quarta-feira, 23 de abril de 2014

Jo 20,19-31- JESUS RESSUSCITADO EXERCE O OFÍCIO DE CONSOLADOR”



JESUS RESSUSCITADO EXERCE O OFÍCIO DE CONSOLADOR

“Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: a paz esteja convosco” (Jo 20,19)

“Olhar o ofício de consolar que Cristo nosso Senhor exerce”(S. Inácio).
Consolar é o que define a ação do Ressuscitado transformando a situação dos seus discípulos: a tristeza se
converte numa alegria contagiosa, o medo em valentia e audácia, a negação de Cristo em profissão de fé e martírio... Não se trata de um ato pontual senão de um “ofício” que definirá para sempre a atividade de seu Espírito no mundo.

Nos relatos das aparições de Jesus Ressuscitado, esta experiência de ficar consolado aparece muito evidente, porque se passa da angústia do túmulo vazio à consolação na presença d’Aquele que vive; é a passagem da ausência desconcertante à presença significativa.
O Ressuscitado se aproxima como Presença viva que dá Vida: deixa-se ver, caminha, fala, interpela, corrige, anima, comunica paz e alegria. Em uma palavra, presenteia seu Espírito.
Sua maneira de fazer-se presente é pessoal, personalizante, identificadora: de nome a nome, suscitando recordações e experiência comuns, fazendo vislumbrar projetos de futuro.
Outra vez Jesus re-cria a comunidade que depois da Paixão estava se desintegrando; e seus discípulos experimentam novamente o chamado e o envio, a serem testemunhas e cúmplices do Espírito, porque vivem a certeza existencial de que o Crucificado é o Ressuscitado, que a morte foi vencida, que Deus está constituído como Senhor.
Em meio à dor, os discípulos aprendem a confiar em Deus e a não deixar-se levar pela tristeza.
A alegria não começa quando acabam as dores; a alegria é uma opção de vida, expressão da confiança em Deus, que faz possível enfrentar o sofrimento com esperança. A alegria não suprime o sofrimento, mas lhe dá sentido. A alegria não desconhece o sofrimento, senão que o enfrenta com confiança.

Nas cenas evangélicas das aparições, o efeito da presença do Ressuscitado sobre os discípulos termina sempre em reconhecimento, chamado e envio, em restauração de uma vocação e missão.
Jesus ressuscitado exerce sobre eles um específico “ofício de consolar”, cujo efeito é iluminar o cami-nho pelo qual, em seu nome e com Ele, eles hão de percorrer. O “ofício de consolar” é a marca do Ressuscitado, é força re-criadora e reconstrutora de vidas despedaçadas. Jesus “ressuscita” cada um dos seus amigos, ativando neles o sentido da vida, reconstruindo os laços comunitários rompidos, e sobretudo, oferendo solo firme a quem estava sem chão, sem direção...
O “ofício de consolar” de Jesus é personalizador: com Madalena, a conversa é mais afetiva;
com os discípulos de Emaús, a conversa é mais teológica;
com os discípulos à beira-mar, sua conversa é de pescador.

O verbo “consolar” tem, no hebraico, um sentido mais amplo e forte que em português, porque, mais que animar a alguém abatido, expressa a ação eficaz de conseguir com que desapareçam os motivos de seu abatimento. Neste sentido, consolar não é tão somente acompanhar senão também inclui a ação de dar esperança, uma esperança fundada, capaz de produzir uma mudança radical no estado de ânimo do outro.
Em nosso uso habitual, a palavra “consolação” e o verbo “consolar” apontam para um profundo e rico significado: revelam um tipo de proximidade e comunhão com o outro capaz de transmitir-lhe compreen-são, alento, acolhida, impulso... ou seja, uma transmissão de energia que desperte nele suas próprias capacidades de reação diante de uma situação de tristeza, de fracasso, de desespero ou sofrimento...
Consolação e consolar são a linguagem e ação de Deus no ser humano, comunicação do Criador com a criatura, iniciativa de Deus que, quando é recebida como dom gratuito e como escuta disponível, nunca deixa a pessoa consolada no mesmo lugar ou situação onde estava antes.
A consolação de Deus é sempre dinamizadora daquilo que é divino no ser humano.
Por ser manifestação da comunicação do Espírito de Deus ao espírito humano, gera sempre na pessoa, amor, alegria, fé, entusiasmo..., e termina sempre em missão.

