“Em
colóquio com os seus discípulos, Jesus convidava-os a reconhecer a relação
paterna que Deus tem com todas as criaturas e recordava-lhes, com comovente
ternura, como cada uma delas era importante aos olhos d’Ele” (laudato si’
n. 96)
Todas as religiões e
culturas se servem de relatos para revelar a verdade e fazer chegar até nós a sabedoria de nossos antepassados.
A revelação mais antiga e universal é que a Terra e todas as suas criaturas, assim como o ar, o solo, a pedra e
a água são sagrados, e que esta verdade deve refletir-se em nossas vidas.
Como cristãos, seguir Jesus
Cristo hoje é adquirir conhecimento e experiência consciente
desta história oculta e sagrada. Com efeito, a Terra acolheu Jesus como acolhe toda pessoa que vem a este mundo.
É a casa verdadeira, a mais
básica. Jesus sentiu a companhia desta Terra
que é irmã e mãe.
Os Evangelhos destacam de
muitas maneiras a boa relação que Ele teve com a Terra.
Jesus soube viver as noites
e empregá-las, para além de sua solidão e aspereza, para encontrar sentido e
para dar profundidade às suas atuações mais decisivas.
Desfrutou dos caminhos
andados, dos campos semeados, do vento que se assemelha ao Espírito, das
árvo-res que empregará como parábolas do Reino, das vinhas que serão símbolo de
sua oferta em novidade...
Experimentou a dureza da Terra, sua aspereza no deserto e o
calor de seu abrigo à hora da morte; pisou o chão de terra batida, machucada,
rasgada...
Teve uma mentalidade
inclusiva porque, no fundo, entendeu que tudo estava relacionado e que as
coisas e as pessoas espreitam o mesmo horizonte.
Na 2ª. Semana dos EE alimentamos nossa relação com
Deus e com a Criação; ou, formulando de maneira mais adequada, nossa relação
com Deus passa através da natureza. Pedimos a graça do conhecimento interno de
Jesus, aquele Jesus que sempre manteve uma relação íntima com a Criação.
Seu ministério começou com quarenta dias no deserto
e terminou no horto do Getsêmani; Ele viveu experiências místicas na montanha (a
transfiguração) e nas águas do Jordão (batismo). Seus relatos e parábolas
utilizam as imagens da natureza para explicar o Reino de Deus. Este é o Jesus
com quem nossa relação se faz mais profunda.
É impressionante que o
núcleo central das parábolas de Jesus é formado por imagens que “ligam”,
que integram e comprometem. O fermento da relação
é que constitui o material do Reino de Deus.
É precisamente o sentido
particular da relação pessoal de Jesus com a Trindade, com os demais seres
humanos e com o mundo que nos permite descobrir o significado espiritual da
dimensão da “relação”.
O relato da Encarnação nos
faz ser conscientes da atitude da Trindade na sua relação com o cosmos.
Em Jesus Cristo, nos fazemos
conscientes da conexão que há entre todos os seres humanos e destes com todas
as demais criaturas e com o Criador. Ele não só tornou próximo um Deus cujo
próprio ser é relacional (cerne da
doutrina cristã da Trindade), mas revelou que o caminho para a plenitude e a
transformação consiste numa correta e justa relação e conexão entre todos os
seres.
Na verdade, Ele chamou o ser
humano a sair de seu mundo fechado, de seu isolamento e padrões alienados de
relacionamento para expandir-se em direção a uma nova forma relacional com tudo
o que existe; tal relação é a
concretização do sonho do Reino de Deus.
Isto significa que o discípulo de Jesus deve
apresentar um estilo de vida
completamente contrário à ética do individualismo consumista e do domínio
competitivo do mundo atual.
O olhar de Jesus sobre a Criação, tal qual
o apresenta Mt. 6,26-36, se alimenta de sua relação com o Pai; trata-se
de um olhar e de um receber que se faz abandono confiante ao Pai.
A primeira atitude diante da Criação é a de
reaprender a olhar, a observar: “olhai”. Ele nos chama a um olhar
novo e ao mesmo tempo antigo sobre a Criação: o da maravilha diante de uma
natureza dada para acender em nós o assombro, a emoção e o encanto.
No fundo, trata-se do mesmo olhar que
Deus, segundo Gen. 1, teve diante de sua criação (“... e Deus viu que era belo, bom”). A natureza dada
desperta o olhar receptivo daquele que a acolhe como dom e como promessa.
