segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Mt 6,24-34- OCUPADOS E PRE-OCUPADOS: modo sufocante de viver



OCUPADOS E PRE-OCUPADOS: modo sufocante de viver

“Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas preocupações” (Mt 6,34)

Sabemos que a rivalidade e a competição, o desejo de poder e de resultados imediatos, a impaciência e a frustração e, acima de tudo, a angústia e o medo, criam suas exigências e preenchem todos os espaços vazios em nossa vida.A maioria de nós procura uma “ocupação”, e não espaço livre.
Quando não estamos ocupados, ficamos inquietos e ansiosos; ficamos até com medo quando não sabemos o que fazer agora, amanhã ou no ano que vem.
Enquanto nossas mentes, nossos corações e nossas mãos estiverem ocupados, poderemos evitar o confronto com as questões dolorosas, às quais não queremos encarar. “Estar ocupado” tornou-se uma obsessão, um símbolo de status, e as pessoas incentivam umas às outras a manter o corpo e a mente em constante movimento. “Estar ocupado”, em contínua atividade, com agenda cheia, quase se tornou parte de nossa constituição.Aqui não há lugar para espaços contemplativos e gratuitos.
Isso explica por que o silêncio é tão difícil. Muitos dizem desejar o silêncio, a calma, a quietude, a oração pacificadora, mas não conseguem suportar tempos e espaços repousantes. Ficar sossegado é perigoso: pode parecer doença. Recolher-se dentro de si mesmo é uma ameaça.

Esse é o problema do mundo moderno: a agitação e a ocupação se apresentam como um estilo de vida e acabam controlando nosso ritmo cotidiano, tornando-se fonte inesgotável de ansiedade.
Em nosso padrão cultural, somos pressionados a mostrar o tempo todo que estamos ocupados e “produ-zindo” alguma coisa. Vivemos perdidos numa floresta de compromissos e atividades, incapazes de per-ceber alguma trilha estreita para poder andar e respirar. Mesmo com tudo que foi inventado para facilitar a vida – celular, internet, e-mail, mensagens instantâneas – parece que não temos tempo para nada.
Há muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Acuados pelo relógio, pelo ativismo, pela agenda, pela opinião alheia, disparamos sem rumo feito hâmsteres que se alimentam de sua própria agitação.

No entanto, há um empecilho muito maior que a ocupação: trata-se da pre-ocupação.
A preocupação é sintoma de que temos nos desconectado de nossa interioridade, de nossa verdadeira identidade, e nos deixamos determinar pelo ambiente e pelas questões externas. Investimos naquilo que não somos e acabamos por nos afastar de nosso lar; perdemos a confiança em nós mesmos e em Deus.
Nossas preocupações evitam que tenhamos novas experiências e nos mantém nas trilhas conhecidas. A preocupação é a maneira medrosa de manter as coisas como estão; parece que preferimos uma certeza ruim a uma incerteza boa (por quê deixar o certo pelo duvidoso?)
As preocupações ajudam a manter o mundo pessoal que criamos e bloqueiapossíveis transformações. Nossos medos, incertezas e hostilidades nos fazem preencher nosso mundo interior com idéias, opiniões, julgamentos e valores, aos quais nos agarramos como se fossem preciosas propriedades.
Em vez de olhar de frente o desafio de novos mundos que se abrem e atuar em campo aberto, esconde-mo-nos atrás dos muros de nossas preocupações. Elas expressam nossa falta de habilidade de deixar resolvidas as questões vitais que nos inquietam. Somos compelidos a arranjar qualquer solução ou resposta possível que pareça ajustar-se à ocasião.

