terça-feira, 30 de abril de 2013

6º Domingo de Páscoa.



UMA PRESENÇA QUE SE MOVE EM NOSSO INTERIOR...

“...a ele viremos e nele estabeleceremos morada” (Jo. 14,23)

Tudo está admiravelmente condensado e expresso nesta frase com a qual se inicia o evangelho de hoje: “viremos a ele e faremos nele nossa morada”. O ser humano está habitado por Deus, no sentido mais profundo que podemos imaginar.
A chamada “inabitação” não pode ser entendida como um agregado que se daria na pessoa, equiparável ao que ocorre em uma casa desabitada quando alguém chega para morar nela. Por essa razão, não se pode entender as palavras colocadas na boca de Jesus como se tratasse de uma condição: “só quando alguém guarda minha palavra, será habitado e amado por Deus”.
A partir das palavras de Jesus, é preciso saborear todo o sentido da “inabitação trinitária”. Deus Trindade abraça tudo e se expressa em toda a realidade; habita tudo e em tudo se manifesta; envolve tudo e em tudo está presente. “Deus presente em todas as coisas e todas as coisas em Deus” (S. Inácio).

O ritmo frenético e estressante do contexto atual, e, sobretudo, o culto à novidade, ao efêmero, ao superficial, impedem recuperar a dimensão da interioridade em nossa vida diária.
A expressão “viver a vida” não é exaltar uma vitalidade superficial, muitas vezes frívola, senão viver a vida em profundidade. Diante da sociedade que promove um estilo de vida baseado na superficialidade, na aparência e no prestígio, o cristão procura ser claramente contra-cultural, vivendo uma espiritualidade da profundidade.
É próprio do ser humano mergulhar e experimentar sua profundidade. Auscultando a si mesmo, percebe  que brotam de seu “eu profundo” apelos de compaixão, de amorização e de identificação com os outros e com o grande Outro (Deus). Dá-se conta de uma Presença que sempre o acompanha, de um Centro ao redor do qual se organiza a vida interior e a partir do qual se elaboram os grandes sonhos e as significações últimas da vida.

Em nosso coração há sempre algum movimento profundo que é manifestação da ação de Deus no mais íntimo de cada um. S. Agostinho cunhará a expressão de que Deus é “intimior intimo meo”, mais íntimo que nossa própria intimidade. Esta presença é fonte de vida espiritual, uma vida que pulsa dentro de nós e flui com diferentes “moções” que nos fazem sentir perto d’Aquele que já está perto.
Quem toma consciência de sua identidade profunda, descobre-se habitado e amado pelo Mistério e não pode fazer outra coisa senão amar e experimentar a comunhão com todos. Na linguagem do quarto evan-gelho, Deus é o “centro” último do nosso interior, o que constitui nossa identidade mais profunda.
Não se trata, portanto, de que Deus habite unicamente naqueles que cumprem a palavra de Jesus, num retorno à religião dos méritos e das recompensas. Deus habita já todos os seres: nada poderia existir “fora” d’Ele. Tudo é morada de Deus.
Segundo S. Inácio “Deus habita nas criaturas: nos elementos dando o ser; nas plantas, a vida vegetativa; nos animais, a vida sensitiva; nas pessoas, a vida intelectiva. Do mesmo modo em mim, dando-me o ser, o viver, o sentir e o entender. E também fazendo de mim o seu templo” (EE. 235).
Tudo está inundado de Deus; tudo é sagrado,  nada é profano
Deus não permanece exterior à sua Criação, mas habita no meio dela. As “criaturas” são o que são devido à presença de Deus nelas. O valor e o significado últimos de todas as coisas provém não delas mesmas, mas da presença de Deus em seu interior.
Nesse sentido, a oração cristã facilita perceber as ressonâncias interiores do dia-a-dia, para vivê-las a partir do mais profundo de nós mesmos, pois o santuário da presença de Deus está nesse espaço de intimidade entre a criatura e o Criador.
A oração, como “pausa diária”, constitui-se um tempo de pacificação, de integração espiritual, precisamente para “ler” a  vida com os olhos de Deus – “por onde passa meu Senhor” -, dando especial atenção aos movimentos interiores suscitados pela presença e agir do Senhor. É discernir as “moções” de Deus que nos fala ao coração pelos acontecimentos, é retificação do rumo para o necessário crescimento huma-no e cristão. Trata-se de um tempo privilegiado para fazer mais profunda nossa vida cotidiana.
Esta nossa busca começa no retorno ao interior, onde o Senhor nos habita e nos move.
Podemos então afirmar que a busca de Deus e o encontro com Ele, a partir de Sua iniciativa, coincidem com a busca e o encontro de si mesmo, de modo que buscar a Deus é buscar-se a si mesmo, na própria interioridade.

