SANTIDADE: capacidade
ilimitada de paixão.
“Alegrai-vos e exultai, porque será
grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5,12)
No dia em que a
Igreja faz memória de todos os Santose Santas, a liturgia escolhe sabiamente
o evange-lho das Bem-aventuranças. A sabedoria deste texto, surpreendente e
genial, está no fato de apresentar um projeto de realização total, de
felicidade sem limites. O
Evangelho que nos foi confiado é um pro-grama para alcançar a felicidade,
a vida ditosa, prazerosa, bem-aventurada.
Na boca de Jesus brilha sempre a palavra chave:
“Felizes”.
As nove bem-aventuranças
apresentam nove promessas de felicidade plena, nove situações que conduzem a
essa felicidade, já a partir desta vida. São nove promessas de esperança. O que
está em nossas mãos são as situações de fato, as nove condições para viver o
Reino de Deus.
Trata-se, com efeito, de uma
felicidade que transcende este mundo. E que, por isso, é para sempre e sem
limitação alguma. É essa a condição daqueles que a Igreja considera e venera
como santos(as).
Também é preciso levar em conta que as bem-aventuranças
falam da felicidade, não no singular, mas no plural.
Ou seja, Jesus não fala da felicidade do indivíduo, mas da felicidade relativa
à comunidade.
A felicidade não é uma questão meramente
individual, mas essencialmente social; a felicidade não se consegue
isoladamente, mas comunitariamente.
Em outras palavras, o que Jesus afirma é que a felicidade
de cada um está em intima relação com a felicidade dos outros, com quem cada um
convive.
Mas, o que mais nos
surpreende é que, re-lendo e saboreando as nove bem-aventuranças, nos encontra-mos com o inesperado: nenhuma delas
indica práticas relacionadas com a religião.
Elas indicam condutas relacionadas com a vida,
com esta vida, com as condições e atitudes a partir das quais se pode fazer
algo eficaz para que esta vida seja mais humana, mais leve, mais feliz.
Aqui está a surpreendente novidade do projeto
oferecido por Jesus. Ele não promulgou mandamentos,
nem um código de moral, muito menos uma lista de proibições; simplesmente anunciou
bem-aventuran-ças. Ou seja, passamos de uma ética de “deveres e
obrigações” para uma ética de “felicidade e ventura”.
Joaquim Jeremias disse que o
Sermão da Montanha não é Lei, mas Evangelho, de tal forma que a
diferença entre um e outro é esta:“A Lei põe o ser humano diante de suas
próprias forças e pede-lhe que as use até o máximo; o Evangelho situa o ser
humano diante do dom de Deus e pede-lhe que converta verdadeiramente esse dom
inefável em fundamento de sua vida. Dois mundos”.
Jesus compreendeu que o meio mais eficaz e mais
direto para nos aproximar de Deus, e para que cada um se realize como ser
humano que é, não é estabelecer proibições, mas fazer propostas
que mais e melhor se harmonizem com nossa condição humana, com aquilo que mais
desejamos.
A experiência histórica nos ensina que os mandatos
e as proibições tem cada vez menos força para modificar a vida
das pessoas. Todo mandamento e toda
proibição tem certos limites, aos quais alguém se ajusta e assunto encerrado.
Enquanto que a proposta da felicidade contém em si uma busca sem
limites.
E é aí que se constata até onde chega a
generosidade de uma pessoa, a fé e a entrega de alguém a uma causa que se leva
a sério.
As bem-aventuranças vão muito mais além
de tudo o que os mandamentos significam; elas não se fixam em alguns limites
que não podem ser transgredidos, mas marcam algumas metas que
nunca chegaremos a alcançar em plenitude. Não são a negação que
estabelece o que não se pode fazer, mas a afirmação que nos dá
vida e nos deixa profundamente felizes.
Por não serem leis, nem
mandamentos, as bem-aventurançasnão
despertam sentimentos de culpa.
Aqueles que se deixam
conduzir pela dinâmicadas bem-aventuranças
nesta vida, tem garantida a pro-messa de felicidade sem fim, à qual denominamos
vida eterna. É, em definitiva, a Vida de todos os san-tos(as).Sersanto(a) é fazer das Bem-aventuranças a pauta de seu viver.
