Amigos e amigas,
não fiquem assustados; estou enviando a vocês três anexos como subsídios
para rezar cada um
dos dias do Tríduo Pascal.
Desejo a todos(as) uma intensa Semana Santa.
Um abraço
Pe. Adroaldo sj
EUCARISTIA:
a
mesa que nos humaniza
“Durante
a Ceia... Jesus se levantou da mesa, tirou o manto... e começou a lavar os pés
dos discípulos”.
“Não
serás amigo de teu amigo até que tenhais comido juntos uma porção de sal”, diz um provérbio árabe. E isso supõe
tempo compartilhado, conversação prolongada, confidências entre amigos...
Compartilhar a mesa é o grande
símbolo da convivialidade, da reconciliação e da inclusão (Is. 25,6-8).
A imagem que Cristo escolhe para falar-nos daquilo que é
central no Reino é a do banquete, uma refeição festiva. Seu gesto de
compartilhar a mesa com as pessoas excluídas prefigurava e preparava a Eucaristia
como culminação de algo que foi sendo gestado e vivido naquelas refeições onde
os últimos eram aco- lhidos e tinham um lugar preferencial.
No tempo de Jesus, aceitar alguém na
própria mesa de refeição tinha um sentido muito profundo: implicava uma
comunhão de idéias, de mentalidade, de forma de agir, de sentimentos sobre as
coisas e as pessoas.
Cabe aqui perguntar: quê sentido
estavam dando os apósto-los
quando compartilhavam a mesa com Jesus?
Basicamente
significava que eles estavam de acordo com Jesus e queriam compartilhar sua
forma de pensar e de agir. Caso contrário, não teriam participado da re-feição
com Ele. O gesto ultrapassa evidentemente o fato de sentar-se juntos a uma
mesma mesa e chegava até uma comunhão com o mais precioso que Jesus tinha em
seu coração e em seu espírito, com seus sonhos e seus projetos.
A pedagogia de Jesus incluiu a “espiritualidade
da mesa”. Ele, antes de fundar uma igreja, fundou a “mesa da vida”
(mesa da Última Ceia): mesa da refeição como lugar de comunhão, fonte
inesgotável de vida. A comunhão que faz sonhar com a mesa eterna no Reino e
desafia seus participantes a viver a parti-lha como hábito e dinâmica que
preserva e promove a vida.
O
ritual da mesa rompe as distâncias e garante a proximidade, estabelece o
estreitamento dos vínculos com o diferente. Junto à mesa, cada um se
coloca diante do outro, não importando as diferenças de vida, opções, modos de
ser... A comunhão supõe o rito da inclusão e da partilha. O simples
gesto de passar ao outro um pedaço de pão é um gesto despojado de poder,
de segundas intenções.
A
espiritualidade da mesa exala gratidão aos que dela se aventuram em assentar-se. Com
isso ela nos interpela a vivermos uma espiritualidade da gratuidade
e do serviço de uns para com os outros. Esta é a prova da
autenticidade do verdadeiro seguimento de Jesus.
Esta foi a prática de Jesus que mais
causou espanto e escândalo: a partilha nas mesas com pobres e pecadores.
Literalmente, Jesus foi aquele que “virou mesas” de muitas
pessoas e fundou uma outra mesa: mesa da partilha, da festa, mesa da
fraternidade onde todos se sentem iguais... Mesa da vida.
Trata-se de uma mesa provocativa,
questionadora, incômoda... que requer mudança de lugar, de menta-lidade,
de atitude... Sair da própria mesa e caminhar em direção à mesa dos
outros.
Comendo e bebendo com
todos os excluídos, Jesus estava transgredindo e desafiando as formalidades do
comportamento social e das regras que estabeleciam a desigualdade, a divisão, a
exclusão...
Jesus
revelava uma grande liberdade ao transitar por diferentes mesas; mesas
escandalosas que o faziam próximo dos pecadores, pobres e excluídos... Ele não
só transitou por outras mesas, mas instituiu a grande Mesa para a
festa, a intimidade, a memória: a “mesa do Lava-pés e da Última Ceia”.
Ali, Ele “despoja-se do manto” (sinal de dignidade do
“senhor”) e pega o avental (toalha,
“ferramenta” do servo). Jesus está no meio dos homens como Aquele que serve.
“Despojar-se do manto” significa “dar
a vida” sob a forma de serviço.
Jesus coloca
toda a sua pessoa aos pés dos seus discípulos. O Criador põe-se aos pés da
criatura para revelar como ela é amada e como deve amar.
“Levanta-se
da mesa” – “senta-se à mesa”: movimento de
partida e de chegada; mesa que projeta para
o serviço e mesa que faz memória
festiva, mesa do encontro.
