segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Companheiros e companheiras, Estou enviando o primeiro roteiro de oração da Novena de Natal deste ano, 2014. No ano passado, fizemos o trajeto do Advento rezando com o Papa Francisco. A ideia, este ano, é fazer a caminhada rumo a Belém na companhia de Francisco de Assis e Inácio de Loyola. Os dois, fontes de Espiritualidades fundantes no Cristianismo, além de absolutamente atuais, podem nos ajudar a ir ao encontro de Jesus, conhecê-lo mais e amá-lo melhor. Boa caminhada a todos. Eduardo Machado

Novena de Natal 2014
À espera do Senhor, com Francisco e Inácio
1° dia
“Busca e encontro”
_________________________________________________________________________________
            Canto de acolhida  -  Oração de São Francisco
_________________________________________________________________________________
            Oração inicial
            Senhor, nosso Deus, que inspirastes no coração de Francisco de Assis e de Inácio de Loyola, um amor apaixonado por vossas criaturas, fazei que possamos revelar no cotidiano, por sonhos, desejos, palavras e gestos, a centelha divina que nos faz imagem e semelhança da Trindade e sermos, assim como Francisco e Inácio, sinal vivo da presença do vosso amor no meio dos homens, nossos irmãos, em especial entre aqueles que mais necessitam desse amor.
            Amém.
_________________________________________________________________________________
            Leitura do dia: Mateus 1,23-24
            “Vejam: a virgem conceberá, e dará à luz um filho. Ele será chamado de Emanuel, que quer dizer: Deus está conosco”.
            Quando acordou, José fez conforme o Anjo do Senhor lhe havia dito: levou Maria para sua casa.            Palavra da Salvação.
            Todos: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens e mulheres por Ele sempre amados.
_________________________________________________________________________________
            Meditação:
Apresentando Francisco
Francisco nasceu entre 1181 e 1182 , na cidade de Assis, Itália. Seu pai era um rico e próspero comerciante, que seguidamente viajava para a França, de onde trazia a maior parte de suas mercadorias.
Os padres de São Jorge lhe deram esmerada formação e educação cristã. Mas o caráter e as melhores qualidades vieram da mãe: meiga e firme, cristã fervorosa, toda dedicada à família.
Cedo, o garoto Francisco aprendeu do pai a arte do comércio que manejava com inteligência e proveito. Mas era um jovem alegre, amante da música e das festas e, com muito dinheiro para gastar, tornou-se rapidamente um ídolo entre seus companheiros. Adorava banquetes, noitadas de diversão e cantar serenatas para as belas damas de sua cidade.
Francisco era o líder da juventude de sua cidade. Num dos conflitos, comuns naquele tempo, partiu para a guerra contra Peruggia, onde foi derrotado. Prisioneiro, o clima insalubre da prisão, agravado pelos prolongados meses de inverno o prostram, vítima de uma grave enfermidade. Depois de longos meses de sofrimento, sem poder sair da cama, finalmente começou a melhorar.
Aos poucos, após lenta e dolorosa recuperação, Francisco não era mais o mesmo Francisco. Sentiu-se diferente, sem poder compreender o porquê. A verdade é que a humilhação e o sofrimento da prisão, somados ao enfraquecimento causado pela doença, provocaram profundas mudanças no jovem Francisco, que passou a meditar sobre a vida que vivera até ali e o que realmente seu coração buscava e queria. A dúvida foi o caminho que Deus escolheu para entrar mais profundamente em sua vida. Na fragilidade humana, manifestou-se a grandeza do amor de Deus.
Apresentando Inácio:
Quando Iñigo de Loyola nasceu, em 1491, Leonardo Da Vinci tinha 39 anos, Erasmo de Rotterdam 25 anos, Maquiavel vinte e dois, Copérnico dezoito, Michelangelo dezesseis, Thomas Morus onze, Lutero oito. Em 1492, quando Iñigo ensaiava os primeiros passos, Cristóvão Colombo partia para a ventura de “descobrir” a América, abrindo ao mundo novas fronteiras e oferecendo aos soberanos católicos da Espanha, riquezas aparentemente ilimitadas.
A infância de Iñigo de Loyola pertence ao séc. XV, ainda marcada pela mentalidade feudal, mas ele cresce numa realidade já iluminada pela nascente alvorada do Humanismo, do Renascimento. Sua juventude e idade madura recebem em cheio o impacto doo séc. XVI. É nesse contexto, onde quase tudo estremece ou germina, que entra em campo o filho dos senhores de Loyola.
Orgulhoso, ansioso por façanhas militares a serviço do seu rei, ele lidera a guarnição de Pamplona atacada por forças francesas, em 20 de março de 1521, quando uma bombarda de canhão explode na muralha ao seu lado e o fere gravemente. É levado pelos franceses até sua casa em cima de uma mula, onde passa por dolorosas cirurgias. A longa recuperação em Loyola o faz buscar livros para matar o tédio e para aliviar as torturas da reabilitação...
Essa é a mediação histórica de que Deus se valeu para irromper naquela vida. Tudo começa a ser percebido como novo: “...lhe pareciam novas todas as coisas”.
Inácio é um homem da mudança, da transição no tempo, dos tempos novos, agitados, turbulentos,de transbordantes novidades que punham em questão tudo o que se conhecia até então.  E ele não se fechou a esse novo, ao contrário abriu-se a ele. Começou por contemplar a si mesmo, sua condição, seus desejos e sentimentos. Descobre, aí, a possibilidade e o convite a ser um novo homem, redefinindo seu lugar no universo e sua relação com Deus.
_________________________________________________________________________________
         Partilha da Palavra: “Palavra é a ponte onde o amor vai e vem...”
           