A “pre-ocupação”, quando se torna hábito de vida, tem o efeito desastroso de comprometer a capacida-de de relação, dimensão fundamental que torna a existência fecunda e criativa. Segundo o Evangelho de hoje, a preocupação envolve duas necessidades básicas do ser humano: o alimento e o vestuário.
A preocupação que pode atormentar o coração do ser humano, o medo de perder aquilo que dá segu-rança e o temor de não ter acumulado suficientemente, fazem com que o alimento e o vestuário percam o seu significado mais amplo e a sua força evocativa.
Então, acontece que a preocupação com o alimento e com o vestuário prevalece sobre a própria vida, não mais acolhida como dom; do mesmo modo o corpo, não mais entendido como possibilidade e lugar de relação-encontro. Inevitavelmente, a dignidade da vida se degrada e a luz do rosto da pessoa se apaga.
Uma pessoa preocupada se dispersa num louco ativismo; com isso, ela se endurece e se resseca em seu dever, não sabe mais viver a gratuidade, acolher o imprevisto, gastar tempo em escutar seus desejos essenciais, deixar-se olhar, amar, receber a graça libertadora, a abundância dos dons de Deus. Vive alienada, dividida; estando ali, desejaria estar em outro lugar. O seu existir situa-se na ordem do “fazer”.

É cada vez mais desafiante criar espaço aberto e receptivo, onde algo novo possa acontecer a nós; do mesmo modo, é urgente oferecer um espaço onde as pessoas possam se desarmar, deixar de lado suas preocupações e ocupações, e ouvir com atenção as vozes interiores.
É salutar deixar ressoar em nós questões como essas:
Qual o sentido e a direção daquilo que fazemos?Para quê? Para quem?
                       Qual é a intenção ou a motivação que está por trás de nossa ação?
Esta “dica” nos ajuda a superar a ansiedade e a pressa, harmonizando-nos com o tempo e fazendo as pazes com o relógio. Normalmente, vivemos ações in-sensatas’, ou seja, sem sentido, sem direção.
Se fizéssemos uma faxina em nossos compromissos e deveres, boa parte desapareceria rápido no ralo do bom senso. Se examinássemos o baú de nossas prioridades, certamente a arrumação interior seria outra.
Aliviar a vida, o coração e o pensamento... eis o desafio; não para inventar de acumular ali mais alguns compromissos estéreis e sem sentido.

Jesus Cristo revelou que nossas preocupações impedem a vinda do Reino, ou seja, do novo mundo.
Não podemos esperar que algo realmente novo aconteça se nossos corações e mentes estão tão cheios com nossas preocupações que sequer ouvimos os sons que anunciam uma nova realidade. Viver em conexão com o melhor que há em nós é sentir-nos livres, desprendidos e centrados no essencial: a busca do Reino e sua justiça. A busca do Reino é o “pão” da vida e a roupa” da luz que nos envolve.
Deus constantemente nos surpreende no singelo, nas coisas simples da vida. Muitas vezes nós perdemos a capacidade de ver a sua ação nas pequenas coisas e ficamos esperando grandes sinais, grandes milagres. Cada instante é uma chance depercebermos esse amor providente e cuidador que Ele tem por nós. Se vivemos cada momento ordinário de forma extraordinária, certamente perceberemos a sua ação e seremos surpreendidos.Deixar-nos surpreender por Deus não implica uma atitude passiva, mas um olhar contemplativo, capaz de perceber sua presença criativa em tudo e em todos. Ter um olhar contemplativo é“encontrar Deus em todas as coisas e todas as coisas emDeus” (S. Inácio)
Deus é o princípio vital de tudo; as criaturas são o que são devido à presença de Deus nelas.
O valor e o significado últimos de todas as coisas provém não delas mesmas, mas da presença de Deus em seu interior; todas as coisas são “santificadas” porque nelas está Deus.
A pessoa contemplativa, movida por um olhar novo entra em comunhão com a realidade tal como ela é.
Para o contemplativo, Deus é seu lar, e Deus está em todas as partes.
O que Ele espera é que nos deixemos “surpreender por seu amor, que acolhamos as suas surpresas”.