O Lava-pés é gesto ousado que quebra toda pretensão de poder. Jesus viu
claramente que o perigo mais grave que ameaça seus seguidores é a tentação do poder. Não há dúvida de que
isso é o que causa o maior dano a todos, o que mais nos desumaniza.
Por isso, com esse gesto, Jesus expressa que nunca quis agir como o
superior que se impõe com poder; do mesmo modo, viu em semelhante comportamento
uma conduta radicalmente inaceitável entre seus segui-dores. A relação que se
estabeleceu entre os discípulos e Jesus não foi a de submissão a um poder que
manda e dá ordens, mas a do “seguimento” que brota da experiência de sentir-se atraído e seduzido pelo “modo de
proceder” do mesmo Jesus.
“Tal Cristo,
tal cristão”: na vivência do serviço evangélico, somos
chamados a vestir o “avental de Jesus”
“Vestir o coração” com o avental da simplicidade, da
ternura acolhedora, da escu-
ta comprometida, da presença
atenciosa, do serviço desinteressado...
O que é “tirar
o manto?”
Para nós o “manto” poderia ser nossa máscara,
nossa redoma, nossa capa de proteção que nos distancia dos outros...; é tudo
aquilo que impede a agilidade e a prontidão no serviço... “Tirar o manto” é a
atitude firme de quem se dispõe a “arrancar” tudo o que possa ser
empecilho para melhor servir; é
mover-se, despojado, em direção ao outro; é optar pela solidariedade e a
partilha; é reno-var a vontade de “incluir” o outro no nosso projeto
de vida.
Precisamos “levantar-nos da mesa”
cotidianamente. Há sempre um lar que nos espera, um ambiente carente, um
serviço urgente. Há pessoas que aguardam nossa presença compassiva e servidora,
nosso coração aberto, nossa acolhida e cuidado amoroso...
Ora, se não nos livrarmos do manto, tornar-se-á difícil realizar
gestos ousados, criativos...
Sempre teremos “pés”
para lavar, mãos estendidas para acolher, irmãos que nos esperam, situações
deli-cadas a serem enfrentadas com coragem... A mesa da vida aponta para
a direção da gratuidade, da ale-gria, do convívio, do amor e da comunhão. É
preciso “sentar à mesa” para renovarmos as forças e redo-brarmos a
coragem de nos levantar e, na
humildade, sem manto, servir com amor, do jeito de Jesus.
“Levantar-nos da mesa” –
“sentar-nos à mesa”:
movimento de partida e de chegada; prolongamento do gesto provocativo e escandaloso de Jesus.
Isso é viver a Eucaristia no cotidiano da vida.
Texto bíblico: Jo. 13,1-17
Na oração: Não podemos
esquecer que na origem daquilo que celebramos neste dia houve uma ceia
de des-
pedida, e que somos
convidados não a um espetáculo, nem a uma representação, nem a uma conferência,
mas a uma refeição fraterna. E, para participar da refeição, a primeira
exigência é “ter fome”.
- “De quê
tenho fome? De quê tenho sede?”
AS MÃOS NA PAIXÃO DE JESUS
Há tantas formas de considerar os
mistérios da Paixão e Morte de Jesus.
Há palavras que continuam
chegando até nós com grande intensidade; há gestos que
impressionam por seu significado; há olhares que calam fundo; há silêncios
perturbadores; há lugares que nos surpreen-dem; há personagens...
Consideremos,
desta vez, as mãos, que tanto expressam este mistério.
O coração é o lugar onde o ser
humano se revela. As mãos são expressão daquilo que está presente no
coração; um coração cheio de ternura, bondade, compaixão... se expressa através
das mãos ternas, bondo-sas, compassivas, que praticam a partilha... Um coração
cheio de violência, arrogância, ambições, malí-cias... se expressa através de
mãos violentas, maliciosas, fechadas... As mãos... o espelho da
alma.
O ser humano vale pelo que vale seu
coração, isto é, por aquilo que deseja, busca e ama desde o mais profundo de si
mesmo. É no coração – no mais íntimo de seu ser – que o ser humano acolhe ou
rejeita Deus e os outros. É o coração transformado que dirige a mão
santificada, delicada. É o coração agrade-cido que transforma as mãos em
instrumentos de graça.
Podemos fazer e dizer muitas coisas com
nossas mãos. Admiramos as mãos dos artistas, as mãos curati-vas dos
médicos, as mãos terapêuticas de quem transmite energia libertadora, as mãos de
uma mãe que amassam o pão e acariciam, as mãos eloquentes dos mudos, as mãos
calejadas do trabalhador, as mãos daqueles que abençoam, servem, partem e
repartem...