A expressão de Pascal de que “o ser humano supera infinitamente o ser humano” resume bem esta vivência da Trindade que nos habita, nos move e nos faz transbordar em nossa mesma intimidade.
Podemos entrar dentro de nós mesmos porque em nós está a dimensão de eternidade, a dimensão “divina” que nos situa acima do vai-e-vém das coisas, acima do tempo e da contingência, embora estejamos enraizados nela e caminhemos sobre a faixa da história fugaz. Nós nos movemos, pois, entre transcendência e história, entre contingência e eternidade.
É no “substrato humano” que o mistério da Trindade marca presença e age. É na “natureza humana” que Deus constrói a Sua Tenda e, na Sua ternura, abraça a pessoa no seu todo; abrange todas as áreas da vida.
Deus se serve das mediações humanas para revelar-se e falar ao coração. Ele quer assumir o humano na sua totalidade. Ele deseja ser o responsável pela “terra sagrada” da vida humana.
Da parte de cada pessoa, Ele pede, apenas, para deixá-Lo trabalhar, limpar, semear, fazer crescer e colher os frutos. A pessoa é solicitada para que deixe espaço aberto e livre ao plano da ação de Deus.
É nas entranhas mais profundas do ser que Deus “toca” com a Sua bondade, ternura e misericórdia.
Esta experiência gera compromisso de viver a bondade, a ternura e a misericórdia na vida e na missão.
Texto bíblico:  Jo. 14,23-29

Na oração: Na oração, mergulhamos em Deus e libertamos em
                    nós profundidades que desconhecemos.
Se a nossa oração for um autêntico face-a-face com Deus, ela deverá fazer emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser. Descobriremos regiões de conhecimento e de amor ainda inexploradas, que nascerão para a vida sob a ação do olhar de Deus. Deus é a verdadeira fonte do nosso ser, mais próxima de nós do que nós de nós mesmos.

terça-feira, 23 de abril de 2013

5º Domingo.


SÓ O AMOR É DIGNO DE FÉ

 

“Dou-vos um novo mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo. 13,34)

 

No evangelho deste domingo Jesus nos coloca diante da realidade mais profunda de sua mensagem e, ao mesmo tempo a realidade que nos faz mais humanos: a vivência do amor. A forma como Ele se expressa é clara e simples: frente aos inumeráveis mandamentos rabínicos, frente ao Decálogo de Moisés, suas palavras soam taxativas: “Eu vos dou um novo mandamento”.

Só há um mandamento, não há outro: amar aos outros, não de qualquer maneira, mas como Jesus nos amou. Ou seja, manifestar esse amor que é Deus, em nossas relações com os outros.

Jesus nos deixa a marca de identidade que nos distingue como cristãos. É o mandamento novo, em oposição ao mandamento antigo, a Lei. Jesus não manda amar a Deus nem amar a Ele, mas amar como Deus e como Ele ama.

 

No texto se fala de “mandamento”, como querendo destacar a importância daquilo que aí se anuncia. Não se trata de um “conselho” nem de uma “recomendação”, mas de um "modo divino de proceder".