Que diferenças e semelhanças percebo em Francisco e Inácio?
                       
                                Que sentimentos vem ao meu coração, ao contemplar a vida desses santos?
_________________________________________________________________________________
         Preces da Comunidade
_________________________________________________________________________________
         Oração final
Senhor nosso Deus, que, por ser amor, quis ser Trindade, e que, por ser Trindade é, desde sempre, família; abençoa nossas famílias.
Abençoa a cada um de nós que inicia hoje essa caminhada.
Semeia em nosso coração os dons da fé, da esperança e da caridade. E que os frutos sejam abundantes na seara da nossa vida.
Ensina-nos a crer para ver. E que, vendo e crendo, tenhamos a coragem de ser testemunhas do vosso amor, assim como vossos servos, Francisco e Inácio, com quem e por quem rezamos a vós.
Abençoa nossa comunidade e a cada um de nós, ensinando-nos a amar como nos amas, sem cobranças ou condições, a não ser o próprio amor. Amém!
Canto final – Oração de Santo Inácio
_________________________________________________________________________________
- Para rezar até o 2°encontro: Lucas 1,26-38
                                                                                                                                
Eduardo Machado
Setembro de 2014

VINHA, VASTA VINHA DEGRADADA!!! “Quando o dono da vinha voltar, o que fará com os vinhateiros?” (Mt 21,40)



VINHA, VASTA VINHA DEGRADADA!!!

“Quando o dono da vinha voltar, o que fará com os vinhateiros?” (Mt 21,40)

Na perspectiva bíblica, a vinha aparece sempre como aliada do ser humano; ela nos ensina a viver em harmonia com a água, com a terra e com todos os seres,numa relação de aliança.
A primeira relação do ser humano com a Vinha, portanto, não é a da posse, mas a da acolhida, por ela ser dada em herança. Todos os bens da Criação são recebidos por nós deste modo, ou seja, como dons.
A Vinha, como realidade doada, convida à compreensão de sua origem, não para dominá-la e manipulá-la, mas para tornar o dom uma bênção fecunda para todos. A vinha é dada por Deus em função da vida. Por isso a Vinha é sagrada e é lugar de contemplação e encontro íntimo com o Criador; ela é o teatro da glória de Deus, isto é, da manifestação da presença divina.
E o ser humano é chamado a“trabalhar com” o Criador, cuidando da Vinha, para que ela seja fecunda e alimente a alegria de todos.