Texto bíblico:Mt 6,24-34

Na oração: Jesus aponta para a verdadeira “pre-
ocupação”, o desejo que preside a to-das asnossas ocupações. Pois, se a pre-ocupação não está bem ordenada, todas as nossas ocupações carecerão de sentido e ficarão vazias.
E a “pre-ocupação” deve ser o Reino de Deus e sua justiça.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Mt 5,38-48- A “TORTURA INÚTIL” DA PERFEIÇÃO


 
“Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48)

Esta afirmação de Jesus “Sede perfeitos...”, tirada do contexto, tem gerado profundos sentimentos de culpa diante de Deus e uma frieza no relacionamento com Ele.
O Pai de Jesus Cristo, revelado como infinita ternura, misericórdia, amor, proximidade para com os pecadores não é vivido como Pai, mas como um juiz mal humorado, esquadrinhando nossa vida atrás de infidelidades, desobediências, fraquezas, e exigindo o cumprimento rigoroso das mínimas leis.
De fato, desde os primeiros anos de nossa infância somos impulsionados a buscar a perfeição.
Este conceito assumiu um valor central na compreensão e na orientação da nossa vida; não só isso, mas assumiu também um caráter claramente sobrenatural: a vida divina exige que a pessoa procure a perfeição.Na experiência de fé, esta idéia se reforçou quando se passou a considerar a santidadecomo sinônimo de perfeição; o caminho da perfeição coincide com o caminho da santificação.
Aperfeição se converteu, então, no termo normal da vida, o valor espiritual supremo, o elemento comum de todas as virtudes. Os manuais de espiritualidade passaram a destacar a perfeição como único ideal e a moral evangélica se reduziu à moral da perfeição; por séculos, a perfeição seduziu, modelou, dominou e controlou a existência dos cristãos.

O pior é que, em pleno novo milênio, ainda somos educados a perseguir a perfeição como finalidade suprema da existência humana. Do ideal de perfeição que nos séculos passados seduzia o espírito, passamos ao ideal de perfeição que seduz o corpo: seres belos, altos, magros...
A sociedade atual valoriza pessoas dominadas pela eficiência, pelo sucesso a qualquer custo, pelo mérito, pela cobrança do “vencer sempre”... A vida cotidiana continua a ser invadida pelo ideal de perfeição através da permanente cobrança do“render ao máximo”, “produzir o máximo”, “nascido para ven-cer”... Tal fórmula se traduz em competição, rapidez, eficiência, tensão emotiva permanente, dedicação estressante ao trabalho porque “tempo é dinheiro”...

É necessário repetir sempre: o ser humano não é capaz de viver “perfeitamente”. Um tal credo não tem nada de humano, é uma “tortura inútil”.
A perfeição conspira contra a vida interior, e ameaça, consequentemente, a humanidade do ser humano.
A perfeição é uma falsa orientação, um caminho que vai em sentido contrário à nossa realidade.
Assumindo a perfeição como objetivo da vida, o eu entra em contradição com a vida mesma, que é essencialmente limitada, frágil e pobre.
A procura da perfeição é um movimento que nega o ser humano como ser humano e põe em movimento uma visão desumana da vida, pois desconhece sua condição de criatura limitada.
A busca de perfeiçãotorna-se um projeto fechado dentro do próprioeu orgulhoso, que exige o máximo de si, o máximo de esforço para não falhar em ponto algum, uma vez que o “perfeccionista” está convencidode que somente será amado por Deus e pelos outros se for perfeito. Nesse esforço ele tende a contar exclusivamente consigo mesmo, prescindindo de Deus e dos outros.
A perfeiçãodialoga com um código de normas e de exigências, dialoga com a lei.
Operfeccionista não suporta o pecado uma vez que elevê  o pecado não como uma rupturade laços de amor, não emrelação a um outro, mas em relação ao próprio ideal.
A perfeição, humilhada pelo pecado e pelas fraquezas, tende a fechar a pessoa sobre si mesma, e fechá-la para Deus e para os outros. O Amor desaparece.

Como seguidores de Jesus, somos chamados a viver a santidade, em vez de centrarmos nossa vida na busca da perfeição, e a santidade está relacionada com compaixão, com misericórdia, com amor, com o convite que Deus nos faz: “Sede santos porque Eu sou Santo”.
Deus é Amor e nisso consiste a santidade de Deus. Trata-se, pois, de abrir-nos para o Amor,dentro  mesmo dessa realidade nossa de criaturas limitadas, frágeis, pecadoras...
Ora, essa capacidade de Amar nos é dada por Deus, é um dom de Deus.
A santidade, portanto, nos é dada por Deus e nos é dada agora:
- Somosamados por Deus, sem condições, agora, com todas as nossas imperfeições, pecados,
fraquezas, debilidades, limitações, traumas...
- e esse Amor de Deus sem condições, nos torna capazes de amar agora, de fazer o bem agora,
de servir agora, de ser santo agora, apesar de nossas imperfeições e fraquezas.