As mãos
estão sempre associadas à ação, como
a cabeça à razão e o coração aos sentimentos.
As mãos, portanto, adquirem uma infinidade de formas: mãos que
levantam para abençoar, mãos que baixam para levantar o caído, mãos que se
estendem para amparar o cansado. São como as mãos de Deus que criam, que guiam,
que salvam... Quando estendemos os braços e as mãos e tocamos o outro
esponta-neamente descobrimos a compaixão e a riqueza que existe em
todos nós.
Na contemplação do mistério da “Paixão
de Jesus” consideremos a diversidade de mãos que aí se fazem
presentes:
as “mãos limpas” dos líderes
religiosos que não as usam para o serviço aos outros; são “mãos assépticas”
porque não se “contaminam” no contato com as pessoas; são mãos que
carregam julgamentos, traficam destruição, encarnam a falsidade e espalham o
medo...
mãos dos
soldados que prendem e golpeiam; mãos de Pilatos que se lavam para negar a
infâmia; mãos de Judas que entregam; mãos que não podem resistir; mãos que
empunham o chicote; mãos que trançam coroas de espinhos; mãos que batem, mãos
rudes que espalham o terror; mãos de Simão que ajudam a carregar a cruz; mãos
de Verônica que enxugam o rosto de Jesus; mãos cravadas no madeiro...
Onde
está a diferença? Não está nas mãos, mas no coração!!!
É o
coração petrificado que dirige a mão pesada e violenta. É o coração terno que
dirige a mão santifi-cada. E minhas
mãos?... De quem são? Para quê são?
1.
Mãos fecundas“Enquanto ceavam, Jesus tomou o pão, pronunciou a benção, partiu-o e
distribuiu-o aos discípulos”
(Mt. 26,26)
São as mãos que tomam o
pão para bendizê-lo, parti-lo e distribui-lo. Tomam o que é importante para fazê-lo
chegar a quem dele necessita. As mãos que trabalham e que cuidam, que
protegem e acariciam, que abraçam e curam. As mãos que escrevem e
produzem, as mãos que se levantam para protestar contra o injusto. Mãos
de artista, de artesão, de camponês, de médico, de operário, de mãe, de
trabalhador, de amigo...
Quando? Em quê minhas mãos são
fecundas?
2.
Mãos covardes
“Vendo
Pilatos que nada conseguia, mas, ao contrário, o alvoroço aumentava, pediu água
e, lavando as mãos, na presença da multidão,
disse: ‘Não sou responsável pela morte deste inocente. É problema vosso”
(Mt. 27,24)
São as mãos de quem se desinteressa. São
lavadas; fecham-se; protegem-se para não se gastar, para não se implicar, para
não se comprometer... Mãos de cristal, de porcelana, eternamente imaculadas por
não terem vivido nada, ou incapazes de acolher algo.
Mãos que nunca tocaram a terra, o corpo alheio; mãos
incapazes de sentir, de ferir-se, de gastar-se um pouco. Mãos lavadas em
água, mas regadas em sangue invisível. Mãos que bofeteiam o inocente, ou
que rasgam hipocritamente as próprias vestes, escandalizadas por uma verdade
que assusta.
Mãos frias; mãos verdadeiramente mortas...
Quando? Em quê as minhas mãos são
covardes?
3.
Mãos servidoras
“Ao
saírem, encontraram um cirineu, de nome Simão. E o requisitaram para que
carregasse a Cruz”
(Mt. 27,32)
Mãos de quem estende uma mão, para ajudar a carregar as
cruzes, para aliviar o peso dos ombros, para emba-lar os rostos golpeados. Mãos
estendidas... para dar a mão, levantar o caído, sustentar o fraco, curar o
enfer-mo, guiar o cego, compartilhar com o pobre, libertar o prisioneiro.
Onde há um necessitado... uma mão
estendida. Dar a mão... uma mão
amiga. Sem paternalismo que alimen-ta o ego de quem dá e humilha a quem recebe.
As mãos... nunca para
fazer o outro sofrer, mas fortes e libertadoras, criadoras de vida, mãos
generosas que protegem e cuidam da vida ferida...
Quando? Em quê minhas mãos são
servidoras?
4.
Mãos transpassadas
“Então o crucificaram. E repartiram as
suas vestes, lançando sorte sobre elas para sa-
ber com o que cada um ficaria” (Mc.
15,24).
Mãos transpassadas por cravos, por cansaços. Mãos que
se erguem ao céu em súplica muda. Mãos que buscam algo com o qual saciar
a fome dos filhos. Mãos que já não tem forças para sustentar nada.