E se diz que é “mandamento novo”, provavelmente um eco daquilo que os próprios discípulos percebe-ram como “novidade” no modo de viver do Mestre, na gratuidade e na incondicionalidade de seu amor.

Jesus é sábio: Ele não quer templos para manifestar esplendorosas adorações, nem estruturas para oficiar ritualismos, nem orações exteriores ostentosas, nem esmolas caras à vaidade...

Temos insistido demasiado no acidental: no cumprimento de normas, na crença de algumas verdades e na celebração de alguns ritos, mais que no essencial que é o amor.

O Reino não se espalha por meio de armas, nem com a propaganda e nem com marketing algum; o Reino se espalha pelo contágio, porque o “Amor é contagioso”.

O mandamento do amor continua sendo tão novo que ainda não foi vivido na sua radicalidade. Não se trata só de algo importante; trata-se do essencial. Sem amor, não há vida cristã.

 

Naturalmente não se pode impor o amor por decreto. O principal erro que continuamos cometendo é apresentar o amor como um preceito. Todos os esforços que façamos por cumprir um “mandamento” de amor estão fadados ao fracasso. O empenho está em descobrir que Deus é amor dentro de nós.

Na realidade não se trata de uma lei, mas de uma resposta ao que Deus é em cada um de nós, e que em Jesus se manifestou de maneira contundente. Nosso amor será “um amor que responde a seu amor”.

O amor que Jesus nos pede tem de surgir a partir de dentro, não impor-se a partir de fora como uma obri-gação. Trata-se de manifestar o que é Deus no fundo de nosso ser, através das obras.

Por isso, não é um mandato heterônomo, vindo de fora, como uma imposição arbitrária. Trata-se, pelo contrário, de um convite a viver o que somos, conectados com o Mistério amoroso “d’Aquele que é”.

Isso será possível, não tanto através de um voluntarismo moral, quanto graças à compreensão daquilo que somos. Na medida em que vamos conhecendo e vivendo o que somos, o amor abre caminho.

 

Jesus não propõe como primeiro mandamento o amar a Deus. Deus é dom total e não pede nada em troca. Não precisa nada de nós, nem nós podemos lhe dar nada. Deus é puro dom, amor total. Trata-se de descobrir em nós esse dom incondicional de Deus, que através de nós deve chegar a todos.

Não se trata de um amor humano mais ou menos perfeito. Trata-se de entrar na dinâmica do Amor de Deus. Isto é impossível se primeiro não experimentamos esse amor. Tudo parte do amor do Pai, que se manifestou em Jesus e que agora circulará através dos discípulos.

Trata-se do mesmo e único Amor, que constitui o segredo último do Criador. O que se pede aos discípu-los é que permitam que esse Amor, primeiro e originante, se expresse e seja vivido através deles.

Antes de dizer, antes de pedir, Jesus viveu até o limite a capacidade de amar, até amar como Deus ama: “como eu vos amei”. Mas essa expressão não é comparativa, mas originante e “causal”: porque eu vos amei. Ou seja, que devem amar-se por eu os amei, e tanto como eu vos amei. A tradução mais justa poderia ser esta: “Com o mesmo amor com que eu vos amei, amai-vos também uns aos outros” (Leon-Dufour).

Esta é a marca da identidade dos seguidores de Jesus, a característica mais importante da vida cristã.

 

João emprega neste relato a palavra ágape que expressa o amor sem mistura de interesse pessoal; seria o puro dom de si mesmo, só possível em Deus. A expressão “agapate” (“que vos ameis”) faz referência ao amor que é Deus, ou seja, ao grau mais elevado do dom de si mesmo. Não está falando de amor de amizade ou de uma ‘caridade’. O amor de Deus é a realidade primeira e fundante.

 


Ágape é o amor divino. Esse amor é o mais raro, o mais precioso, o mais milagroso.

Seria como que uma renúncia à centralidade do ego, ao poder, à força...