Deus nos consola para que possamos consolar.
Na consolação, Deus nos chama a ser seus colaboradores. A consolação que recebemos do Senhor não nos é dada tendo em vista um desfrute narcisista e fechadodeste dom espiritual, mas tem a finalidade de capacitar-nos para o “ministério da consolação”.
É um dom para a missão; se não se exerce, ou seja, se alguém se apropria dela como coisa pessoal, morre.
Dessa consolação de Deus, da qual nós mesmos e nosso mundo tanto necessitamos, somos chamados a fazer-nos receptores e mediadores.
Trata-se de uma consolação que é pura graça, que não está ao alcance de nossa mão dá-la a nós mesmos, nem dá-la aos outros, mas da qual podemos ser agradecidamentereceptores e gratuitamente mediadores. Com isso, a consolação pode estender-se a outros muitos rincões da existência humana.
É tempo de auto-compreender-nos e atuar frente aos outros como enviados a exercer ativamente o “ofício de consolar”, tendo sempre presente que a consolação verdadeira pertence somente ao Espírito, já que não é outra coisa que a gratuita auto-comunicação do Deus trinitário à humanidade.
É Ele mesmo quem deseja compartilhar conosco este ofício, o ofício de consolar.

Em 2Cor. 1,3-7S. Paulo fala da consolação de Deus como dom para uma missão. Somos pois consola-dos em nossas tribulações para poder consolar os outros nas suas. Trata-se de uma experiência transbor-dante, expansiva, que nos impulsiona em direção aos outros. O consolo que recebemos está destinado a transbordar-se para os outros em forma de comunicação de alegria intensa e de gratidão.
A gratuidade é o habitat natural da consolação e do consolado.
Todos somos chamados a exercer este “ofício de consolar” de Jesus; a experiência da Ressurreição nos move a “descer” junto à realidade do outro (seus dramas, fracassos, perda de sentido da vida...) e exercer este ministério humanizador, ou seja, ministério entre iguais, “vida que desperta outra vida”.
É vida plenificada, iluminada, integrada... pela experiência de encontro com o Ressuscitado e que flui em direção à vida bloqueada, necrosada... ativando-a, despertando-a... É movimento expansivo da vida.
Assim como a consolaçãoé o canal privilegiado pelo qual Deus se comunica e atua em nós, o ofício doconsolo” é o canal por onde flui a vida: acompanhar os solitários, tecer relações de fraternidade, “estender pontes”, oferecer solo firme...
“Ofício” vem de “oficina”: lugar da criatividade, do novo, do surpreendente... e não da repetição mecânica. Por isso, não há um molde para consolar a todos igualmente.

Há profissionais onde este ofício é mais fácil: terapeuta, educador, assistente social, médico, acompa-nhantes espirituais, sacerdotes... Mas todos somos chamados a viver este ofício, não como evento, mas como hábito permanente de vida. É por onde flui a Ressurreição.

Texto bíblico:Jo 20,19-31

Na oração: recorde situações onde você foi
 o mediador da consolação de Deus.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Sábado Santo.



SÁBADO SANTO: a presença ausente de Deus

O “Deus sempre maior” se desvela e ao mesmo tempo se vela(oculta) a nossos olhos.

Tanto na vida cotidiana dos cristãos como também na liturgia, o Sábado Santo é um dia triste, cinzento, desapercebido, quase esquecido. Seu centro é o sepulcro;é um dia sem liturgia, em silêncio, não acontece nada, recorda a solidão do sepulcro, a tristeza das mulheres e dos discípulos, a desilusão diante do fracasso.
Todos, em algum momento de nossa vida, temos atravessado ou atravessamos períodos de tristeza, luto, frustração ou fracasso de projetos ou expectativas. Momentos de sofrimentos físicos, morais ou espiri-tuais, situações de carência de sentido da vida e de injustiças flagrantes vão marcando nossa existência.
A experiência do “Sábado Santo” é uma experiência tipicamente humana e cristã e aqueles que passaram por ela são luz e consolo para os outros.

