terça-feira, 28 de abril de 2015

PERMANECER NO JESUS PODADO: centro de nosso seguimento

“...e todo ramo que dá fruto, Ele o poda, para que dê mais fruto ainda” (Jo 15,2)

O tempo pascal é o tempo litúrgico que nos desperta para esta realidade: “a sabedoria em tempos de poda”. A “passagem pascal” é passagem pela poda para que a vida se manifeste em sua plenitude.
A sabedoria consiste, justamente, em saber ler e perceber a inspiração e novidade que Deus nos oferece em toda poda; o Pai é o agricultor e pode converter os golpes da poda em um futuro de vida de mais qualidade para tempos novos.
Tal como Jesus, todos nós hoje vivemos, de maneiras diferentes, tempos de poda, tanto na vida eclesial e social como na vida pessoal. Buscamos discernir por onde brota e cresce hoje a novidade de Deus nos ramos podados. Não existe nenhuma situação pessoal ou social onde Deus não esteja trabalhando e onde não possa ser encontrado para criar com Ele sua novidade na história.
A poda pode ser ocasião para nos perguntarmos como enfrentar de maneira criativa os grandes desafios do serviço ao Reino numa cultura que globaliza a sedução, a superficialidade e o consumismo; e, ao mesmo tempo, como deixar-nos conduzir pelo Espírito que trabalha escondido nesta mesma cultura como a seiva na videira. Sem poda, não há criatividade, nem futuro.
Sentimo-nos impulsionados pela seiva do Espírito que alimenta as energias do universo e a nossa própria energia vital e espiritual. Conectar-se com a videira possibilita alcançar a seiva, o pulsar da vida e o equilíbrio nas relações; viver em profunda fusão com a videira desperta as energias criativas, todas as grandes motivações adormecidas, toda bondade aí presente.
Sem a seiva divina que nos atravessa nunca poderemos dar o verdadeiro fruto.

Nas podas o importante é permanecer unidos ao tronco de onde nos chega a vida, embora tudo parece morte. Nesse sentido, “permanecer” é a palavra chave no Evangelho de hoje: permanecer nos compro-missos assumidos, nos passos que buscam abrir caminhos novos; permanecer nas lutas por defender os direitos dos mais fracos e pobres, na incansável denúncia daquilo que atenta contra toda vida  por mais insignificante que pareça; permanecer na misericórdia entranhável, no serviço escondido...
Permanecer ancorados na fidelidade a Jesus e a seu Reino e consentir que as podas nos libertem de todos os nossos velhos padrões mentais, idéias fixas e atitudes petrificadas, preconceitos e tudo o que já está caduco e que não nos conduzem a uma vida expansiva...; permanecer conectados somente na pessoa de Jesus e no sonho do Reino como o melhor legado que podemos oferecer aos nossos contemporâneos, sacudidos por tormentas que os afundam sem poderem vislumbrar um novo horizonte.

A imagem que João apresenta no Evangelho de hoje é deveras instigante. Quando se poda a videira, ela é despojada de todos os ramos, os sarmentos. Só fica um tronco áspero e escuro, sem uma mínima folha verde. Qualquer um que não entenda de podas dirá que a videira está absolutamente morta em meio ao inverno. Só ficam presos ao tronco alguns centímetros de ramos que deram fruto em outro tempo e que agora parecem cotocos sem futuro.
A “poda” faz parte essencial de todo o processo de crescimento. Poderíamos expressar assim: a poda significa morrer ao que não somos (falsas imagens de nós mesmos, vaidade, prestígio...) para que possa brotar, a partir de nossa interioridade, o que realmente somos. Trata-se da poda do ego (fechado, petrificado, sem vida...) para que possa destravar-se a Vida que carregamos por dentro e que é a nossa verdadeira identidade.

