, de aridez existencial...

É aguda a consciência de uma fragmentação do eu interior.
A verdadeira nobreza do ser humano consiste nisto: há nele “algo” de interior, decorrente desua profunda conexão com a Vida,de onde recebe a seiva que o nutre e o faz entrar em relação com tudo e com todos; há nele uma força latente, como uma energia fundamental, que o impulsiona a viver, que o ajuda a crescer e a melhorar continuamente, aumenta a sua capacidade de resistência, estimula-o a alcançar aquilo que é o sentido de sua própria existência: a verdade, a liberdade, o bem, o amor...
Com a presença desta força interior, a pessoa se sente guiada pelo seu dinamismo, que lhe proporciona saúde física, lucidez mental e limpidez afetiva. É esta força que comanda os melhores momentos da vida humana como um princípio ativo, dinâmico, criativo... Taisforças primordiais, vitais, presentes nas diferentes etapas do crescimento, são essenciais ao ser humano, graças às quais ele se orienta diante das soli-citações da vida pessoal e das múltiplas escolhas, constrói a sua vida pessoal, reforça as relações comu-nitárias e sustenta o seu compromisso solidário no caminho em direção à plenitude do seu ser.
Quando o acesso à gruta interiorpermanece bloqueado, o ser humano perde a direção, seca a criatividade e o gosto por viver, não faz progredir a sua potencialidade e demite-se da própria vida.

Natal não só nos conecta com o que há de mais divino em nós, mas nos conecta também com o divino presente em toda pessoa humana, pois o Filho de Deus, com sua encarnação e nascimento, se uniu a todo ser humano. Natal faz referência à nossa comum humanidade, ou seja, nos revela que nossas vidas estão estreitamente interconectadas, e por causa desta conexão, somos responsáveis uns pelos outros. Nós nos humanizamos através dos outros. Precisamente porque cada um é parte inseparável do tecido da humanidade, o que um faz ou deixa de fazer tem consequências nas vidas dos outros.


Texto bíblico:Lc. 2,1-14

Na oração:Na presença do Menino Jesus tudo é ilu-
minado, tudo é aceito, tudo encontra seu lugar, nada é recusado.
Tudo fica transformado pela irradiação da luz que emerge a partir de dentro; e há muito mais lugar do que poderíamos chegar a imaginar, muita dignidade e muita beleza. Diante de tal luz nos fazemos “lugar puro”; e a vida inteira passa a ser presépio, gruta, espaço sem limites onde acolher os outros.