O Evangelho de hoje revela que, quando as pessoas rompem a aliança com Deus e se afastam d’Ele, a vinha fica estéril. Quando uns poucos se apropriam dela como donos, ela passa a ser o lugar da espolia-ção, da devastação, da morte e deixa de ser espaço para a convivência fraterna e solidária.
De fato, contemplando a “grande Vinha do Senhor”, percebemos que o poder-dominação sobre a natureza e o consumismo exacerbado destruiu o sentido cordial das criaturas e legou-nos um devastador vazio existencial.
Segundo a revelação bíblica, as criaturas não estão colocadas umas ao lado das outras, em justaposição, mas são todas sinfônicas, interligadas. Há uma grande unidade, feita de muitos níveis, de muitos seres diferentes, todos eles ligados e religados entre si. E, por isso, num profundo e intenso dinamismo.
O drama do ser humano é não se sentir em comunhão num todo maior e perder a memória de que é parte do todo; é não se sentir um elo vivo e esquecer que este é um elo da única corrente de vida.
A antropologia bíblica é iluminadora ao reconhecer a vida humana numa estreita interconexão com outros seres, como uma teia interdependente.

Ao predominar a auto-afirmação e o domínio do ser humano sobre a Criação, produziu-se a quebra da “re-ligação” com tudo e com todos. Ele se colocou num pedestal solitário a partir de onde pretende dominar a Terra e os céus; como consequência dessa atitude temos a devastação da vinha.
O embrutecimento do ser humano, de sua interioridade, a perda do gosto pela verdade, pelo bem e pelo belo, o extravio da ternura e da transcendência, repercutem em falta de respeito pela natureza, em ruptura com as outras criaturas, em insensibilidade ecológica.
Por sua atitude de arrogância e de autossuficiência, o ser humano explorou exaustivamente a vinha herdada e a destruiu, depredou, aniquilou, tomou posse dela... Assim, não foi respeitoso para com o Criador que a ele reservou a missão de cuidar da sua vinha e de compartilhar os seus frutos.

Há um clamor generalizado que emerge da realidade desafiante enfrentada pela humanidade: o planeta Terra está gravemente enfermo. As consequências trágicas estão presentes por toda parte: degradação do meio ambiente, diminuição acelerada das fontes de água potável, desertificação, degelo das calotas polares com a consequente elevação do nível do mar, grande incidência de furacões e de queimadas, extinção de milhares de espécies de animais, escassez de alimento, proliferação de doenças, migrações forçadas...Enfim, o desequilíbrio dos ecossistemas pode comprometer, de forma irreversível, todas as formas de vida sobre a terra.

Ferir a Vinha é ferir o próprio Criador.Quando observamos vinhas outrora verdejantes e agora destruídas ou entulhadas de lixo, uma sensação de violação, de tragédia, quase de sacrilégio, se manifesta no nosso interior. E uma voz ecoa das profundezas da destruição: “Quê fizestes de minha vinha?”.
Como seres humanos, somos convocados a desenvolver uma consciência criatural, em que a Criação deixa de ser vista como objeto de domínio. Ela é um dom de Deus que deve ser acolhido com reverência, respeito e louvor. Somente a vivência dessa relação do ser humano com a criação possibilitará novas relações sociais e ambientais, o novo tempo de paz e justiça.
É nesse momento dramático que uma nova cosmologia se revela inspiradora. Em vez de “dominar” a natureza, situa-nos no seio dela em profunda sintonia e sinergia.
O que caracteriza essa nova cosmologia é o cuidado em lugar da dominação, o reconhecimento do valor intrínseco de cada ser e não sua mera utilização humana, o respeito por toda forma de vida e os direitos e a dignidade da natureza, não sua exploração.
A primeira relação do ser humano com a Criação, portanto, não é a da posse, nem a da pergunta pelo seu porquê, mas a da acolhida em seu ser dado. A forma dessa acolhida é o assombro de sua presença e o temor diante de sua possível perda.

Enfim, a parábola do evangelho de hoje aponta para uma relação de acolhida agradecida e reconhecida para com a Vinha, pois ela é o lugar no qual não só existimos, mas somos chamados a uma plenitude de vida, em aliança e comunhão com o Deus Trindade.
Somos todos “lavradores” encarregados de tornar a vinha fecunda. Somos todos “lavradores” que temos de prestar contas a Deus dos frutos de sua vinha, que não nos pertence.
Assim, o exercício do senhorio, ou a dominação, por parte do ser humano, deve significar respeito à ação criativa divina e contribuir com o crescimento e a evolução da natureza em todas as suas dimensões;igualmente, cuidado com o meio ambiente para fazer dele uma fonte de bênçãos, ou seja, de comunhão com todos e, a partir dele, crescer em harmonia interior e estreitamento de relações com o próprio Criador.

