segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

OLHAR ESPERANÇADOR, DESBRAVADOR DE FUTUROS


 

 

“Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo que tinham visto e ouvido” (Lc 2,20)

 

Somos seres de “travessia”...

Mais uma vez nos deparamos com ritos de passagem: final de ano, a expectativa surpreendente da Epifania, a renovação dos desejos que nos humanizam, a ansiedade diante dos desafios do Novo ano...

Tempo celebrativo marcado pela gratidão, para acolher as experiências vividas e aprender com elas; tempo de inspiração e criatividade diante da certeza do novo; e, sobretudo, tempo para re-compor a esperança, tantas vezes reprimida ao longo do ano.

Ano Novo nos situa no clima das grandes esperanças da humanidade; neste dezembro mágico nosso coração caminha mais rápido, rompe o tempo, já está lá na frente, pronto para acolher a surpresa.

Tudo aponta para o Eterno que nos escapa e nos encontra. Aqui a imaginação trabalha e cria momentos felizes. Com essa esperança, podemos dar sabor à nossa vida, muitas vezes modesta e simples.

A esperança tem raízes na eternidade, mas ela se alimenta de pequenas coisas. Nos despojados gestos ela floresce e aponta para um sentido novo. É preciso um coração contemplativo para captar o “mistério” que nos envolve. É preciso um “coração de pastor” para ver numa criança a presença do Inefável.

 

Mesmo diante dos profundos dilemas sociais, achamos possível ser e viver de outro modo, inventamos e reinventamos opções, criamos novas saídas... e sem cessar, sonhamos com o “mais” e o “melhor”.

Ainda que soframos ventos contrários e as nuvens se adensem no horizonte, sabemos e confessamos com o profeta Jeremias: “Há uma esperança para o teu futuro” (31,17).

Precisamente por vivermos tempos difíceis, precisamos mais do que nunca da pequena e teimosa espe-rança. Pois“a esperança é uma filhinha que todas as manhãs acorda, lava-se e faz a sua oração com um rosto novo” (Péguy).

Nesse sentido é que compreendemos a esperança como produtora e gestora do futuro; ela se revela como espera criativa e nos prepara para acolher as surpresas da vida.

A esperança é algo constitutivo de nossa humanidade, ao mesmo tempo que nos humaniza; ela carrega uma força misteriosa, um sopro criador que nos leva a olhar tudo com fé e otimismo.

O nosso interior está habitado por esperanças de todo gênero. O que faz a diferença é a qualidade, a consistência e o realismo de nossas esperanças.

 

A esperança,hoje como sempre, não é virtude de um instante. É a atitude fundamental e o estilo de vi-da daqueles que enfrentam a existência “enraizados e edificados em Jesus Cristo” (Col.2,6)

Ela não é a virtude própria dos momentos fáceis. Ao contrário, a esperança cristã cresce, se purifica e se enriquece em meio aos conflitos.

Frente a uma “visão imediatista” da história, sem meta e sem sentido algum, a esperança cristãleva a sério todas as possibilidades latentes na realidade presente.

Precisamente porque queremos ser realistas e lúcidos, nós nos aproximamos da realidade, vendo-a como algo inacabado e “em marcha”; não aceitamos as coisas “tal como são”, mas “tal como deverão ser”.Quem ama e espera (esperançar) o futuro não pode “conformar-se” com a realidade tal como é hoje. A esperança não tranquiliza, inquieta, gera protesto, nos desperta da apatia e da indiferença... nos desinstala.

 

Santo Agostinho dizia que a esperança tem dois filhos: a indignação e a coragem.

Indignação ao ver como as coisas estão e coragem para não permitir que continuem assim.

Nós nos indignamos quando nos sentimos impotentes ante a injustiça, a violência, o abuso do poder, a marginalização em que vivem milhões de crianças e jovens sem futuro… Entretanto sabemos bem que a indignação não basta para mudar essas realidades que não apreciamos.

Por isso Santo Agostinho fala do segundo filho: a coragem, palavra que deriva do latim “cor”, coração.

Ter coragem significa ter coração. A primeira prova de coragem é, portanto, atrever-se a escutar o próprio coração e rebelar-se diante da impotência. Coragem é colocar o coração na frente, e não os cálculos racio-nais da mente ou os medos paralizantes.

Aquele que vive com esperança se sente impulsionado a fazer o que espera.

Desejar algo é antecipar o futuro e procurar uma maneira de torná-lo presente.

 

“Estamos abastecidos de futuro” (Pedro Arrupe)

Há um dado que é absolutamente evidente nestes tempos pós-modernos: o futuro que vamos construindo“carece de marcas de certeza” (Lefort).