Mãos que se apertam, desesperadas, em gesto de impotência.
Mãos que procuram ocultar os soluços quando não se pode
mais. Mãos feridas, chagadas, atravessadas por cravos invisíveis. Mãos
presas com cadeias de ódio, de exclusão, de rejeição. Mãos que batem em
portas fechadas, desesperadas.. Mãos muito abertas, esperando ser
acolhidas. Mãos já inertes pela derrota.
Quando?
Em quê minhas mãos são transpassadas?
Uma mão esconde entre suas
linhas a espes-sura profunda e o valor impenetrável de uma vivência única e
irrepetível; exprime autorida-de, elegância, dignidade, credibilidade, ben-
ção...
Uma mão se faz encontro. Vai
aproximando, oferecendo, interrogando, esperando, indi-cando, saudando,
acolhendo, bendizendo... Uma mão se abre, se oferece, se doa...
Ponha um pouco de amor em tuas mãos
e tudo o que tocares tornar-se-á benção.
O INCÔMODO SILÊNCIO DO SÁBADO SANTO
Normalmente
o Sábado Santo não merece maior atenção de nossa parte; acabada a
Sexta-feira Santa já pensamos no Domingo da Ressurreição. No entanto, o Sábado
Santo reivindica uma reflexão e um lugar na nossa vida espiritual.
O
Sábado Santo é um dia de penumbra: entre a sombra da Sexta-feira e a luz
do Domingo. É o dia da ambigüidade, do luto e da possível boa notícia, da
espera e da esperança.
É
o dia dedicado à solidão de Maria, o “dia não-litúrgico”. É o dia em que Jesus
“desce” à morada dos mortos, na obscuridade mais absoluta. Ali não há visão de
Deus; por isso, a Escritura a chama “inferno”.
É
o dia do ocultamento de Deus, do silêncio de Deus Pai, da grande solidão de
Jesus, do Filho perdido na obscuridade, na “terra de ninguém”. Jesus no túmulo
simboliza o silêncio, a volta ao mais íntimo de si mesmo, abraçando a solidão
sem se sentir solitário.
Um Silêncio entendido como outra forma de presença de Deus.
O silêncio de Deus deve ser respeitado,
pois a Deus lhe dói a morte de seus fiéis (Sl. 116,15): o Pai não estará
fazendo luto por seu Filho e por
suas criaturas?
* Não será
que o silêncio do Sábado Santo supõe o direito de Deus se calar?
* Quê Deus
não tem direito de guardar silêncio?
* Quem somos
nós para exigir de Deus que nos esteja falando continuamente?
Se
não oramos a partir desse silêncio,
é porque ainda não mergulhamos no mistério do Amor compassivo.
Muitas
vezes negamos a Deus o que de mais humano há em nós: o poder fazer comunidade
compassiva e solidária, compartilhando a dor e o luto.
O Pai está de luto; toda a natureza, em
silêncio, acolhe a semente do Corpo do Verbo, na esperança de germinar Vida
plena. O Sábado Santo, portanto,
não é o mutismo de Deus, mas seu Silêncio,
ou seja, a ação oculta de Deus estendida no tempo; morte e ressurreição são
simultâneas no presente de Deus, mas no acontecer humano só podem ser
sucessivas.
Deus nos fala em sua mudez. O silêncio
do Senhor nos move a procurar, a escutar, a enxergar...
Além
disso, através da passagem do Sábado
Santo realiza-se uma transformação radical de nossa imagem de Deus: não como um Ser Onipotente insensível, que
desconhece a dor, senão como Amor
vulnerável e vulnerado, que assume como Seu o sofrimento da humanidade.
Para
que haja uma nova revelação de Deus, deve haver “interrupção”, “silêncio”, da
antiga.
O Sábado Santo nos faz “morrer”
a uma imagem de Deus para abrir-nos a outra nova dimensão e compreensão de seu
Mistério. Atravessada a prova dessa “ausência”, seremos levados à Outra
Margem, na qual nossa relação com Deus ficará purificada e aprofundada.
Sábado
é o dia da paciência, o dia da esperança freada, o dia em que a esperança é
acrisolada pelo fogo.
“O Sábado Santo é aquele intervalo
único e irrepetível na história da humanidade e do universo em que Deus, em
Jesus Cristo, compartilhou não só nosso morrer, mas também nosso permanecer na
morte. A solidariedade mais radical” (Bento
XVI).
Quem
não experimenta isso, permanece no sábado da sepultura, o sábado que não teria
nada de “santo”; seria o sábado do castigo e do enterro daquele que por culpa
se viu privado de vida. O desconcerto diante da sexta-feira santa pode ser tal
que não fica esperança, nem razão para a missão.