Como seguidores de Jesus, vivemos nossos Adventos, Natais, Quaresmas, Páscoas e Pentecostes; também vivemos nossas Sextas-feiras santas. É preciso também aprender a viver os Sábados Santos.
O Sábado santo é seguramente o tempo da Igreja e da liturgia que nos cabe viver mais largamente em nossa vida: há um silêncio angustiante de Deus diante das injustiças do mundo, diante da violência, da fome, da enfermidade, da destruição da natureza, da morte... Deus parece dormir, se cala, escuta-se o silêncio de Deus...Para muitos, não há nada além do sábado de sepultura; esse sábado não teria nada de “santo”, seria o sábado do fracasso e do sepultamento daquele que culpavelmente se viu privado de vida. O desconcerto diante da Sexta-feira santa pode chegar a tal ponto que não resta esperança, nem razão para a missão.

O Sábado Santo, no entanto, nos impulsiona a entrar em outra concepção do tempo e em outro modo de viver . Neste dia, toda a Igreja sente um peso profundo que não a deixa ainda desfrutar da vida.
Estar à espera ou em chave de sábado santo, é um estado difícil... em tensão. É o dia da paciência, o dia da esperança freada, o dia em que a esperança é acrisolada pelo fogo.
Nosso Sábado não é simplesmente um final. É um convite à fé. A atitude criativa e crente é confiar muito mais no Deus que, parece, se ausentou de nossas vidas.
Na verdade, toda a realidade está cheia da Presença ausente de Deus. A ausência é a linguagem do amor: dinamiza, impulsiona a progredir no conhecimento da pessoa amada e a esperar o encontro com ela.
Na relação com Deus acontece o mesmo. O movimento do encontrar-se-afastar-se, o lamento da separação e a dor da ausência gera um insaciável desejo de busca e espera vigilante d’Aquele que em qualquer momento pode fazer-se presente.
Com sua Presença e sua Ausência Deus mesmo nos vai educando o coração.Ovelar-se-desvelar-se de Deus fortalece a confiança e nos leva não colocar a segurança em nosso pobre amor, senão no d’Ele.
A Ausência ajuda a manter viva a sede de Deus, buscando-O por novos e obscuros canais. Podemos assim transitar por caminhos desconhecidos só com esta sede de Deus por luz.
Deus nos convida sempre a romper as fronteiras do lugar onde habitamos para poder crescer no Amor.

O Sábado Santo irrompe no itinerário do crescimento espiritual porque ir pelo caminho da configuração com Cristo supõe passar por ele.Grande parte de nossas vidas é constituída por longos “sábados santos”. É na vivência deles que se dá um aumento de percepção e compreensão da experiência de Deus. Apesar da dor e da provação, temos a certeza da “fonte que mana e escorre”. São momentos de aprendizagem em “deixar Deus ser Deus” na nossa própria vida, para que Ele continue sendo nosso verdadeiro Centro e assim todo nosso ser e agir possa ser para sua glória e louvor. Eles nos preparam para que possamos nos aproximar de Deus com todas as capacidades de comunhão abertas.
O ocultamento de Deus neste dia é só provisório. Em nós pulsa a “teopatia” (paixão por Deus). E nosso Deus não nos vai defraudar. E esperamos porque “cremos n’Ele”, esperamos o melhor de sua bondade. O Espírito ficou sem Palavra, mas já sussurra; Elepaira sobre nosso “caos” interior para ali estabelecer o “cosmos”, a harmonia e a beleza da vida. Algo grande está prestes a acontecer.

O Sábado Santo, na realidade, constitui um momento de purificação no qual nos é oferecida a oportu-nidade de desprender-nos de tudo aquilo que em nossa mente e em nosso coração confundimos com Deus. Nele, Deus nos transforma em seu Amor.
É no Sábado onde podemos concentrar toda nossa atenção em Deus como nosso Tudo, sem que outra coisa possa dispersar-nos. A fidelidade a Deus é a condição da união com Ele.
No Sábado da espera somos convidados a exercitar-nos na fé, na esperança e no amor.
O Sábado, sem a certeza de que é a antessala do Domingo da Ressurreição, é só morte e convoca à morte.
No Sábado Santo somos todos terra de penumbra. Nela se antecipa a esperança do dia de Páscoa. Como as mulheres, vamos ao sepulcro, levando aromas.
Aberto à expectativa diante do amanhecer que traz notícias, o Sábado se converte em um tempo fecundo. Cheio de sombra, é verdade, mas fecundo porque refaz nossas forças, nos convoca ao essencial e nos confirma no que queremos ser: homens e mulheres de fé.
Como seguidores de Jesus somos testemunhas não do fracasso, mas de ricas e surpreendentes possibilidades. Com tudo, apesar de tudo e com o peso de tudo, sabemos que o Sábado não é uma espera inútil, é uma espera fecunda.  Sábado Santo é tempo não só de espera senão de esperança, é deixar que o grão de trigo morto comece a dar fruto, é tempo de um inverno que fará possível as flores da primavera, é tempo de imaginar, de criar, de abrir-se a algo novo e inesperado, de sonhar um mundo melhor e uma igreja nazarena. O Sábado Santo é, ao mesmo tempo, sepulcro e mãe, como diziam os antigos Padres da igreja ao falar do batismo.
Este espaço de silêncio não é de morte mas de vida germinal, é noite que aponta para a aurora, é momento de semear, é tempo de crer que o Espírito do Senhor, criador e doador de vida, está fecundando a história e a terra para sua maturação pascal, para a nova terra e o novo céu.
Ainda mais, este tempo é necessário, imprescindível para que deixemos de nos olhar para nós mesmos e nos abramos aos primeiros reflexos de Ressurreição que estão chegando, inclusive de lugares que não costumamos olhar.