Texto bíblico:Mt 21,33-43

Na oração:Mobilizar meus sentidos para ver, ouvir, tocar, sentir e saborear a beleza de nossa terra.
Considero minha conexão com esta beleza e como ela me faz perceber o amor da Trindade ao cosmos, em constante evolução.
Considero o novo sentimento de maravilha que cresce em meu coração e como dá novo sentido à minha missão de colaborador no grande jardim do Criador.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Centro Loyola

Caro amigo,

O Centro Loyola recebe a teóloga Maria Clara L. Bingemer na próxima terça-feira, dia 30 de setembro, às 20h, para falar sobre o “Cristianismo e o Sentido da vida”. 

Maria Clara Lucchetti Bingemer faz parte do Departamento de Teologia da PUC-Rio. Foi coordenadora do Centro Loyola do Rio, de 1994 a 2004 e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas, entre 2004 e 2010. Atualmente, ensina Teologia Fundamental e A Trindade – o tratado do Deus da Revelação. Escreve semanalmente para o Jornal do Brasil, desde 2002, e já tem diversas obras publicadas, muitas traduzidas noutras línguas. Seus livros mais recentes são: "O mistério e o mundo",  "Ser Cristão Hoje" e "Finitude e Mistério".

A entrada é franca, sendo necessário inscrever-se pelo fone: 3342-2847.

Abraços fraternos,

Equipe do Centro Loyola de BH.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

JESUS TRANSGRIDE NOSSOS ESQUEMAS “... os publicanos e as prostitutas vos precederão no Reino de Deus”(Mt 21,31



JESUS TRANSGRIDE NOSSOS ESQUEMAS

“... os publicanos e as prostitutas vos precederão no Reino de Deus”(Mt 21,31)

No Evangelho de hoje, Jesus, com sua original sabedoria, nos oferece uma outraperspectiva de vida.
Sem dúvida alguma, Jesus era um provocador, no sentido etimológico da palavra, (pro-vocar: chamar para frente, desinstalar), que obrigava a ver as coisas a partir de uma perspectiva diferente da que era habitual.
Ele é Aquele que vê mais além da realidade: descobre vida onde os outros só vêem morte; desvela possibilidades onde os outros se deparam com o impossível; descobre sementes de futuro escondidasonde ninguém vê mais saída; vê santos onde todos só vêem pecadores... Jesus é Aquele que vê bondade presente no fundo do coração, inclusive daqueles que eram condenados como “publicanos e prostitutas”; sabe ler nos gestos mais simples a grandeza de um coração capaz de amar, de mudar, de ser melhor.


Mas, custa-nos muito modificar nossa perspectiva; estamos acostumados a um modo fechado de viver, com umas viseiras (a dos “sacerdotes e anciãos do povo”) que não nos permitem captar a vida em sua ple-nitude e riqueza; com isso nos instalamos no já adquirido e conhecido e atrofiamos em nós o dinamismo que busca abrir a mente e alargar o coração à realidade que nos cerca.
Ver as coisas“por uma outra perspectiva” é muito mais divertido.
O “avesso” revela que o mundo poderia ser diferente.
Dizem que, ao pintar uma paisagem, ospaisagistas a olham dobrando-se e pondo a cabeça entre as pernas abertas, por mais incômodo que seja a postura, porque assim se libertam da visão “oficial” do conjunto que to-dosvêemde pé, e descobrem novos ângulos, perspectivas não usuais e a surpresa do novono molde antigo.
Também aqui os hindus conhecem e praticam a sabedoria ancestral da postura do “pinheiro”, com a cabeça para baixo e as pernas para cima, mudando de direção as correntes metabólicas do corpo e olhando ao mesmo tempo o “mundo ao avesso”.
Isto acaba sendo a maneira de ver as coisas pelo direito. É o segredo da arte, da vida e das decisõesbem tomadas. Um enfoque novo sempre proporciona um ponto de referência melhor para uma avaliação independente, seja de linhas e cores, seja de opções e valores de vida.
Um ponto de vista novo, limpo e original é uma grande ajuda para uma vida sadia.