A seiva de nosso ser essencial constitui nossa autêntica vida. Descobri-la, abrir-nos a ela, fazer-nos trans-parentes a ela e vivê-la cada dia constituem a plenitude de nossa realização.
É seiva divina, presente no eu mais profundo, que nos arranca de nosso fechamento e nos faz ir para além de nós mesmos; ela nos abre  a uma Realidade maior que nos transcende; é ela que nos faz perceber que temos no coração um espaço que está feito à medida de Deus. 
A presença da seiva é um reforço, um suporte, um energético do eu, uma ativadora das capacidades do eu; ela não constrange, não violenta, mas ajuda, esclarece, mobiliza as energias presentes em nós. É nesse conjunto de recursos e dinamismos vitais que a Graça (seiva) de Deus trabalha; Ela pode ser considerada como uma presença dinâmica, um estimulante das energias latentes do eu.
Por isso, precisamos viver mais nas raízes de nosso ser; precisamos aprender a viver de uma maneira mais profunda e autêntica, a partir do núcleo mais íntimo de nosso ser, a partir de nosso ser essencial.



Partindo da imagem da videira, podemos extrair dela algumas conclusões (cf. Benjamin Buelta):
- Quando se poda um ramo, podem continuar saindo pelos cortes pequenas gotas de seiva como se a videira chorasse a perda. O importante é acolher a poda, fazer o luto, despedir-se do perdido, e não petrificar-se numa queixa obsessiva que gira sobre si mesma paralisando o futuro. Se não se vive o luto e não se assume a perda, as feridas se prolongam no tempo e deixam um rastro de dor que nunca cicatriza.

- Durante semanas, na videira podada não acontece nada por fora, mas por dentro, no escondimento da interioridade, célula a célula, ela vai sendo novamente gestada através de processos pequenos e invisíveis. O ritmo é lento e não responde às impaciências do agricultor nem a hostilidade do clima que abate sobre ela. Todo o trabalho é interior e silencioso.

- Quando chega a primavera, a casca ressecada e endurecida da videira começa a abrir-se a partir de dentro pela força da vida que cresceu em seu interior. O rigor do frio vai se afastando de seu entorno. Aparecem os brotos, os ramos, as folhas e cachos de uvas.
É tempo de surpresa, uma vitalidade assombrosa em sua pequenez e vulnerabilidade, que já não é possível  esconder e deter debaixo da casca. As uvas maduras deixam transparecer o dinamismo da seiva vital.

Texto bíblicoJo 15,1-8

Na oração: rezar as “podas” na vida pessoal, familiar, profissional, eclesial... como oportunidade para o surgi-
                    mento do novo: nova vida, nova visão, nova sensibilidade...
Somos chamados a assumir nossos tempos atuais de poda com “fidelidade criativa”, pessoal e institucional, nas “fronteiras existenciais” da realidade onde nos encontramos, ao lado do povo de Deus, podado mais cruelmente que nós, que caminha pela história mutilado e ressuscitado ao estilo de Jesus.

Somos desafiados a nos deixar podar de tudo o que amarra e impede o passo, os pesos mortos que nos parali-sam, o ranço que faz perder o sabor e o sentido em nossa missão.
Configurados com o coração do Bom Pastor

“Eu dou minha vida pelas ovelhas” (Jo 10,15)

Embora o Evangelho de hoje já não fale mais de Aparições do Ressuscitado, na realidade não nos afasta-mos do tema pascal, pois Jesus afirma expressamente: “O bom Pastor dá a sua vida por suas ovelhas”.
A Vida é o verdadeiro tema da Páscoa. E “a vida sempre tem razão” (Rilke).
Para o evangelista João, a “vida” é, antes de tudo, totalidade, vastidão, amplidão ilimitada e que se expres-sa em infinidades de formas, todas elas habitadas pela mesma e única Vida.  Falamos da vida presente, a vida atual, uma vida carregada de tal plenitude e de tal densidade que, com toda razão, podemos chamá-la de “vida eterna”, e que nem mesmo a morte poderá com ela.
Mais ainda, o Deus que Jesus nos revela  O encontramos  na vida, ou seja, Deus  se fundiu com a vida, essa vida que nos entra pelos sentidos. Encontramos Deus, antes de tudo, pelo que vemos e sentimos, pelo que apalpamos com nossas próprias mãos, por tudo aquilo que, ao senti-Lo, se faz vida em nós.
Deus entra pelos sentidos.
Quando alguém se deixa invadir pelo humano, quando uma pessoa se humaniza de verdade e é sensível à dor do mundo, é sinal que Deus entrou pelos seus sentidos. E então justamente é quando, de verdade, se encontra com o “Deus desconcertante”, o Deus que Jesus de Nazaré nos revelou.
Por isso, na vida humana, é tão determinante a sensibilidade, o afeto, a ternura, a bondade, a compaixão, o cuidado, tudo o que gera amor, carinho e doação de uns para com outros.