Por isso, ser santo(a) é ser humano por excelência,
é ter a audácia de reinventar o humano; é resgatar a paixão por um ideal de vida e por um
sonho; paixão pela vitória da esperança; paixão pela humanidade,paixão pelo
mundo, paixão pelo Reino...enfim, paixão por Deus.
A festa de hoje realça
uma forma de santidade, muitas vezes
esquecida:a santidade da vida comum,da resposta à Providência divina em
meio às rotinas do tempo, uma caridade tecida nos pequenos
gestos...
Diante de uma
realidade que ameaça o ser humano pelo anonimato, pelo artificialismo, pela
massificação, o(a) santo(a)injeta no
interior das “veias” deste mundo a Graçatransfiguradora do Amor.
O chamado universal à santidade
nos faz confiar profundamente na vida cotidiana, ou seja, no dia-a-dia da vida
familiar, no exercício da profissão, nas relações da vida social, nas decisões
éticas, na ação cidadã, no campo dos direitos humanos, no campo da economia, na
presença ativa da política, no mundo da cultura, no diálogo com os meios de
comunicação, na navegação pela internet... como“lugares agraciados” de
encontro com Deus e manifestações explícitas de compromisso cristão.
Não tem porque a santidade ser aquela que está acompanhada de virtudes heroicas, mas
aquela que se expressa numa vida cotidianamente heroica; os santos vivem
intensamente e colocam em prática o chamado de Deus para viver e dar vida a
outros. Quer-se dizer, com isso, que santa
é a vida e santo é defendê-la;
fascinante é ver enormes esforços para propiciá-la.
O santo(a)
sente-se cativado, envolvido, amado, entusiasmado, sintonizado, habitado por
Deus de tal maneira que seus olhos, gestos, suas atitudes, palavras, seu
coração, sua existência transbordam Deus.
Para humanizar nosso tempo, os(as)santos(as) revelam atitudes e critérios
que nos fazem mergulhar de cheio nos desafios e problemas que afligem grande
parte da humanidade. Os santos, de hoje e de sempre, não são encontrados nos
pacíficos ambientes dos templos ou dentro dos limites da instituição eclesial,
mas nas encruzilhadas da pobreza e da injustiça, nas
“periferias existenciais”, em perigosa proximidade com o mundo da violência e
da marginalidade, em situações de risco, onde a luz do amorbrilhará mais do que
nunca.
Num mundo em que nem todos são
capazes de grandes façanhas ou de alcançar sucessos, Deus nos deu a aptidão de
encontrar a grandeza no dia-a-dia.
Temos apenas que ser santos o
bastante para que possa-mos reconhecer o milagre
no ritmo da vida.
“Os santos são muito corriqueiros, eles são
absolutamente encardidos nas suas vidas.
O que às vezes
chama a atenção são dons especiais, de milagres, de levitação,
mas fora disso a santidade é um passeio no cotidiano” (Adélia Prado).
A santidade, portanto, como paixão
expansiva, implica uma pitada de santa loucura capaz de romper com o
que é considerado “normal” ou aceito pela sociedade excludente e desumanizadora
na qual vive-mos. O santo(a) é, na
essência, uma presença transgressora, subversiva e inesperada... que denuncia e
interpela as barreiras e fronteiras impostas pela sociedade.
Somos santos(as). Não somos santos
porque sejamos irrepreensíveis, senão simplesmente porque so-mos, e vivemos,
nos movemos e somos sempre em Deus e Deus em nós, também
quando nos sentimos mediocres e inclusive fracassados.
Esta é a vocação fundamental à qual somos todos
chamados, enquanto seguidores de Jesus Cristo. Ser santo(a) é ser dócil para “deixar-nos
conduzir” pelos impulsos de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e
não entendemos. Seus caminhos não
são os nossos caminhos.
Texto bíblico:Mt 5,1-12
Na
oração: Rezar
as dimensões da vida que estão paralisadas, impedindo-lhe viver a dinâmica das
bem-aven-
turanças.Viver a santidade no cotidianoé “arriscar-se”
em Deus; é navegar no oceano da gratui-
dade, da compaixão,
da solidariedade, da justiça...