Nesta
última forma de solidariedade se completa a humanização de Jesus.
E o ator dessa humanização total foi o Espírito Santo. A morte de Jesus esteve
cheia de Espírito Santo.
“Quer dizer que Deus, ao fazer-se
homem, chegou ao ponto de entrar na solidão extrema e absoluta do homem, onde
não chega nenhum raio de amor, onde reina o abandono total sem palavra alguma
de consolo: os infernos. Jesus, permanecendo na morte, ultrapassou a porta
desta solidão última para guiar-nos também a nós a ultrapassá-la com Ele.
Todos temos sentido alguma vez uma
sensação espantosa de abandono. Isto é o que mais tememos da morte. Como os
meninos, nos dá medo ficarmos sozinhos na escuridão. Só a presença de uma
pessoa que nos ama nos dá segurança. Pois bem, isto é o que ocorreu no Sábado
Santo: no reino da morte ressoou a voz de Deus. Aconteceu o inimaginável: que o
Amor penetrou “nos infernos”: na obscuridade extrema da solidão humana mais
absoluta. Também nós podemos escutar a voz que nos chama e a mão que nos toma e
nos tira para fora. O ser humano vive porque é amado e pode amar. E se no
espaço da morte penetrou o amor, então chegou ali a vida. Na hora da extrema
solidão, nunca estaremos sozi-nhos”
(Bento XVI, discurso de 2 de maio de 2010)
Deus
se revela não só na Palavra, também em seu Silêncio, em seu ocultamento.
Quando
Deus cala e faz calar, fecha-se os lábios, entra-se no mistério, na mística.
Também
a vida cristã participa da obscuridade deste dia. Ela se sente chamada a morrer
a si mesma cada dia: “viver
é dizer constantemente adeus” (Card. Danneels); ela não quer ter
medo da morte, porque, caso contrário, teria também medo da vida.
Isaac
o sírio dizia que os verdadeiros sábios são aqueles que “aspiram a
vida dentro da morte”. Aqui a-contece o paradoxo na vida espiritual:
quanto mais se “sobe”, mais se “desce”.
Para renascer a uma espe-rança viva, teremos que passar pela experiência de
“descida ao inferno”, à escuridão, à terra de ninguém.
Mas
não podemos esquecer que o ocultamento de Deus é experimentado no
contato com a dor e a morte dos outros.
A esperança cristã nos leva a com-padecer e com-morrer. Com eles permanecemos
na morada dos mortos e “descemos aos infernos”. Mt. 25 nos apresenta os
que sofrem como manifestações terrenas da proximidade de Deus. É aqui onde tem
lugar o seguimento. É seguimento no espírito da com-paixão. Seguir a Jesus
até o inferno, a obscuridade, pois Deus habita em uma luz inacessível (1Tim.
6,16).
O Sábado
Santo é também um dia inquieto. No sábado santo da sociedade pós-moderna,
somos terra de penumbra. Nela se antecipa a esperança do dia de Páscoa.
“Nossa época se converteu sempre mais
em um Sábado Santo: a obscuridade deste dia interpela a todos aqueles que se
perguntam pelo sentido da vida, e de maneira especial nos interpela a nós que
cremos. Também a nós nos afeta esta obscuridade” (Bento XVI).
Como
as mulheres, nos deslocamos para o sepulcro, levando aromas. As orações são
aromas que o Espíri-to recolhe em sua taça. A esperança é aroma que faz
esquecer a putrefação do cadáver.
Na
noite do sábado santo nos propomos dormir pouco e levantar-nos muito cedo, porque
algo vai aconte-cer. A Luz está para chegar. O Espírito ficou sem palavra, mas
já sussurra. A voz do silêncio já geme; nele vislumbra-se a chegada da Vida.
Algo grandioso se prepara.
Da
escuridão da morte do Filho de Deus brota a Luz de uma esperança nova: a
luz da Ressurreição reflete-se no
rosto de Maria. Nossa amizade e devoção a Maria da esperança, a transparência
feminina do Espírito, nos mantém no ritmo da espera.
Aproximam-se
os rumores de ressurreição. É Páscoa.
Não
basta re-nascer; é preciso assumir nossa condição de responsáveis de uma Nova
Vida.
Textos
bíblicos: Mc. 15,42-47
Jo. 19,38-42
Tarde de silêncio: recordar os
grandes silêncios da vida (perdas, fracassos, crises...) onde não há
razões, não
há uma lógica... mas no silêncio profundo,
algo novo começa a germinar...