O que Jesus pretende na pequena parábola de hoje é dar-nos um novo ponto de vista,um novo ângulo, uma nova perspectiva, fazendo-nos ver a realidade do outro como se fosse pela primeira vez, com um olhar límpido e um juízo desinteressado.
Os “sacedotes e anciãos do povo” são os “profissionais” da religião: aqueles que disseram um grande “sim” ao Deus do templo, os especialistas do culto, os guardiães da lei. Não sentem a necessidade da conversão e não se abrem à novidade trazida por Jesus.
Os “publicanos e prostitutas” são aqueles que disseram um grande “não” ao Deus da religião, aqueles que se colocaram fora da lei e do culto. No entanto, seu coração se manteve aberto à conversão e acolheram a novidade de Jesus.

“Sacerdotes e anciãos do povo” x “publicanos e prostitutas”: revelam o lugar e o modo de viver de cada grupo na estrutura religiosa do tempo de Jesus. Mas podemos ir além: tais grupos estão presentes, e em constante conflito, em nossa própria interioridade.
Como integrá-los e como conviver com eles para que nossa vida sejacriativa e expansiva?
Nesse sentido, esta pequena parábola nos capacita a considerar nossa vida sob outra perspectiva.
Provavelmente, a parábola – em linha com a sabedoria de Jesus – está nos convidando a que sejamos capazes de reconhecer e abraçar o “publicano” e a “prostituta” que cada um de nós carrega em nosso interior. O sentido seria o mesmo que aquela outra parábola que fala do “fariseu” e do “publicano”: até que não reconheçamos o nosso publicano interno não poderemos estar reconciliados.
Simbolicamente, “publicano” e “prostituta” é aquela dimensão nossa que temos reprimida e oculta, nossa própria sombra. É claro que, enquanto não a reconhecermos, projetaremos nos outros o que em nós mesmos  rejeitamos. Só quando abraçamos nossa “negatividade”, nos humanizamos, porque nos abrimos à humildade. E só então pode emergir a bondade e a compaixão para com os outros.
Os “sacerdotes” e os “anciãos” – escravos de sua própria imagem de “observantes religiosos” – eram incapazes de reconhecer e aceitar seu “publicano” e sua “prostituta” – presentes em todos nós. Isso os incapacitava para amar os outros – publicanos e prostitutas – e para entrar no Reino.
Quanto mais nos reconciliamos com nossa debilidade e fragilidade, mais próximos estaremos da verdade.
Uma coisa parece clara: abraçar nossos próprios “publicano” e “prostituta” nos permitirá abraçar qualquer pessoa que cruze nosso caminho, sem necessidade de impor-lhe nenhuma etiqueta prévia.
Dito de outro modo: ao reconhecer e aceitar nossa própria sombra (tudo aquilo que em algum momento tivemos que negar, ocultar, reprimir...) crescemos em unificação e harmonia interior, desaparecem os juízos e preconceitos e entramos em um caminho de humildade e graça.
A aceitação da sombra (“publicano-prostituta”) nos faz descer do falso pedestal ao qual nos havia feito subir o “sacerdote que nos habita” e nos permite crescer em humildade e em humanidade.

Para Jesus, a conversão significa mover-nos em direção à nossa fragilidade, aos limites, às sombras...
Ao reconhecer-nos fracos e limitados, nós nos abrimospara Deus e para os outros; sentimo-nosnecessita-dos de salvação.Só a aceitação de nossa verdade completa conduzir-nos-á no caminho da libertação.
E a verdade é que em cada um jazem unidas a luz e a sombra, o sacerdotee o publicano.Em cada san-to dorme um pecador, e não reconhecer isso conduz ao farisaísmo e ao moralismo; mas em todo pecador dorme também um santo, e não percebê-lo supõe um empobrecimento humano, desesperança e vazio.
Somente quando integrarmos e nos reconciliarmos com os aspectos nossos que tínhamos negado ou até rejeitado – a sombra - , poderemos alcançar a paz e a harmonia estáveis.  Portanto, nossa grande tarefa não consiste em sermos “perfeitos”, mas “completos”. Na medida em que somos mais “completos”, por-que aceitamos de maneira integral nossa verdade, tornamo-nos mais compassivos e humanos.