Assim como Deus, que se “esvaziou de sua divindade”, o ágape se esvazia de si mesmo para dar mais lugar, para não invadir, para deixar ao outro um pouco mais de espaço, de liberdade...

É a doçura, a delicadeza de se afirmar menos, a autolimitação de seu poder, o esquecimento de si, o sacri-fício de seu prazer, de seu bem-estar ou de seus interesses...

Estas são algumas características do ágape cristão: é um amor espontâneo e gratuito, sem motivo, sem interesse,  até  mesmo sem  justificação... o puro amor.

“O ágape é um amor criador. O amor divino não se dirige ao que já é em si digno de amor; ao contrário, ele toma como objeto o que não tem nenhum valor em si e lhe dá um valor. O ágape não constata valores, cria-os. Ele ama e, com isso, confere valor.  O homem amado por Deus não tem nenhum valor em si; o que lhe dá valor é o fato de Deus amá-lo. O ágape é um princípio criador de valor” (Nygren).

 

Descobrir essa realidade e vivê-la é o distintivo do seguidor de Jesus. E é essa qualidade do amor o sinal decisivo pelo qual os discípulos de Jesus deverão ser reconhecidos. Os seguidores dos fariseus eram reco-nhecidos pelas “filaterias” que usavam; os de João Batista, por batizar, os de Jesus, unicamente pelo amor.

O distintivo do cristão é o amor fraterno. E o amor é discreto, humilde, conhecedor de sua insuficiência, não é arrogante, não se derrama em palavras, não faz alarde, não vai se proclamando pelas praças, prefere o silêncio, passa desapercebido, prefere as obras às palavras (“o amor deve-se por mais em obras que em palavras” – Santo Inácio).

 

O amor ágape é expansivo: nos alarga através dos nossos membros, mãos e pés.

Podemos dizer que o amor tem coração, mãos e pés: coração cheio de compaixão e ternura, mãos que cuidam, curam, abençoam... e pés que nos arrancam de nossos lugares estreitos e nos deslocam para as margens, os pobres... Desse modo, o mandato do amor remete à Fonte que o possibilita, ao Amor originante que tece a unidade de tudo que É e Somos.

   “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”.

O amor que Jesus pede não é uma teoria, nem uma doutrina. Ele se manifesta na vida, em todos e em cada um dos aspectos da nossa existência.

A nova comunidade dos seguidores de Jesus não se caracterizará por doutrinas, nem por ritos, nem por normas morais. O único distintivo deve ser o amor manifestado em todas e em cada uma de suas ações.

Jesus funda uma comunidade que experimenta Deus como amor e cada membro, fazendo-se filho(a) e irmão(ã), prolonga esse amor.

 

Texto bíblico:  Jo 13,31-35

 

Na oração: Faça uma leitura das “marcas” do Amor de Deus em sua vida;

                     crie um clima de ação de graças.

 

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Retiro Espiritual Inaciano.




 
Prezado(a) Sr(a). Responsável,
 
Termina, nesta quarta-feira, o período de inscrições para o Retiro de Iniciação que será oferecido em quatro etapas pela comunidade jesuíta do Colégio Loyola em Vila Fátima-Pampulha, ao longo de 2013. O período de inscrições para o Retiro de Aprofundamento prossegue até o dia 7 de maio. Os interessados em participar deverão procurar a Fabiana, secretária da Diretoria Geral, pelo endereço eletrônico fabiana.fonseca@loyola.g12.br ou pelo telefone 2102-7048.
 
Os retiros espirituais inacianos são ricas oportunidades para parar e, em silêncio, perceber e assumir, de forma mais consciente e comprometida, a existência diante de Deus.
 
O Retiro de Iniciação acontecerá em quatro fins de semana, dormindo em casa ou na Vila, passando todo o dia retirado, rezando e discernindo a vontade de Deus. O Retiro de Aprofundamento é voltado para quem já passou pelas etapas de iniciação em 2011 e em 2012. olaPara este, serão duas oportunidades, com dinâmica semelhante. Ao todo, são oferecidas 40 vagas para o Retiro de Iniciação e 20 para o de Aprofundamento, sendo que, no segundo, há necessidade de pernoitar em Vila Fátima.
 