Para fazer-se presente neste mundo, Deus não veio impor-nos uma nova doutrina  e uma nova lei, mas apresentou-se a nós na vida de um Homem que nasceu pobre, que viveu entre os pobres e que “morreu de tanto viver”.
Por isso, o sinal decisivo de que alguém crê no Deus de Jesus está na vida que leva; em outras palavras, está em viver como viveu Jesus de Nazaré. Isso quer dizer que o sinal de que uma pessoa encontrou o Deus de verdade é que ela se relaciona com os outros como Jesus se relacionou, que sente o que Jesus sentiu, que ama o que Jesus amou. Quem não encontra a Deus “nesta” vida, não o encontrará jamais.
Nas comunidades cristãs precisamos viver uma nova experiência de Jesus, reavivando nossa relação com Ele, colocando-o no centro de nossa vida. Assim, a Vida de Jesus vai se fazendo vida em nós.
Esta relação intensa em fazer caminho com Ele se expande na vivência de novas relações com os outros e com a realidade que nos cerca.
Por isso, quem se percebe assim, só pode viver o cuidado para com tudo e com todas as expressões de vida. Um cuidado que Jesus expressa na imagem do “pastor”, imagem que não expressa sua densidade e seu sentido para a maioria de nossos contemporâneos, mas que continha uma extraordinária riqueza no contexto em que Jesus a utilizava. Certamente, não somos “ovelhas” em sentido literal, mas pessoas. Jesus, bom pastor, abre a porta da Vida e nos permite sair para o Espaço da Liberdade e da Páscoa.

O decisivo é “escutar a voz do Pastor” em toda sua limpidez e originalidade. Ele é a voz da Vida. Não confundi-la e nem nos deixar distrair ou enganar por outras vozes estranhas, que, mesmo escutadas no interior da Igreja, não comunicam sua Boa notícia.
Todos nós “conhecemos a voz” da Vida. Por isso, cada vez que vemos, ouvimos ou lemos algo carregado de vida, produz-se uma ressonância em nosso interior. É uma voz que “ressoa” em nós, embora tenha estado apagada durante muito tempo.
Em nosso contexto há muitas vozes e de todo o tipo. São tantas que corremos o risco de ficar confusos. Algumas delas podem apresentar-se especialmente atrativas porque parecem encaixar perfeitamente com o que são as necessidades do ego. Há vozes que prometem, vozes que compensam, vozes que entretém, vozes que distraem, vozes que seduzem, vozes que inflam, vozes que assustam, vozes que ameaçam, vozes que nos dão a razão, vozes que nos rejeitam...  Tantas vozes... e não é estranho que, em algum momento, as sigamos. No entanto, se não são a genuina voz da Vida, não nos alimentarão; seu encanto se revelará passageiro e, com frequência, frustrante.

