“Para que não
suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo”
(Mc 13,36)
Estamos iniciando um
Novo Ano litúrgico. Começamos com o Advento,
que não é somente um tempo litúrgico, mas toda uma atitude vital que
atravessa toda nossa existência. Sempre há o risco de vivê-lo como “mera
repetição”, como um “tempo parecido” com o tempo anterior.
Não entenderemos a
mensagem de Jesus se ela não nos motiva a viver em continuo e criativo Advento.
Cada Advento é único e original,
pois já não somos mais os mesmos: passamos por contínuas mudanças, amadurecemos
mais, estamos vivendo problemas e desafios diferentes, acumulamos
experiências... Deus também não se repete; Ele se aproxima de cada um de nós
com um novo olhar e um novo apelo. Ele quer suscitar vibrações novas em nossas
vidas e sua Presença instigante desperta em nós o grande desejo de entrar em
sintonia com o Seu coração. Novo tempo,
que pede de nós amplitude de visão e sensibilidade.
“Ficai despertos!”
“Vigiai!” “Tende os olhos abertos!”:são apelos para o início deste Advento.
A chave do relato do Evangelho de hoje está na atitude dos servos. Para provocar essa
atitude, Jesus nos fala da chegada inesperada do dono da casa. Deus é Aquele
que sempre está vindo. Ele é “o que vem”.
Se passamos a vida
adormecidos, nada acontece. Isto é o que deveria nos dar medo: poder
transcorrer nossa existência sem ativar as possibilidades de plenitude que nos
foram dadas.
Mas não basta ter os
olhos abertos;é preciso ampliar a visão para além de nossos pequenos interesses
e preocupações; precisamos também de maisluz.
Despertar é
simplesmente abrir nossos olhos, cada dia, à luz que provém de Deus e confiar
que tal luz transforme nossa maneira de ver; é preciso deixar que esta luz
ilumine nossas sombras interiores, des-velando e trazendo à tona nossas
aspirações e esperanças mais duradouras.Abrir os olhos à luz de Deus e escutar
atônitos, fascinados, a voz divina que cada dia ressoa em nosso interior.
Trata-se de estar despertos para assumir a vida com uma consciência lúcida.O
amor, a inspiração, a vida, nos movem por dentro. Tudo o que esperamos já temos
dentro de nós. Um dinamismo misterioso nos abre e nos atrai, nos impulsiona a
ser, a viver. Basta “destravar” este impulso e nos deixemos levar.
Advento
é tempo que nos
convida a abrir os corações, escutar o Espírito e pôr-se a caminho, enquanto “a
luz da vida” nos ilumina.
É preciso despertar
e ativar um fogo novo em nosso interior; há algo importante, essencial na vida
humana que ainda está adormecido; há uma dimensão existencial profunda onde é
cada vez mais difícil a inteligência e a vontade terem acesso.
Hoje o ser humano
está desperto por fora, mas por dentro revela um coração descontrolado,
sacudido entre forças de gravidade que ora o arrastam para o exterior, o
imediato e a superficialidade, ora despertam a experiência de um desejo
interior com uma forte nostalgia de vida, de paz, de plenitude...
A humanidade quer
viver.O coração humano precisa escutar este desejo, não só como sede de terra
seca, mas como uma palavra de vida, como o rumor de uma fonte de água viva.
Talvez ele precise colocar outro ritmo em sua existência, que lhe permita estar
atento e à escuta das surpresas que a vida des-vela.
O Advento
constitui também um tempo habitado; é um tempo de espera, de paciência,
de confiança em Deus que
não só se revela na história, mas também na temporalidade. Deus é o que marca o ritmo do tempo, é Aquele que
tem a iniciativa.Ao ser humano lhe corresponde estar atento aos movimentos do
Espírito e dos acontecimentos.Mas é um tempo de espera ativa.
Acolher os momentos
de Deus é estar preparado para o mais “in-esperado”.
A dinâmica da espera
inclui a surpresa. Esta certeza forma parte central da experiência da fé.
Brota uma certeza:
o esperado, quando chega, ultrapassa sempre o que se espera.
Pede ser esperado
em gratuidade, sem pressas, sem ansiedade,porque sabe que tudo é dom e graça.
Esperar é uma forma de viver. Esperar é ser fiel ao dinamismo
profundo da vida, deixar-se levar simplesmente pelo Espírito que nos habita, o
Espírito que tudo une e liberta, que tudo move e atrai.
A espera, quando
é carregada de amor e presença, faz crescer e conhecer regiões do coração até
então desconhecidas e inexploradas.
“Despertar”também nos abre a uma sintonia,
a uma relação profunda, com o universo que nos envolve, com os outros com quem
convivemos, com o Criador que tudo sustenta. Poderíamos nos perguntar: o quê
nos pede Deus em cada acontecimento e em cada situação da vida.
Esta é a maneira de entender e viver uma espiritualidade
aberta a um “Deus sempre surpreendente”, sempre novo. Um Deus de
quem tudo procede, que habita nas criaturas, que trabalha por nós, que desce às
nossas vidas e aos nossos tempos.
Isto é contemplação, e que faz toda a diferença:
talvez não transforme de imediato as dificuldades, os desafios, uma situação
dura, mas, pode sim mudar a textura de nossos corações, a qualidade de nossas
respostas, a profundidade de nossos sentimentos e pensamentos.
O tempo do Advento nos oferece uma oportunidade única de aprender a esperar e fazer da esperança nossa condição existencial. Somos,
na medida que esperamos. Somos aquilo que esperamos ser. Por isso, o Advento
pede vincular esperança e responsabilidade, justamente para dar mais consistência
humana e maior sentido a esse futuro que está aberto à nossa frente, carregado
de motivações e inspirações.
O ser humano pode
esperar o que quiser, mas não pode esperar qualquer coisa. É preciso ter os
olhos bem abertos para “ver” e acolher o que acontece ao nosso redor:as
alegrias e os sofrimentos daqueles que nos cercam, as esperanças dos povos que
estão mais além de nossas fronteiras, muitas vezes em situações dramáticas, os
sonhos de tantos que buscam um mundo mais fraterno, livre e justo...
Viver conectados,
em redes, unidos, entrelaçados, para potenciar a esperança e a vigília,
iluminando-nos uns aos outros, despertando sonhos e buscando soluções
alternativas, ressuscitando as aspirações profundas, vivendo continuamente
comprometidos com outro mundo mais fraterno e justo.
Vigiemos,
observemos, abramos os olhos a “outra realidade” que já está presente nas
entranhas da nossa própria cotidianidade. Advento
é indicar e ativar a “nova vida” que quer se fazer visível.
O dia esperado está
começando. Estamos apenas na aurora, mas os primeiros raios trazem a suavidade
que enche o nosso coração. Resta-nos a esperança; com ela, damo-nos as mãos,
colocamo-nos a caminho.
Como Maria, tenda humilde do Verbo, podemos nos converter em pessoas de
esperança, abertas à novidade do Espírito, que espreita oculto nas dobras de
nossa história. Podemos chegar a ser sentinelas do amanhã.
Texto
bíblico:Mc 13,33-37
Na oração:
o que o faz
permanecer adormecido, alienado da
realidade e incapaz de “ler”
os sinais d’Aquele que vem vindo?
Como se situa diante dos desafios
que você é chamado a enfrentar? Não se sente cansado, desanimado ou sem
esperança por já ter vivido tantas mudanças? Ou talvez desanimado porque as
coisas não aconteceram como havía previsto? Ou, ao contrário, cheio de energia,
entusiasmado por ser protagonista de uma época considerada de graça e de
bênção?