A santidadenunca é humilhada pelo pecado, porque um Outro nos acolhe e nos ama apesar de nosso pecado. A santidade é humildeporque nos faz descer em direcção à nossa própria humanidade,  aceitando-nos ser pobres, frágeis, limitados, pecadores… e acolhendo, na ação de graças, uma salvação que nos é oferecida gratuitamente pelo Deus que nos ama.
A santidade nunca leva ao fechamento em si mesmo, antes abre-nos para Deus acolhendo sempre o seu perdão e abre-nos para os outros no amor, no serviço e no dom.
Contrariamente à perfeição que dialoga com um código, a santidade dialoga com Alguém, com o Pai, com Cristo, constituindo-se nesse lugar privilegiado de liberdade aberta ao sopro do Espírito.
Santidadenão é um resultado que possa ser contabilizado; santidadeé um caminhar.
É nesse horizonte que devemos entender a afirmação“Sede perfeitos como vosso Pai celestial é per-feito” (Mt. 5,48); elaestá ligada com o texto precedente pela partícula de consequência “portanto”.
Ora, o texto imediatamente antecedente fala precisamente do Amor sem limites do Pai. Assim poderí-amosconcluir que o discípulo de Jesus deve ser perfeito no Amor como o Pai celestial é perfeito no Amor.Ele ama a todos sem distinção, “fazendo nascer o sol e cair a chuva sobre maus e bons, justos e injustos”.

O Deus de Jesus, portanto, não é um juiz com um catálogo de leis que tem necessidade de mandar, controlar, verificar... Basta-lhe a misericórdia, oamor para com justos e injustos..
A misericórdia de Deus constitui a resposta à indigência do ser humano. Ela oferece a possibilidade de pôr de lado o julgamento, a violência e a condenação.
A misericórdia é a resposta de Deus ao delírio do serhumano de querer ser perfeito; é a única força capaz de detê-lo naquele processo de auto-divinização, própria do perfeccionista.
Jesus propõe um modo de ser humano inseparável da misericórdia do Pai:
“Sede misericordiosos como o Pai é misericordioso” (Lc. 6,36)



Ser misericordioso “como” Deus constitui o mais elevado convite e a mensagem mais profunda que o ser humano recebe sobre como tratar a si mesmo e aos outros.
O caminho de Jesus não vai pelo terreno pantanoso da perfeição, mas pelo terreno firme do perdão, da compaixão e da não-violência.

Texto bíblico:Mt 5,38-48

Na oração:Quais são as “marcas” da perfeição
impregnadas no seu interior pela formação familiar, pela religião, pela educação...

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014


Curso de Especialização em Teologia.





A FAJE e o Centro Loyola de BH oferecem uma Pós-graduação Lato Sensu, reconhecida pelo MEC. Trata-se de uma oportunidade de aprofundamento da fé em diálogo com o mundo contemporâneo.  
O curso integra conhecimento e vivência. Além das atividades acadêmicas, são oferecidas noites de espiritualidade, palestras, grupos de estudos teológicos e retiro semestral. Os professores, em sua maioria docentes, doutorandos e egressos da FAJE, conjugam conhecimento teológico, linguagem adequada e sintonia com a cultura atual.
Com três anos de duração, ele se destina a agentes de pastoral, líderes paroquiais, catequistas e pessoas que desejam amadurecer sua fé.
As Inscrições e processo seletivo para novos alunos: 27/01 a 15/02/2014.
Início das aulas: 17 de fevereiro de 2014.
Aulas: segundas e quartas-feiras, de 19h30 às 21h30.
Certificado de especialização: emitido no final do curso.

Local de realização e mais informações:
Centro Loyola BH: (31) 3342-2847.
Rua Sinval de Sá, 700 – Cidade Jardim – Belo Horizonte-MG

O Centro Loyola de Belo Horizonte é uma obra da Companhia de Jesus(jesuítas) e promove cursos, ciclos de palestras, grupos de reflexão, rodas de conversa, nas áreas de teologia, filosofia, literatura e espiritualidade.