Jesus fala a partir da Vida, ou melhor ainda, como a Vida. Só pode falar a partir da Vida quem se reconhe-ce nela, que descobriu que a Vida é sua verdadeira identidade.
Compreende-se, assim, que quem disse “eu sou o bom pastor”, disse também “Eu sou a vida”.
Nesse sentido, a vivência pascal está focada na missão de favorecer a vida. “Dar vida” não é algo que o ego possa fazer. A Vida dá-se a si mesma; ela é expansiva, aberta... Necessitamos unicamente reco-nhecer-nos nela, de um modo cada vez mais consciente e, portanto, destravada, para que flua e se ex-

presse através de nós, em gestos concretos.
Essa é a experiência pascal da vida: experiência da intimidade, da presença, da proximidade, da comunhão, da aliança, da glória de Deus, em nossa própria vida. Vivemos embriagados de vida, sentimo-nos como um peixe no oceano de Deus, dizendo um profundo “sim” às ondas, ao vento, ao sol, à existência... Como ressuscitados, sentimos e sabemos: se Deus não pode ser encontrado no próprio coração e no coração da vida, não será encontrado em lugar nenhum.

Seguir o Bom Pastor e ouvir a sua voz é deixar-se con-figurar” por Ele, é movimento pelo qual cada um vai sendo modelado à imagem d’Ele.
O seguidor do Bom Pastor sente-se cativado, envolvido, amado, entusiasmado, sintonizado, habitado por Ele de tal maneira que seus olhos, gestos, suas atitudes, palavras, seu coração, sua existência transbordam Deus.
O olhar transparente e livre do Bom Pastor ressuscita o nosso olhar tímido e estreito e nos capacita a olhar amplos horizontes: seu povo, seu mundo dividido e excluído... Seu olhar nos predispõe a encontrar motivações saudáveis e maduras que nos permitam olhar e viver no contexto atual com amor, com entusiasmo e criatividade.
O encontro com o Bom Pastor ativa em nós o “pastor escondido” para que possamos ser a voz de vida que faz a diferença e indique a todos a porta de liberdade ; todos nós temos de ser pastores que os ajudem a encontrar o caminho e o sentido para suas existências..
Queremos ser “bons pastores” que se ajudem mutuamente a sair do aprisco onde estamos fechados (moralismo, legalismo, ritualismo, religião sem vida...), para assim busca e celebrar a liberdade, com o Bom Pastor e com todos os homens e mulheres de boa vontade.

Texto bíblicoJo 10,11-18

Na oração:  revisar a própria vida à luz da Vida Maior do Ressuscitado.
                    Perceber o dom da vida na sua origem, seguindo a voz do bom Pastor, para prolongar seus gestos  e o seu cuidado em favor da vida.


Testemunhas das “mãos e pés” do Ressuscitado

“Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo!”

Lucas descreve o encontro do Ressuscitado com seus discípulos como uma experiência fundante.
O desejo de Jesus é claro. Sua missão não terminou na Cruz. Ressuscitado por Deus depois da execução, entra em contato com os seus para pôr em marcha um movimento de “testemunhas” capazes de contagiar a todos os povos com sua Boa Notícia: “Vós sereis testemunhas de tudo isso”.
Não é fácil converter em testemunhas aqueles homens afundados no desconcerto e no medo.
Ao longo de toda a cena do Evangelho de hoje, os discípulos permanecem calados, em silêncio total. O narrador só descreve seu mundo interior: estão cheios de medo; só sentem perturbação e incredulidade; tudo aquilo lhes parece muito bonito para ser verdade.
É Jesus quem vai regenerar a fé em seus corações. Apesar de vê-los cheios de medo e de dúvidas, Jesus confia em seus discípulos. O mais importante é que não se sintam sozinhos. Hão de senti-Lo cheio de vida no meio deles. Estas são as primeiras palavras que escutam do Ressuscitado: “A paz esteja convos-co!” “...por quê tendes dúvidas em vosso coração?” Ele mesmo lhes enviará o Espírito que os susten-tará. Por isso lhes recomenda que prolonguem sua presença no mundo.
Eles não ensinarão doutrinas sublimes, não vão pregar grandes teorias sobre Cristo, mas irradiar seu Espírito, disponibilizando suas mãos e pés a serviço do Reino.