Quem se identifica com “ideais”muito elevados, quem se exalta a si mesmo na busca da “perfeição”, mais cedo ou mais tarde terá de confrontar-se com suas “sombras”, será forçado a tomar consciência de sua condição humana e terrena, de seu “húmus”.
Quem “desce” até sua própria realidade, até os abismos do inconsciente, até a escuridão de suas sombras, até a impotência de seus próprios sonhos, quem mergulha em sua condição humana e terrena e se reconci-
lia com ela, este sim, está “subindo” para Deus, faz a experiência do encontro com o Deus verdadeiro.

Texto bíblico:Mt 21,28-32

Na oração: “Em você há uma luz capaz de espantar as trevas dos acontecimentos mais dramáticos; você é
portador de uma força que pode sustentá-lo em experiências exigentes. Em sua fraqueza há algo divino. O que a terra seca tem a oferecer? Nada, quando abandonada às suas próprias limitações. Mas ela não desespera. Mesmo sob a pobre forma de deserto, continua guardiã de tesouros insuspeitos”(Frei Cláudio V. Balen).

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A JUSTIÇA SUBVERSIVA DE DEUS “Chama os trabalhadores e paga-lhes uma diária a todos, começando pelos últimos até os primeiros” (Mt 20,8)



A JUSTIÇA SUBVERSIVA DE DEUS
“Chama os trabalhadores e paga-lhes uma diária a todos, começando pelos últimos até os primeiros” (Mt 20,8)
Outra parábola surpreendente de Jesus onde o protagonista é o dono da vinha, um homem bom e justo, que quer trabalho e pão para todos. Ao contá-la, certamente Jesus despertou nos ouvintes um desconcerto geral. Os trabalhadores são contratados em horários diferentes, ao longo do dia e, surpreendentemente, o dono da vinha paga a todos um denário, que era o que uma família precisava para viver cada dia na Gali-léia. Os que chegaram primeiro protestaram, considerando uma injustiça o fato de terem trabalhado mais e recebido o mesmo valor pela diária.

Jesus revela uma concepção revolucionária de justiça do Pai. Deus desafia a justiça calculadora, auto-suficiente. Nós achamos justiça pagar algo com seu preço equivalente. Mas Deus tem outros critérios: para Ele, justo é o que é bom. A justiça de Deus é idêntica à sua bondade. O dono da vinha pagou o salário que não era proporcional ao trabalho feito, mas sim proporcional às necessidades dos trabalhadores e de suas famílias.Ele não se fixa nos méritos de cada um, se trabalhou muitas horas ou se trabalhou poucas horas; o que lhe preocupa é que, esta noite, todos tenham o que comer.
A parábola também revela que o importante é a intensidade do trabalho e a intenção com que ele é realizado e não apenas sua duração; revela também que o trabalho a serviço do Senhor já é uma graça e um privilégio. No Reino não se trabalha por méritos ou para receber recompensa. A retribuição já está dada no fato de“trabalhar na vinha do Senhor”.

Outro aspecto que a parábola deixa transparecer é que, além da relação de trabalho, baseada no rendi-mento e regida pela justiça, existe a relação amorosa, baseada na generosidade e regida pela bondade e pela ternura.Precisamente aos “primeiros” que foram trabalhar na vinha, o dono teve de recordar uma coisa que é absolutamente lógica:“o teu olho é mau porque eu sou bom?”
A última palavra é a chave de todo o texto. Deus Pai se relaciona com seus filhos não a partir do critério do mérito segundo o rendimento, mas a partir da generosidade. Ele não anda calculando o que cada um merece. Isso é uma falsa idéia que serviu somente para ‘deformar” a imagem de Deus que todos nós carregamos dentro. Muita gente fundamenta sua fé num Deus “deformado”, porque é um Deus que se parece muito mais a um patrão que ajusta contas com seus criados do que um Pai que quer sempre que seus filhos vivam. Deus é generoso, e basta.
As pessoas que temem sua cabeça o Deus-patrão, que paga segundo os méritos e o rendimento, não entendem e nem podem entender o Deus-Pai revelado por Jesus no Evangelho.
Há cristãos que passam pela vida como “diaristas”, calculando o que vão “ganhar” e “merecer”. E há cristãos que caminham pela vida como “filhos” do Pai do céu: eles não pensam em ganhos e em merecimentos; só pensam em ser bons filhos, honrados por trabalharem na vinha do Pai e que vibram quando alguém acolhe o chamado para colaborar. Para eles o que importa não são os “méritos”, mas a “generosidade”.