Os valores da taxa de inscrição para o primeiro são: R$120, sem pernoite, e R$160, com pernoite. Para o segundo, o valor é R$225, incluindo necessariamente o pernoite.
 
Veja datas e etapas dos Retiros Inacianos abaixo (início às 20h e término às 16h):
 
Iniciação
1ª etapa – 03 a 05/05
2ª etapa – 28 a 30/06
3ª etapa – 27 a 29/09
4ª etapa – 01 a 03/11
 
Aprofundamento (para quem já realizou a iniciação em 2011 ou em 2012)
1ª oportunidade – 14 a 16/06
2ª oportunidade – 15 a 17/11
 
Cordialmente,
Colégio Loyola

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Imperdível !!!


Sugestão para rezar o Evangelho do próximo domingo.


A INSUPERÁVEL LEVEZA DA ESCUTA

 

“As minhas ovelhas escutam a minha voz...” (Jo. 10,27)

 

Tudo começa com a escuta; por sua vez, só escuta quem se encontra numa atitude de busca. Quem crê estar em posse da verdade, deixou de buscar; blindado a qualquer questionamento, permanece instalado na “zona de conforto” de sua comodidade.

A pessoa que se põe em movimento, começa escutando. A escuta requer uma disposição de abertura inicial, que implica flexibilidade para permitir inclusive que as convicções prévias possam ser removidas. A escuta revela seus próprios segredos para quem sabe desnudar-se nela.

Quando aquilo que “escutamos” encontra eco em nosso interior, reconhecemos estar em contato com nosso eu verdadeiro e em profunda “sintonia” com a pessoa que nos fala. Isto é o que acontecia com os seguidores de Jesus e o que continua acontecendo com os leitores do evangelho: ao perceber que a pala-vra de Jesus “lê” nosso interior, a reconhecemos como própria e “comungamos” com sua pessoa, na vida de uma unidade que transcende o tempo e o espaço.

 

Segundo os antigos, “fides ex auditu”, a vem pelo ouvido e por isso Jesus nos convida a aguçar a nossa escuta: “Quem tem ouvidos para ouvir que ouça”.

Na Sagrada Escritura, o exercício do ouvido, a escuta, é prerrogativa tanto de Deus como do ser humano.

O próprio Deus deixa-se perceber pelo ouvido; faz-se “audível” para o ser humano.

É Deus mesmo que abre cada manhã os ouvidos dos discípulos e os torna atentos para a escuta.

Em toda Palavra de Deus existe sempre um dinamismo que nos desnuda e nos traz à nossa verdade origi-nal. Voltar a escutar é voltar a ser criança.

Retornar a esta atitude básica tão bela que é a admiração, a capacidade de assombro...,  primeira virtude necessária para que o Evangelho nos chegue em toda a sua inesgotável força de surpresa desconcertante.

Tudo é palavra e silêncio. Tudo no universo vibra, emite, transmite, fala, vive.

E ao mesmo tempo tudo é escuta  e percepção.

Deixar Deus ser Deus e deixar que o outro seja sempre uma surpresa.

Permitir que cada realidade fale para nós sua própria linguagem. Isso é ter ouvidos para a escuta.

 

Dentre os seres vivos criados por Deus, o ser humano é o único capaz de escutar e de falar, porque é o único criado à imagem e semelhança d’Ele, d’Aquele que é a Palavra cheia de verdade e a escuta cheia de amor. “Deus é a Palavra suprema e o Silêncio infinito”.

É importante progredir pelo caminho do silêncio, em que a pessoa se educa na escuta autêntica, que é aúnica capaz de nos conduzir ao puro amor. Porque o grau supremo da escuta é o silêncio cheio de amor.