Texto bíblico:Lc 23,50-56

Na oração: fazer memória dos Sábados Santos(perdas, fracassos, lutos...) como tempo de maturação da
própria vida e como possibilidade de surgimento do novo.

Sexta feira Santa



QUÊ VEMOS AO OLHAR A CRUZ?

“Os homens nunca fazem o mal tão completamente e com tanto entusiasmo como quando o fazem por convicção religiosa” (Blaise Pascal)

“Sou Padre católico e concordo plenamente com o Ministério Público de São Paulo, em querer retirar os símbolos religiosos das repartições públicas… Nosso Estado é laico e não deve favorecer esta ou aquela religião. A Cruz deve ser retirada! Aliás, nunca gostei de ver a Cruz em Tribunais, onde os pobres têm menos direitos que os ricos e onde sentenças são barganhadas, vendidas e compradas. Não quero mais ver a Cruz nas Câmaras legislativas, onde a corrupção é a moeda mais forte. Não quero ver também a Cruz em delegacias, cadeias e quartéis, onde os pequenos são constrangidos e torturados. Não quero ver, muito menos, a Cruz em prontos-socorros e hospitais, onde pessoas pobres morrem sem atendimento. É preciso retirar a Cruz das repartições públicas, porque Cristo não abençoa a sórdida política brasileira, causa das desgraças, das misérias e sofrimen-tos dos pequenos, dos pobres e dos menos favorecidos”. (Frade Demetrius dos Santos Silva)

“Essa é a única morte que nos pode dar força diante das outras mortes” (Libânio)
Todas as mortes são para nós um absurdo, porque a morte é o nada que entra na nossa história, e seria nada mesmo, se não houvesse essa morte de Jesus que deu sentido a todas as outras mortes. Só por isso valeu a morte de Jesus. Diante dos sofrimentos e da morte somos convidados a olhar para este Homem que assumiu a morte para estar conosco, para estar ao nosso lado; é nessas horas que vamos encontrá-Lo.
Sexta-feira Santa é convite a entrar e mergulhar no mistério desse Homem que, ao mesmo tempo, assumiu nossa humanidade ao extremo e nos mostrou a face misericordiosa de Deus Pai.
Jesus não escapou de nenhuma experiência nossa, Ele não fugiu das experiências que tecem o nosso cotidiano, Ele as viveu a cada dia de modo humano. E de repente essa experiência humana chega a seu extremo, ao extremo da dor e do sofrimento.
Carregar a cruz não é um ato dolorista nem um ato suicida, é um ato de entrega da própria existência.