A primeira relação do ser humano com a Criação,
portanto, não é a da posse, nem a da pergunta pelo seu porquê, mas a da acolhida
em seu ser dado. A forma dessa acolhida é a maravilha de sua presença e o temor
diante de sua possível perda.
Essa é a primeira experiência que todos fazemos. Todos
os bens da Criação são recebidos por nós deste modo, ou seja, como dons. A
confissão no Deus Criador não é, portanto, em sua origem, da ordem do conceito,
mas da acolhida da Criação como dada a nós.
Mateus nos indica ainda que o
olhar ao qual nos convida Jesus leva ao reconhecimento Daquele
que é fonte do dom. De novo aqui, mais que se perguntar pelo porquê do mundo,
Jesus nos convida a reconhe-cer o Doador que cuida assim dos pássaros do céu e
reveste de tal glória os lírios do campo.
A Criação como realidade doada, convida à
compreensão de sua origem, não para dominá-la e manipulá-la, mas para tornar o
dom uma benção fecunda para todos.
No fundo, trata-se de reconhecer que a Criação “dada-a”
é “doada-por”. Ela deve, por isso, ser recebida como fecundidade,
não como algo que é objeto de conquista e domínio. Isso fundamenta não um fazer
produtivo, mas um agir compartilhado: “trabalhar com” o Criador,
levando a Criação á sua plenitude.
Segundo o relato bíblico, a primeira vocação do ser
humano é a de ser jardineiro, pois recebeu do Criador a missão de cuidar
e preservar a Sua “vinha”: lugar onde os homens, as mulheres e as crianças convivem em
harmonia e compartilham os frutos abundantes das videiras.
Existimos
para acariciar a terra, para
prepará-la, para fertilizá-la, para cuidá-la, para torná-la bela.
Mas que coisas horríveis fizemos com a vinha que
herdamos!
Quando observamos vinhas
outrora verdejantes e agora destruídas ou entulhadas de lixo, uma sensação de
violação, de tragédia, quase de sacrilégio, se manifesta no nosso interior. E
uma voz ecoa das profunde-zas da destruição: “Quê
fizestes de minha vinha?”.
O cuidado e a beleza
da vinha impõe-se ao desejo consumista desenfreado, pois somos jardineiros e
não exploradores.
O que caracteriza essa
nova atitude é o cuidado em lugar da dominação, o reconhecimento
do valor de cada criatura e não sua mera utilização humana, o respeito por toda
forma de vida e os direitos e a dignidade da natureza, não sua exploração.
Assim, o exercício do cuidado,
por parte do ser humano, deve significar respeito à ação criativa divina,
contribuir com o crescimento e a evolução, garantir a sua continuidade, cuidar
e fazer da vinha uma fonte de bênçãos, ou seja, de comunhão com ela e, a
partir dela, harmonia interior, comunhão com as outras pessoas e estreitamento
de relações com o próprio Criador.
Quem sabe, um dia, os seres humanos
olharão novamente para a vinha do Senhor com olhos encantados e sofrerão
ao vê-la violentada pelos vândalos que a estupram em nome do
crescimento econômico.
Textos
bíblicos: Mt. 21,33-43 Is. 5,1-7
Na oração: Este sentido profundo nasce do uso que fazemos de
nossa imaginação na oração para contemplar
cenas da vida de Cristo no Evangelho. Nela,
somos convidados a entrar na cena como se formássemos parte do mundo natural: a
semente plantada, a tumba de Cristo de pedra talhada, o azeite que unge os pés
de Cristo, a água que lava os pés dos apóstolos, as flores, os pássaros... Tais
contemplações provocam em nós sentimentos de gratidão e nos impulsionam à ação
em favor da Criação. A contemplação destas cenas nos dá valor e um novo tipo de
humildade reverencial pelo dom da criação – as mesmas virtudes que Jesus
cultivou seguindo a Vontade do Pai.
A
combinação desta nova linguagem de imagens, junto ao assombro e à graça da
criação, tem o poder de plenitude. Ao entrar na contemplação adotando o ponto
de vista da terra, experimentamos uma profunda sensação de harmonia e de cura.
- assumir gestos de cuidado
para com o meio ambiente: reduzir, reciclar, reutilizar, replantar...