Em geral, aqueles que vêem a si mesmos como os “primeiros” e, portanto, como os que apresentam maior rendimento, os mais eficazes e os melhores, o que fazem mais pelos outros, não podem tolerar que os “últimos” sejam tratados como eles, que vêem a vida somente a partir da eficácia, dos direitos, dos privilégios e do bom rendimento.Não possuem outros critérios em sua cabeça e nem sequer em suas vidas há lugar para outras categorias ou outros valores.
Ora, as pessoas que assimilaram tais critérios são pessoas que não entendem as “razões do coração” e, portanto, tais pessoas correm o perigo de não entender a generosidade e, o que é pior, normalmente não estão capacitadas para compreender que a vida tem de se reger por uma bondade tão grande que supere todas as obrigações do direito e da justiça humana.
Ao dizer isso, estamos tocando na utopia do Reino anunciado por Jesus.

Por isso, a ética de Jesus nos desconcerta, nos confunde. Pois não temos a coragem de afirmar que na vida inteira, tanto na vida privada quanto na vida social e pública, se não é a bondade e o amor que prevalecem, fazemos desta vida uma selva, um campo de batalha, um inferno, no qual caem os mais fracos e tiram proveito os que dominam os outros.
Sabemos muito bem que todo aquele que pretende situar-se na frente ou acima dos outros provoca divi-são, inveja, ressentimentos e, definitivamente, rompe a proximidade entre as pessoas.
Ao contrário, aquele que não pretende postos de honra e de importância, somente pelo fato de agir assim, produz uma corrente de harmonia, de união, de humanidade, de proximidade entre as pessoas.

Na parábola de hoje há um “pecado de raiz” que afeta a todos: a comparação com outros. E da comparação brotam a inveja e a queixa. E quanto mais se compara com outros, mais insatisfeito fica e mais se sente prejudicado por Deus e pelo destino. Com isso, trava o fluir da própria vida.
Na parábola, o que deveria ser um motivo de alegria para os primeiros que foram chamados, é sentido como ameaça à própria segurança.Quando ouvimos as palavras dos “primeiros” – justificando-se e pedindo reconhecimento -percebemos uma queixa mais profunda. É a que vem do coração que acha que nunca receberam o que lhe era devido. Na sua queixa, o trabalho é visto como escravidão.
           É a queixa expressa de inúmeras maneiras, sutís ou não, formando uma montanha de ressentimento.
Fechados em si mesmos, só olham para si, para suas obras, para a duração do seu trabalho; encouraçados na própria justiça, não há neles a mais mínima abertura para a gratuidade e a alegria da comunhão, para a vivência da filiação e da fraternidade.




Queixar-se é contraproducente e nocivo. Alguém que só reclama é alguém difícil de conviver.
O trágico é que, uma vez  expressa, a lamúria leva ao que mais se queria evitar: um afastamento maior. Essa queixa íntima é sombria e pesada: condenação dos outros, condenação própria, justificativas... entran-do numa espiral de auto-rejeição. À medida que se deixa arrastar ao interior do vasto labirinto das suas queixas, fica mais e mais perdido, até que, no fim,acaba achando-se a pessoa mais incompreendida, rejeitada, negligenciada e desprezada do mundo.
É esta derrota – caracterizada por julgamento e condenação, raiva e ressentimento, amargura e ciúme – que é tão perniciosa e prejudicial ao coração huma-no.Tornou-se menos livre, menos espontâneo e um tanto quanto“pesado”.

Texto bíblico:Mt 20,1-16

Na oração: - é na “queixa”, declarada ou não,que
reconheço em mim a imagem dos “trabalhadores da primeira hora”. Quais são minhas queixas?
- não é fácil distinguir o meu ressentimento e administrá-lo de maneira sensata;  esta é a realidade: onde quer
que se encontre meulado virtuoso, aí também existirá sempre um ladoqueixoso e ressentido;
- abrir espaço em meu interior para que a bondade e a gratuidade do Pai prevaleçam na minha relação com
os outros.