Nossa concepção de futuro se atrofiou: vivemos “tempos semfuturo”. Não podemos prever o futuro com segurança. Hoje, o futuro se apresenta a nós muito mais aberto que em qualquer outra época de nossa humanidade. Os conhecimentos, os meios de comunicação, as técnicas... não nos asseguram uma certeza do que virá. Aventurar no futuro torna-se cada dia mais complexo e difuso, pois predomina a incerteza que nós mesmos geramos.

Vivemos uma geração que teme o futuro; por isso vivemos um “presente esticado” porque o futuro nos apavora. Já que preferimos não imaginar o futuro, alargamos o presente.

Precisamente porque faltam valores e um sentido para a existência é que se irrompe o medo do futuro, a acomodação, o refúgio no efêmero e no imediato, sem raízes e sem esperança. O medo do futuro nos ajuda a entender a mediocridade e o vazio do presente.

Ao reduzir nossos sonhos e aspirações ao consumo, reduzimos nossa humanidade e nossa vida.

 

Precisamos voltar a ter um futuro onde ancorar; um futuro que valha a penaimaginar e que impulsiona as ações de nosso presente; uma esperança que nos dilate. Sem silêncio, sem profundidade, sem a sabedoria que sabe decantar, nunca seremos arrojados e audaciosos frente ao futuro.

O futuro que espera se converte em projeto de ação e compromisso, alimenta a solidariedade, desperta a ternura, a acolhida compassiva...

E este compromisso é precisamente o que gera esperança no mundo.

No final, seremos todos acolhidos por Aquele que nos quer “eternos”. Porque Ele é “terno”, deitado numa manjedoura, Esperança despojada que dá sentido às nossas perdidas “esperanças”.



Texto bíblico:Lc 2,16-21

 

Na oração: Esperança, indignação, coragem.

 Preciosas atitudes para este novo tem-po em que temos o privilégiode viver. Você se atreveria de fazer suas essas atitudes? Você se arriscaria, por um novo começo? Que riscos concretos você se sente chamado a assumir?

 

Um Ano Novo feito de promessas, de caminhos... de ternura infantil.

Um ousado 2015,carregado de esperanças.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

ADVENTO: FOME E SEDE DE ESTRADAS


 

"Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!” (Mc 1,3)

 

Neste tempo de preparação para o Natal, aparece na liturgia cristã um personagem sumamente interessan-te e provocador: seu nome é João;“a terra se chama João”, escreveu Pablo Neruda. Ou seja, um nome universal; um nome que revela a identidade de um homem que rompe os esquemas estabelecidos; sua missão profética se dá no deserto, longe dos templos e da religião oficial.

A partir da margem ele grita e este grito é o que melhor revela o espírito de Advento.Ele denuncia que nossos caminhos estão bloqueados e que as veredas da humanidade estão torcidas, impedindo que venha e se manifeste o Deus da justiça.

Uma frase de Fernando Pessoa poderia sintetizar o quão inspirador é este tempo do Advento:

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso cor-po, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.

 

Por isso, Advento é tempo propício para destravar nossa vida, colocando-a em movimento.

É nesse contexto de uma realidade atrofiada, pessoal e social, que ressoa forte a voz de João:“preparai...”.Somos nós quedevemos nos mobilizar, fazendo-nos Caminho de Humanidade, precursores de “Alguém” maior. Somos peregrinos que preparam o Caminho para o verdadeiro Enviado de Deus, para os homens e as mulheres da paz e da plenitude futura.

“Preparai” significa estar atentos para não permanecermos fechados em nossos pequenos reinos e abrir um espaço de esperança frente a um mundo que gira em torno a si mesmo.Se estamos apegados ao que temos e somos, jamais seremos capazes de “fazer estrada com Deus” e participar da preciosa vida que Ele nos oferece.

É preciso “endireitar-se”, ter um horizonte de vida, preencher nosso vazio de vida interior, “aplainar” e descer de nossas montanhas de orgulho e soberba... Vivemos instalados em certos costumes, estilos de vida medíocres…Vivemos no centro de uma humanidade torcida, retorcida e, no fundo, envenenada. Para endireita-la é preciso forçar, fazer que se quebrem e se rompam as resistências interiores, a fim de que tudo se aclare, se desvele.

 

Estamos decididos a percorrer os caminhos novos que a novidade de Deus nos apresenta?

Ou nos entrincheiramos em estruturas caducas que perderam a capacidade de resposta?

Caminhar é sair do centro, das seguranças, da acomodação... e ir em busca das surpresas, das novas descobertas; implica arriscar, ter ousadia, não ter medo de fazer a travessia para o outro lado.Somos passageiros, um Caminho aberto à vida de Deus que permanece, caminho que anuncia e prepara a Vida. Por isso precisamos, mais do que nunca, da figura do profeta; autênticos profetas que, sem medo e partindo de sua experiência de Deus, nos ajudem a encontrar o verdadeiro caminho; pessoas que por sua dedicação e experiência pessoal possam lançar alguma luz nesse emaranhado de caminhos que se entrecruzam e que a imensa maioria são sendas perdidas que não levam a lugar nenhum.