“Vede minhas mãos e meus pés”: para despertar e ativar a fé dos seus discípulos, Jesus não lhes pede que olhem Seu rosto, mas suas mãos e pés. Quer que vejam suas feridas de crucificado, que tenham sempre diante de seus olhos seu amor serviço entregue até a morte. Não é um fantasma: “Sou eu mes-mo!”, o mesmo que conheceram e amaram pelos caminhos da Galiléia. Jesus é o mesmo, é o crucificado.
Quando o Senhor Ressuscitado se apresentou diante de seus discípulos, não tinha poder nem prestígio; não veio sentado em um trono de ouro nem desembainhou a espada para derrotar seus algozes. Simples-mente mostrou as feridas da crucifixão, as marcas da doação total. As cicatrizes que ele mostrou em seu corpo depois da ressurreição, nunca mais desapareceram.
Olhando as mãos de Jesus, os discípulos faziam “memória”  das mãos que curavam os doentes, cuidavam dos frágeis, elevavam os caídos, abençoavam e acariciavam as crianças, acolhiam os pecadores e pobres...
Olhando os pés de Jesus, os discípulos faziam “memória” dos pés peregrinos, que rompiam distâncias, que faziam a travessia em direção à “margem”, que O aproximavam dos excluídos, que ultrapassavam fronteiras religiosas e culturais... Com suas mãos e pés Jesus tecia seu dizer e seu fazer.
Contemplando as mãos e pés de Jesus, os discípulos tomam consciência que eles estavam com as mãos atrofiadas e os pés paralisados pelo medo e pela dúvida.
As chagas, sinal de seu amor extremo, evidenciam que é o mesmo que morreu na cruz. A permanência dos sinais de sua morte indica a permanência do amor; elas são as cicatrizes de um compromisso com a vida. Além disso, elas garantem a identificação do Ressuscitado com o Jesus Crucificado.

A experiência do encontro com o Ressuscitado destrava as mãos e pés dos discípulos, arrancando-os do lugar fechado e lançando-os para os outros. Suas mãos e pés serão o prolongamento das mãos e pés de Jesus Ressuscitado. Mãos e pés marcados com as feridas da doação, da entrega. Mãos e pés carregados de vida: pés que facilitam fazer-se presentes juntos às vidas feridas, excluídas...; mãos que se fazem vida ao sustentar a vida fragilizada.
O ser humano se define pelas mãos e pés, e não pelo rosto; não adianta ter um rosto se as mãos e os pés estão petrificados. As mãos e os pés expressam aquilo que vem do coração: se o coração está cheio de medo, dúvidas, perturbações, ressentimentos, mágoas... as mãos e os pés revelam-se atrofiados; se o coração está cheio de compaixão, de acolhida, de espírito solidário... as mãos e os pés se expressarão como serviço, colocando a pessoa em movimento em direção aos outros.
É o coração transformado que dirige as mãos santificadas, delicadas, que move os pés solidários. É o coração agradecido que transforma as mãos e pés em instrumentos de graça.
Por isso, Ressurreição é movimento e ação: é movimento, porque é saída de si; é ação porque é construção, compromisso em favor da vida, serviço expansivo e criativo.

Para encontrar-nos com o Ressuscitado hoje, temos de percorrer o relato dos Evangelhos: redescobrir essas mãos que abençoavam os enfermos e acariciavam as crianças, esses pés cansados de caminhar ao encontro dos mais esquecidos; redescobrir suas feridas e sua paixão. Esse é Jesus ressuscitado pelo Pai e que agora vive.

A verdadeira identidade do seguidor de Jesus está nas mãos e pés que se fazem vida, que se humanizam e humanizam os outros. Mãos e pés que destravam as mãos e pés petrificados e atrofiados dos outros.
Somos chamados a ser testemunhas das mãos e pés do Ressuscitado.
As mãos e os pés são os membros que nos alargam, nos ampliam para o encontro; eles nos tiram de nossa estreiteza de atitudes, de idéias , nos arrancam de nossos preconceitos e de nossos medos...... Mãos e pés ressuscitados que nos fazem sair de nossos lugares fechados , e nos movem em direção a largos horizontes. Por isso são membros que mais nos “humanizam”, ou seja, nos fazem “descer” ao “húmus” de nossa existência, ao chão da vida, abrindo-nos aos outros.
         Nossas mãos e pés... sacramento de Deus. Fazem presente as mãos e os pés do Ressuscitado.
Seremos a Sua mão amiga e carinhosa, forte e libertadora, criadora de vida, que protege e cuida a vida.
Seremos os Seus pés desgastados para pisar os solos sagrados da humanidade.