Atenciosamente
Camila C. de Paula
Assessoria de Comunicação – Centro Loyola BH
(31) 3342-2847

Mt 5-17,37-JESUS CONVERTE A LEI EM AMOR



JESUS CONVERTE A LEI EM AMOR 

“...se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da lei e dos fariseus...” Mt 5,20)

O Evangelho de hoje apresenta um tema complicado para os primeiros cristãos que eram todos judeus.
Como harmonizar a pregação e a práxis de Jesus com a Lei, que para eles era o mais sagrado.
De fato, os judeus falavam com orgulho da Lei de Moisés. Era o melhor presente que haviam recebido de Deus. Em todas as sinagogas guardavam-na com veneração dentro de um cofre, depositado em um lugar especial. Nessa Lei podiam encontrar aquilo que precisavam para serem fiéis a Deus.
Jesus, no entanto, não vive centrado na Lei. Não se dedica a estudá-la nem a explicá-la a seus discípulos. Nunca o vemos preocupado por observá-la de maneira escrupulosa. Certamente, não põe em marcha uma campanha contra a Lei, mas esta não ocupa um lugar central em seu coração. Jesus não foi contra a Lei, mas foi além da Lei. Quis dizer-nos que sempre temos que ir mais além da letra, da pura formulação, até descobrir o espírito da lei. “A lei mata, o espírito vivifica” (S. Paulo).
Jesus busca a Vontade de Deus a partir de outra experiência diferente, ou seja, procurando abrir caminho entre os homens para construir com eles um mundo mais justo e fraterno. Isto muda tudo. A Lei já não é o decisivo para saber o que Deus espera de nós. O primeiro é “buscar o reino de Deus e sua justiça”.
“Justiça” é um termo particularmente especial para Mateus, e que poderia ser traduzido como “ajustar-se a Deus” “sintonizar-se à sua vontade” – uma justiça que é infinitamente superior à Lei.

Os fariseus e escribas se preocupavam em observar rigorosamente as leis, mas descuidavam do amor e da justiça. Jesus se esforça por incutir nos corações dos seus seguidores outro talante e outro espírito: “se vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino de Deus” (v.20). Eles cum-priam a lei escrupulosamente, mas só externamente, e isso não os fazia melhores mas mesquinhos.
Os “fariseus” e os “escribas” são os típicos representantes de uma espiritualidade legalista, distante da realidade humana. Eles não percebem que, observando detalhadamente todas as leis, não estão pensando em Deus, mas, sim, em si mesmos. No fundo, não tem necessidade de Deus. Acreditam que, cumprindo perfeitamente todos os mandamentos por suas próprias forças, tem o direito de exigir de Deus uma recompensa. Estão menos interessados no encontro com Deus do que no cumprimento minucioso da lei.
O que mais lhes interessa é o cumprimento das normas e ideais que se impuseram a si mesmos.
De tanto se fixarem sobre as leis, esquecem o que Deus realmente deseja do ser humano, tornam-se frios, insensíveis... e assumem o papel de juiz para julgar o comportamento dos outros.

É preciso superar o legalismo que se contenta com o cumprimento literal de leis e normas. O empenho de Jesus consistiu em fazer as pessoas passarem de uma religiosidade externa a uma religiosidade interna, ou seja, passar de um cumprimento de leis a uma descoberta das exigências de nosso próprio ser.
Nesse sentido, o Sermão da Montanha não é Lei, mas Evangelho.
Esta é a diferença entre a Lei e o Evangelho: a Lei deixa a pessoa abandonada às suas próprias forças,  impõe-lhe preceitos que é preciso esforçar-se por cumpri-los, ameaça-a, premia-a, exige-lhe empenho…
O Evangelho, no entanto, coloca a pessoa diante do dom de Deus, faz-lhe conhecer seu Pai, converte-a em filho(a), transforma-a por dentro… e não a obriga a nada. No amor não há imposição, mas acolhida.