Ao contemplar o Crucificado, muitos questionamentos vão surgindo: 
* a Cruz é sinal de solidariedade ou sinal de poder, sinal de libertação ou sinal de opressão, sinal de rebeldia ou sinal de submissão, sinal dos vencidos ou sinal dos vencedores...?
* Perguntamo-nos se é a Cruz dos condenados deste mundo ou a cruz dos que condenam, a Cruz dos crucificados da terra ou a cruz dos que continuam crucificando como em outro tempo crucificaram a Jesus?
A primeira coisa que descobrimos ao contemplar o Crucificado do Gólgota, torturado injustamente até à morte pelo poder político-religioso, é a força destruidora do mal, a crueldade do ódio e o fanatismo da mentira. Precisamente aí, nessa vítima inocente, nós seguidores de Jesus, vemos o Deus identificado com todas as vítimas de todos os tempos. Está na Cruz do Calvário e está em todas as cruzes onde sofrem e morrem os mais inocentes. A partir da Cruz, Deus não responde o mal com o mal; Ele não é o Deus justiceiro, ressentido e vingativo, pois prefere ser vítima de suas criaturas antes que verdugo.
O Crucificado nos revela que não existe, nem existirá nunca um Deus frio, insensível e indiferente, mas um Deus que padece conosco, sofre nossos sofrimentos e morre nossa morte.
Despojado de todo poder dominador, de toda beleza estética, de todo êxito político e de toda auréola religiosa, Deus se revela a nós, no mais puro e insondável de seu mistério, como amor e somente amor.
Nós cristãos contemplamos o Crucificado para não esquecer nunca o “amor louco” de Deus para com a humanidade e para manter viva a recordação de todos os crucificados da história.

Jesus não morreu por vontade divina nem para expiar nossos pecados, senão que foi condenado como herege e subversivo, por elevar a voz contra os abusos do templo e do palácio, por colocar-se do lado dos perdedores, por ser amigo dos últimos, de todos os caídos.
Na contemplação da Paixão fazemos memória comovida de Jesus, e ao “fazer memória” confessamos que Ele está vivo, revivemos Sua vida, O ressuscitamos na vida. Não buscamos argumentos lógicos e dog-máticos, mas sinais de vida em toda Sua vida e também em Sua morte. Descobrimos, como afirma a teóloga Mercedes Navarro, que “Jesus morreu de vida”: de bondade e de esperança lúcida, de solidariedade alegre, de compaixão ousada, de liberdade arriscada, de proximidade curadora...
“Morreu de vida”: isso foi a Cruz, e isso é a Páscoa. E é por isso que tem sentido recordar Jesus, olhando nas chagas de sua Cruz as pegadas de sua vida.
Os relatos dos evangelistas nos recordam que nós cristãos somos seguidores de um Crucificado.
A leitura orante do relato da Cruz de Jesus nos faz abrir os olhos para  ler também nossa própria vida e a vida de toda a humanidade. Não se trata meramente de uma referência externa, presa ao passado, mas de uma mensagem de sabedoria permanente, que transcende o tempo e o espaço.
“Porque os judeus pedem sinais, os gregos procuram sabedoria, ao passo que nós anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os pagãos, mas para aqueles que são chamados é Cristo, força de Deus e sabedoria de Deus” (1Cor. 1,22-24)

Situar-se, pois, diante do Crucificado, acarreta diversas conseqüências para nossa vida; podemos destacar as seguintes:
Denúncia: a Cruz nos fala de uma aliança de poderes, religioso e político, que acabaram cruelmente com a vida de um inocente. Isso ocorreu com Jesus e, por desgraça, ocorre ao longo de toda a história humana. Crer no Crucificado implica denunciar ativamente todo tipo de opressão contra os inocentes.

Compromisso: para nós que cremos em Jesus, todo e qualquer “crucificado” – seja qual for o motivo de sua cruz – é alguém sagrado, que suplica nossa compaixão ativa e nossa solidariedade eficaz.
Como diz Jon Sobrino, não podemos crer no Crucificado de um modo coerente se não estamos dispostos a fazer descer da cruz aqueles que estão nela.

Esperança de vida: a Cruz – que se completa com a mensagem da ressurreição, com a qual forma um único acontecimento – proclama que a Vida não morre; que, inclusive naquelas circunstâncias nas quais parece que tudo é fracasso, a Vida abre caminho; nenhuma morte é o final.

Ensinamento: como viver a própria cruz? Para começar, sabemos que, a rigor, não podemos chamar “cruz” a todo sofrimento. Há sofrimentos evitáveis, em nós e nos outros, contra os quais teremos que lu-tar; há outros inevitáveis, que precisamos acolhê-los e dar-lhes sentido; e há outros, que são consequência de uma opção de amor fiel: estes são a “cruz”, pois são a opção construtiva que admiramos em Jesus: aqui é importante assumi-los lúcida, paciente e confiadamente. Assim vivida, a Cruz é fonte de vida; tal é a mensagem do Crucificado: “viver como Deus quer o que Deus não quer”.

Textos bíblicos:  Mc 15,21-41 1Cor. 1,18-25