Texto bíblicoLc 24,35-48

Na oração: Fazer a experiência da Ressurreição é ter mãos e pés do Ressuscitado: membros a favor da vida.
          - em direção de quem me levam os pés?

          - em favor de quem uso as minhas mãos? A serviço de quem?... 
RESSUSCITAR OS SENTIDOS

”Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado”  (Jo 20,27)

Estamos vivendo uma cultura profundamente desconectada do sensitivo. Os sentidos estão ficando atro-fiados e nos lançamos desesperadamente em busca de compensações virtuais. Nossos medos estão impos-sibilitando os sentidos ocuparem o lugar que lhes corresponde em nossos comportamentos e atitudes.
Extirpamos nosso olfato pelo temor a um mau odor. Desprezamos com indiferença os odores de nosso entorno, das pessoas, dos objetos... se não vem com a garantia de um perfume etiquetado. Buscamos espa-ços descontaminados, assépticos..., pois o odor da pobreza, da exclusão, da fome... nos inquieta e nos causa medo. No entanto, nossa mente está cheia de recordações olfativas...
Em estreita relação com o olfato, nossa respiração, fonte vital de energia, se faz cada vez mais doentia. Praticar uma respiração profunda e tranqüila está se transformando em um luxo.

O “viver com sabor” transformou-se numa loteria onde poucos tem possibilidade de acessá-la. Ficamos cada vez mais impossibilitados de “gostar” a fruta pelo sabor, para passar à alimentação ingerida mais pelos olhos. São os invólucros de nossos alimentos que nos alimentam. O sabor não conta para os experts em manipulação genética. O saborear as coisas pertence ao passado. A arqueologia não tardará em incluir o elemento gustativo em suas anotações de campo.

Nossos ouvidos, assaltados pelos ruidos virtuais, se desconcertam ao descobrir o silêncio. Perdemos a sintonia dos sons naturais. É exagerado pedir que distingamos o cantar de um pássaro. A contemplação auditiva não registrada em aparelhos tecnológicos nos parece uma perda de tempo.

A visão que, sem dúvida, é o sentido por excelência e o mais estimulado, é, ao mesmo tempo, o mais manipulado e violentado pelo excesso de imagens virtuais. Nosso campo de visão é cada vez mais reduzi-do, unicamente ampliado pelas telas digitais. Vemo-nos assaltados pela cidade de cimento e asfalto, nossos lugares de trabalho se reduzem a “bolhas cúbicas” e nossos olhos se vêem obrigados a ocultar-se, com o pretexto de proteção, sob óculos de sol.
No tempo de férias, no afã de fugir da cidade para espaços de beleza natural ou artística, nossa máxima preocupação é registrar tudo em câmaras fotográficas. Em nossas agências de viagens não consta um programa para deter-nos numa atitude contemplativa.
Fazemos constantemente “zappin” num afã desesperado de alcançar experiências pontuais, registradas mas não sentidas e, menos ainda, vividas e compartilhadas.

O tato supõe proximidade, imediatez... Tocar ou nos sentir tocados é, em determinadas circunstâncias, a linguagem mais inteligível do amor. No entanto, nosso mundo está cheio de alambrados, muros, valas e fronteiras; usamos de artimanhas para “ver de longe”. Com isso nos defendemos dos que são de outra raça, cor, religião, sexo, classe social... e nos fechamos no preconceito e na rigidez dos relacionamentos.
Precisamos de um autêntico transplante de pele.