 

No meio da gritaria ensurdecedora do mundo moderno como sintonizar na onda da Voz do Bom Pastor? Como distinguir, no meio de tantas vozes, aquela VOZ verdadeira que não fala aos ouvidos, e sim aos corações?

 

Carlos Vallés sj, missionário na Índia, nos apresenta um simbolismo, tirado da cultura hindu, na arte do discernimento, para distinguir e seguir a verdadeira Voz do Mestre:

A flauta é o som suave, o toque leve, o sopro delicado... e as notas que dançam nas asas da brisa. A selva de Vindravan, onde Deus mora, é vasta e densa e a cada momento é cruzada em todas as direções por cantos de mil pássaros e pelos rugidos das feras, pelo trovão na tormenta e pelo farfalhar das folhas tangidas pelo vento. Símbolo gráfico do mundo e da vida, com seus cuidados e preocupações, suas distrações e falsos chamados que afogam as pulsações do coração nos ruídos da existência. Muitos viajantes cruzam a selva. Muitos homens atravessam o bosque dos ruídos.

Alguns vão tão depressa que não ouvem nada, outros tremem ao ouvir o rugido do tigre ou o silvo da serpente, outros seguem o som de vozes humanas para chegar ao povoado mais próximo. Outros se perdem. Outros morrem sem saber para onde iam. Outros dão voltas e mais voltas, de uma voz a outra, de um caminho a outro.

Mas para aqueles que tem ouvidos para ouvir e amor para querer ouvir há outro som, suave, mas agudo, que atravessa todos os demais sons, chega aos ouvidos e entra no coração com uma mensagem e um chamado diferente: a flauta. Ela é o símbolo, o instrumento e a companheira fiel de Deus. Brincalhona, insistente, inconfundível, exigente, carinhosa. Traz alegria e música e, sobretudo, um sentido e direção. O som vem de algum lugar. E é ali que está Deus.

Cada dia num lugar diferente, numa direção inesperada, para que a “alma” esteja sempre alerta, atenta e disposta a partir. Aquele que escuta a primeira nota, deixa o que estiver fazendo e salta, corre, voa na direção do som e tira forças do desejo e chega à plenitude. Isto é discernimento: a capacidade de distinguir o SOM da flauta entre todos os outros sons. E sua base é o AMOR.
 
 

 

Vivemos mergulhados num mundo de vozes; um “vozerio” nos cerca: vozes que nos levam à morte, vozes que nos chamam à vida; vozes contaminadas pelo egoísmo, adulteradas pelo medo, deturpadas pela impureza, e vozes que são o eco do paraíso convidando para a festa, comunicando paz, convocando à comunhão... É possível que as vozes do egoísmo, do orgulho e da ambição tentem se disfarçar em voz de Cristo, a fim de arrastar-nos para o vazio e a ruína. Mas o Pastor verdadeiro não fala por ruídos, e sim pelo silêncio; não fala pela força dos pulmões, e sim pelo vento suave de seu Espírito...

Para escutá-la requer-se interioridade e atenção aos sinais de sua presença: pode ser a voz de um irmão pedindo socorro; pode ser a linguagem de um acontecimento alegre ou triste; pode ser uma palavra lida ou proclamada; pode ser uma inspiração misteriosa captada no silêncio...

Na arte do discernimento das vozes, o importante é, através da escuta interior, perceber de onde vem e para onde nos conduz cada voz que ressoa em nós. Se ela nos conduz  para o outro, para o Reino...é clara manifestação da voz do Pastor.

 

Texto bíblico:   Jo. 10,27-30

 

Na oração: Inimiga número um da escuta é a pressa e a ansiedade que ela costuma trazer consigo.

                    A oração, por si mesma, é uma rebeldia contra a pressa dominante: uma oração mesclada de silêncio profundo, de respeitosa contemplação, isto é, de verdadeira escuta.

A voz do Pastor não se dirige à multidão anônima, mas é chamado pessoal: cada um tem rosto e nome.