A humanidade deveria ser caminho de vida, jamais caminho de morte.

Nunca foi oferecido ao ser humano tantos falsos caminhos de salvação como agora:caminho fechados, caminhos obstruídos que veda passos e impede a circulação da vida, caminhos que paralisam mobiliza-ções, caminhos que travam saltos históricos, caminhos que barramtransformações sociais, caminhos embrutecidos que conduzem à crueldade e à violência, caminhos mortíferos que precipitam à morte.

Nada mais desolador do que ser “inviável”, ficar “sem via”, ficar sem caminho, sem saída, sem futuro.

Nada mais trágico do que perder o caminho.

 

“O ser humano é Terra que anda” (AtahualpaYupanqui). O caminho está dentro de nós. Sem caminho nos sentimos perdidos, confusos, sem rumo, sem bússola e sem estrelas para orientar as noites de nossa existência.Somos peregrinos. A vida cristã é um movimento constante de passagem. Somos seres em trânsito, rumo ao novo. Itinerantes. Caminhar sempre. O próprio caminhar desvenda mais caminho.

Enquanto amadurecemos no caminho, importa colher e acolher o que o próprio caminho oferece. Expandir a esperança que ilumina a mente e o coração.

Mais do que ser-de-caminho, o ser humano é ser-caminho: caminho da vida, caminho da verdade, caminho da justiça, caminho do coração, caminho do amor, caminho da ciência, caminho da ética, caminho da solidariedade. Cada pessoa tem a responsabilidade de ser caminho para os outros.

Caminhoescancarado à passagem da humanidade peregrina. Caminho acolhedor; caminho aberto e solidário; caminho ecumênico; caminho plural; caminho sedutor.

“Senhor, mostra-nos teus caminhos!”

Para o povo que peregrina no deserto, é essencial conhecer direções e entender ventos. E para o coração que peregrina no deserto da vida, é essencial conhecer os caminhos do Espírito e os ventos da Graça.

De Deus viemos. Dele somos. Nele vivemos. Para Ele vamos. Peregrinos espertos em discernir rumos e encruzilhadas.Somos caravana que avança em êxodo continuado. Vida nômade, provisória.

Peregrinar sem morada permanente. Tenda ambulante, não casa sólida de pedra.Somos Pessoas de muitas tendas, de muitos acampamentos. Nada definitivo.Estado de itinerância evangélica, traço característico de Jesus e de todo seu seguidor. O mundo, nossa casa sem paredes.

Caminhar em direção a Quem é sempre maior, rumo ao destino prometido.

 

Somos todos peregrinos, mas os viajantes são diferentes. A estrada não é igual para todos.Vivemos uma caminhada que começa dentro de nós mesmos, nas estradas e trilhas do nossoeu profundo.

Mas, ao mesmo tempo, é um caminho solidário: no caminho de cada pessoa estão presentes milhões e milhões de experiências de caminhos vividos e percorridos por incontáveis gerações. A missão de cada um é prolongar este caminho e vivê-lo tão intensamente que aprofunde o caminho recebido, endireite o caminho retorcido e ofereça aos futuros caminhantes um caminho enriquecido com suas pisadas.

Caminhamos juntos, acompanhados por Aquele que é o Caminho: “Emanuel, Deus conosco”.

Quem caminha quer ser mais. Seu horizonte é o seu sonho, o seu ideal. Aceita o desafio de caminhar com os pés no chão e o coração na eternidade.

Pioneiras são as pessoas que vão a lugares onde ninguém esteve antes: “gente de fronteira”.

“Temos fome e sede de estrada, e ela está ardendo por dentro”.

Caminhar é preciso. O seu caminho tem coração?
 
 



Texto bíblico: Mc 1,1-8

 

Na oração: rezar a bagagem de sua vida; imagine-se diante de sua mo-

chila...onde  colocou tudo o que você leva consigo, desde os anos de suainfância até agora (os dias felizes e menos felizes, as experiências plenificantese as experiências frustrantes, tudo o que lhe pesa e lhe aborrece, o que vocêsente que o importuna, o que lhe pressiona e o abate, talvez alguma coisa quelhe parece insuportável...).

- Contemple as experiências bonitas e enriquecedoras em sua bagagem, as

“coisas”que você guarda com carinho...  Faça “memória” das maravilhas

que o Senhor realizou em você, na estrada da vida. Reze... louve... agradeça...

- Diante do Senhor, pegue a sua mochila para sentir o seu peso... ofereça-a.