É preciso “ressuscitar os sentidos” para que encontrem seu lugar insubstituível na experiência de fé. E só podemos descobrir o “lugar e o sentido” dos sentidos através do confronto com a “sensibilidade de Jesus”. Educar nossa sensibilidade “ao estilo de Jesus” implica empapar-nos de sua forma de ser e de sentir, de vibrar com tudo aquilo que lhe fazia vibrar, de rejeitar tudo aquilo que Ele rejeitava, e assim reagir frente à realidade e às pessoas do mesmo modo que Ele reagia.
As contemplações dos relatos das Aparições se apresentam como “uma aprendizagem, um aprofun-damento e um discernimento deste sentir de Jesus” (Melloni). Na realidade, trata-se de querer ter sempre – na expressão de S. Paulo – os “mesmos sentimentos de Cristo Jesus”, a quem o cristão deseja seguir mais de perto.
Através dos nossos sentidos, o mundo de Jesus entra imaginativamente em nossa intimidade, e por meio deles respondemos também à realidade de um modo novo. Buscando e desejando a identificação com Jesus, nossos sentidos aprendem d’Ele a ter ternura, visão, escuta, sabor...

Segundo o relato do evangelho de hoje, para fazer o encontro com o Ressuscitado  não podemos colocar entre parênteses o uso de nossos sentidos; pelo contrário, trata-se de introduzir “pneuma”, sopro em cada um deles, para que se tornem órgãos contemplativos e facilitadores da experiência de Deus.
Quando falamos de “sentidos espirituais” estamos fazendo referência aos sentidos espiritualizados, habitados, animados pelo Espírito de Deus. Os sentidos não são destruídos, mas transfigurados; eles se tornam “sentidos divinos”, pois tornam o ser humano cada vez mais “capaz de Deus”.
“Ressuscitar os sentidos” significa harmonizá-los com a presença do Espírito, torná-los silenciosos, despojados diante d’Aquele que é.
Quando falamos em “cristificar a sensibilidade” , apontamos diretamente a um “plus de humanidade” que “sai de dentro” e permite que os cinco sentidos não se limitem somente a ver, ouvir, gostar e tocar – que podem ser respostas só mecânicas - , senão que aprendem, além disso, a “olhar, escutar, saborear, acariciar e beijar”.
Nascemos com olhos, mas não com o olhar; temos, sim, ouvidos, mas não sabemos escutar; podemos cheirar e gostar as coisas, mas nem sempre somos capazes de desfrutar e saborear a vida. Tocamos e abraçamos os outros, mas quantas vezes nossos “toques” não chegam a ser “carícia”.
Uma opção de seguimento evangélico que não conte com a “ressurreição dos sentidos” está destinada ao fracasso, pois, sem uma identificação com a sensibilidade de Jesus nossos sentidos passeiam vazios e sem bússola pelo mundo, como que afundados na noite.
Inversamente, uma sensibilidade evangelizada é uma graça que permite um seguimento constante. Como conseqüência, a conversão evangélica tem que chegar a alcançar a sensibilidade para ser efetiva.

“...mostrou-lhes as mãos e o lado”: suas mãos chagadas e seu lado aberto – credenciais de sua entrega e expressão de seu amor radical. Chagas para serem contempladas, sentidas, tocadas..., lembrando que não amaremos de verdade enquanto não mostrarmos nossas chagas no serviço aos outros.
Concluindo, podemos dizer que a experiência de Tomé, que é também a nossa, tem um valor importante para nós, seguidores do Ressuscitado.
 “O pedido de Tomé de querer colocar os dedos nas chagas das mãos e dos pés de Jesus e suas mãos na chaga do seu lado, é uma afirmação muito importante para a nossa fé: o Jesus ressuscitado ainda traz as marcas e as chagas da sua paixão. A ressurreição de Jesus não o fez retroagir ao passado, como se sua morte nunca tivesse acontecido. Pelo contrário, venceu a morte e ainda traz as marcas da crucificação. A ressurreição de Jesus muda o nosso olhar sobre o ser humano. As chagas de Jesus dizem que o ressusci-tado carrega em si todas as chagas de todos os humilhados do mundo. Elas dizem também que nenhu-ma chaga, por mais injusta e humilhante que seja, pode nos impedir de nos tornarmos pessoas de cabeça erguida no coração do mundo. De agora em diante, nenhuma das nossas chagas pode nos impedir de ser livres: Jesus ressuscitado é, em primeiro lugar, aquele que carrega as chagas da nossa condição humana. De maneira clara, não esperemos nos livrar dos nossos males para vivermos de cabeça erguida. Jesus ressuscitou e é hoje que, mesmo com as nossas chagas, podemos nascer para a liberdade". (Jean Debruynne)

Texto bíblicoJo 20,19-31

Na oração: Após sua ressurreição, Jesus só permite que se toquem suas feridas.