                         - Que voz estou seguindo?

Tomo consciência daquilo que obstrui os meus ouvidos e os torna “incapazes de prestar atenção” (Jer. 6,10)

Tomo consciência da superficialidade diante da voz da consciência e da incapacidade de escutar o outro, fazendo ressoar a sua voz no meu coração. Tomo consciência de todas as mensagens negativas que transformaram, seduziram e enganaram meus ouvidos, tornando-os surdos às mensagens celestes, à Pala-vra da verdade e da vida.

 

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Amigos e amigas, segue sugestão para rezar o evangelho do terceiro domingo de Páscoa. Um abraço a todos Pe. Adroaldo sj



À BEIRA-MAR, JUNTO AO FOGO

“Quando saltaram em terra, viram brasas acesas, tendo por cima peixe e pão” (Jo. 21,9)

“Não há nada mais permanente que a mudança na vida”. Mudanças são a essência e o sabor da vida. O ser humano é um ser em mudança: ela é o elemento que traz energia, variedade, surpresa, côr e vida à vida. A mudança é vida.
Mas, com o passar dos anos, buscamos segurança e a mudança se revela incômoda. Não obstante, fechar-se à mudança é abrir-se à morte em vida, porque a vida é abertura à novidade do encontro com o outro.
O que mudou na cotidianidade pós-pascal da comunidade? Aparentemente, tudo voltou à norma-lidade da vida corriqueira.

Nos relatos das aparições de Cristo Ressuscitado, à primeira vista parece que a situação não tinha muda-do. Os apóstolos tinham perdido sua condição de seguidores, tocaram fundo na insatisfação que a morte lhes produziu e atrofiaram o sonho no qual acreditavam que estava fundada sua vida.
O relato da última aparição de Jesus ressuscitado aos seus discípulos tem uma cena belíssima. Novamen-te junto à praia e entre redes, como no começo; o vazio, o abandono, a solidão, a escuridão da noite, a rotina de um trabalho cansativo e ineficaz, dominam a paisagem do texto; novamente a dureza de cada dia, em um cotidiano sem a presença de Jesus. Alguém estranho, muito cedo, da margem do lago, atreve-se a provocar, fazendo uma pergunta onde mais doía: “tendes alguma coisa para comer?”
O convite de Jesus: “Lançai a rede à direita do barco!” significa, como todos os seus convites: mudem de atitude, pesquem de maneira diferente, busquem outros lugares, saiam da rotina, sejam cria-tivos... Também para lançar a rede existem dois lados: um lado conhecido e rotineiro; e outro lado alter-nativo e novo. Revendo o passado, os discípulos reconheceram que estavam trabalhando no lado errado, determinado por uma tradição que não os deixava crescer.
A nova consciência transforma tudo. A vida ganha a plenitude da rede, torna-se vida em abundância.

A presença do Ressuscitado muda por completo o panorama de suas vidas: estavam tristes, cheios de medo e, de repente, se convertem em homens valentes, cheios de entusiasmo, de esperança, pondo-se a pregar e a dar testemunho em meio a todas as dificuldades.
É a presença do Ressuscitado no meio deles que traz alegria, paz, perdão, sentido...
Nas aparições do Ressuscitado se reitera a experiência de passar da tristeza a uma alegria profunda que permite voltar com entusiasmo à missão. Aparentemente, a situação dos discípulos não muda, mas eles mudam radicalmente porque recuperam a confiança no Mestre e em suas promessas.
O novo não está na novidade dos fatos, mas no olhar novo sobre aquilo que aconteceu entre aqueles que seguiam Jesus. O novo olhar da fé abre, na realidade transfigurada, o caminho da missão. O peixe não é mais um simples peixe. Pelo encontro com Jesus, revela um significado novo e aponta para a fecundidade da vida cotidiana.