Deus só pode comunicar sua Vontade na intimidade do nosso coração. Em cada um de nós está a “marca” da presença de Deus. Essa presença é sua “vontade”.
Se fôssemos capazes de descer até o fundo do nosso ser e compreendê-lo no essencial, descobriríamos ali essa vontade de Deus; ali Ele está nos dizendo o que quer e espera de nós. A vontade de Deus não é nada diferente ou acrescentado ao nosso próprio ser, não nos vem de fora, senão que está sempre aí.
Esta é a razão pela qual tantos homens e mulheres foram capazes de descer até a “marca” de seu ser e descobrir o que Deus espera de um ser humano.
A expressão desta experiência é Vontade de Deus, porque a única coisa que Ele quer de cada um de nós é que sejamos nós mesmos, ou seja, que cheguemos ao máximo de nossas possibilidades.

Quê significa, então, “cumprir a lei”?
Uma lei de trânsito, por exemplo, pode-se cumpri-la perfeitamente só externamente; ela é para facilitar o fluxo dos carros e pedestres.
Quando falamos de “lei de Deus”, as coisas não funcionam assim. O objetivo desta lei é a mudança profunda de nosso ser até ajustá-lo ao que Deus espera de nós. Se não interiorizamos o preceito até o ponto de deixar de ser preceito e, se não nos convencemos de que isso é o melhor para nós, o mero cumprimento da lei nos deixa como estávamos, não nos enriquece nem nos faz melhores.
Quando buscamos a Vontade do Pai com a paixão com que Jesus a buscava, vamos sempre mais além do que dizem as leis. Para caminhar em direção a esse mundo mais humano que Deus quer para todos, o importante não é contar com pessoas observantes de leis, mas com homens e mulheres que se pareçam com Ele.
Aquele que não mata, cumpre a Lei, mas se não arranca de seu coração a agressividade para com seu irmão, não se parece com Deus. Aquele que não comete adultério, cumpre a Lei, mas se deseja egois-ticamente a esposa de seu irmão, não se assemelha a Deus. Nestas pessoas reina a Lei, mas não Deus; são observantes, mas não sabem amar; vivem corretamente, mas não construirão um mundo mais humano.

 Temos de escutar bem as palavras de Jesus: “Não vim abolir a Lei e os Profetas, mas dar plenitude” (v. 17). Não veio a lançar por terra o patrimônio legal e religioso do Primeiro Testamento. Veio para “dar ple-nitude”, alargar o horizonte do comportamento humano, libertar a vida dos perigos do legalismo.
Nosso cristianismo será mais humano e evangélico quando aprendermos a viver as leis, normas, preceitos e tradições como Jesus os vivia: buscando esse mundo mais justo e fraterno que o Pai quer.
Cumprir só a Lei evita o castigo. Isso não é boa-notícia.
O amor nos faz humanos e essa é sua verdadeira recompensa. O amor não é um meio para alcançar um prêmio. É o caminho e a meta de todos os caminhos.
As leis, normas religiosas são “andadores” que impedem uma queda; podemos precisar deles por um bom tempo. Mas o dia que aprendemos a andar, eles serão um grande estorvo. E se um dia pretendemos correr, será impossível. Quando chegarmos a um conhecimento profundo de nosso próprio ser não precisaremos de apoios externos para caminhar para a verdadeira meta. “Ama e faze o que quiseres” (S. Agostinho) ou “Quem ama cumpriu toda a Lei”.


No Evangelho de hoje há também um matiz que costumamos passar por alto e que é a essência da proposta de Jesus. O texto não diz: “Se tu tens alguma queixa contra teu irmão”, mas “Se teu irmão tem alguma queixa contra ti”. Trata-se de olhar a própria vida na perspectiva do outro. De fato, quão difícil é nos deter a examinar se nossa atitude prejudicou o irmão. Damos por suposto que quem falha é sempre o outro. A culpa é sempre dos outros.

Texto bíblico:  Mt 5,17-37

Na oração: Diante de Deus, deixar aflorar os sinais de “farisaísmo”, presentes no seu cotidiano.
                       Frente às limitações do outro, o que prevalece? O peso da lei ou a força da misericórdia?