No retorno à praia encontram algumas brasas, que recordam aquela fogueira em torno à qual, alguns dias antes, o velho pescador Pedro jurou não conhecer Jesus, negando-o três vezes. Agora, junto ao fogo ir-mão, Jesus lavará com misericórdia a fraqueza de Pedro, transformando para sempre seu barro frágil em pedra fiel.
O verdadeiro milagre não é uma rede que se enche, mas a traição covarde que se transforma em confissão de amor. Até três vezes Pedro confessará, indicando que é a única coisa importante; três vezes para signi-ficar que Jesus não tem outra pergunta, pois tudo se decide no amor.
As perguntas de Jesus, no evangelho de João, são pedagógicas e terapêuticas.
A cura das feridas emocionais é antes de tudo um caminho novo, que envolve afeto, amizade.
Ele não pede propriamente informações, mas dá às pessoas, por meio de suas perguntas, a oportunidade de reconhecer a sua situação existencial.
A vida de Pedro muda quando Jesus faz aquela pergunta tão desconcertante: “tu me amas?”
A pergunta é uma oportunidade de responder espontânea e sinceramente a si mesmo, resposta sem culpa e sem medo. A traição desumanizou Pedro, fez com que ele chegasse ao fundo de sua miséria.
Esperaríamos perguntas de admoestação, de deploração... No entanto, Jesus o interpela sobre o amor.
O Pedro que emerge deste contato terapêutico com o Ressuscitado é um Pedro corajoso, decidido, mas também muito mais amoroso, capaz de superar preconceitos antigos.
O amor de Jesus, sua graça sempre pronta, o humanizará de novo, até re-estrear sua verdadeira vida. Sem ironia, sem indiretas, sem pagamento de contas atrasadas. Gratuitamente, assim como a própria graça.
A proposta de Jesus muda nosso modo de encarar as relações de ajuda e cuidado, pois está baseada no afeto. A pescaria do lago Tiberíades aponta para a missão; o pastoreio cobrado a Pedro já aponta para os futuros cuidados “pastorais”. O pastor precisa de um olhar amoroso que vai além de seu curral; o pesca-dor precisa de um olhar apurado para fazer a travessia em direção da outra margem.
A comunidade eclesial vive ao mesmo tempo a pescaria e o pastoreio, a missão em alto-mar e o cuidado pastoral em terra firme. Juntar as ovelhas e guardar os peixes são tarefas permanentes da Igreja.
O dom da rede cheia do pescador, no fim da noite, torna-se tarefa para o dia do pastor: discernimento, cuidado, partilha, testemunho, anúncio. “Sede pastores com o ‘cheiro das ovelhas’” (papa Francisco).
Ao entardecer, ele se torna novamente pescador e sai da terra firme para o mar.
Há muito que ver no mar de Tiberíades, mas nem todos os olhares poderão acolher o que ali acontece. Há olhares opacos que não se alegrarão, olhares desconfiados que não o entenderão, olhares frios que não vibrarão com a novidade de uma simples refeição... Somente os olhares dos pobres e pequenos se admi-rarão, e a paz do coração será sua recompensa.
“Ver de novo”, ver outras coisas diferentes daquilo que estamos acostumados a ver é também “nascer de novo”. É preciso despertar o “pastor interior” que há em nós, nossa capacidade de atenção à vida, de buscar com outros, de deixar-nos surpreender diante da presença despojada de Deus. 


Texto bíblico:  Jo. 21,1-19

Na oração: No nosso mundo existem muitas fogueiras e lugares
                    em que Deus e os irmãos são traídos e, portanto, desumanizados, quebrados. Mas há outras brasas, aquelas que Jesus prepara ao amanhecer das nossas escuri-dões e depois das nossas fadigas, e nela nos convoca, em comunidade nova, transformando-nos em humanidade diferente. Lá, nos permite encontrar nossa verdadeira identidade e nossa missão: o cuidado do rebanho.
Feliz quem tiver olhos para reconhecê-lo, como João, e quem se deixar renascer, como Pedro.