                     A questão é esta: onde estão hoje as feridas de Jesus? Ou dito de outra maneira: onde Jesus põe hoje seu coração? Jesus põe seu coração em suas feridas que permanecem abertas neste mundo: os pobres, os doentes, os excluídos, os violentados... É ali onde devemos pôr a mão se queremos encontrar o coração de Jesus.
Ressurreição: conectados à Vida  

Duas frases mais repetidas pela Igreja neste domingo são: “Cristo Ressuscitou” e “Deus ressuscitou a Jesus”. Elas condensam as afirmações mais frequentes do NT sobre este tema.
No entanto, o evangelho indicado para este domingo não tem como protagonista nem a Deus, nem a Cristo, nem confessa sua ressurreição. Os três protagonistas que menciona são puramente humanos: Maria Madalena, Simão Pedro e o discípulo amado. Nem sequer há um anjo. O relato de João se centra nas atitudes muitos diferentes destes três personagens.
Maria Madalena reage de forma precipitada: ao ver que a pedra tinha sido retirada da entrada do túmulo logo conclui que alguém tinha levado o corpo de Jesus; a ressurreição nem sequer passa pela sua cabeça.
Simão Pedro atua como um inspetor de polícia diligente: corre ao sepulcro e não se limita, como Maria, a ver a pedra removida; entra, observa as faixas de linho no chão e o sudário enrolado, num lugar à parte. Algo muito estranho. Mas não tira nenhuma conclusão.
O discípulo amado também corre, inclusive mais que Simão Pedro; mas quando chega ao sepulcro, espera pacientemente. E vê a mesma coisa que Pedro, mas conclui que Jesus ressuscitou.
O evangelho de João oferece hoje uma mensagem esplêndida: diante da Ressurreição de Jesus podemos pensar que é uma fraude (Maria), não saber o quê pensar (Pedro)  ou dar o salto misterioso da fé (discí-pulo amado).

Há, neste texto, um progressivo caminho de fé. Começa com Maria Madalena: ela busca, sai de seu esconderijo vai ao encontro de um corpo. Ainda está presa à morte e ao passado, mas é levada pela coragem a buscar um sentido para sua dor e tristeza. Trata-se de um primeiro passo, embora incipiente: colocar-se em movimento, sair, romper com seu lugar estreito...
A atitude de Pedro é um pouco mais profunda: depara-se com os sinais de Ressurreição e busca entender o que tinha acontecido. Certamente ficara confuso diante do sudário dobrado, colocado à parte: “como é possível, alguém, no momento glorioso de sua vida, encontrar tempo para dobrar um sudário!”.
A razão ainda não é suficiente para mergulhar no mistério da fé.
Somente João é capaz de dar o salto da fé: mergulha no mistério. Deixa-se afetar pelos sinais, não bus-cando razões que expliquem o que tinha acontecido. Assume a atitude de acolhida do mistério. Seu olhar é um olhar contemplativo: vai além dos sinais.
Os três viram os mesmos sinais; João, com um olhar contemplativo, vai além das aparências; é preciso ter os olhos destravados para “ler” os sinais da Ressurreição. João fica assombrado diante de tantos sinais; ele “entra” no túmulo de maneira diferente; não faz de maneira apressada, como Pedro. Ele pára, dá um tempo, tem paciência... Tem uma atitude de acolhida e não de investigação.
Os relatos dos próximos dias de Páscoa nos ajudarão a alcançar a terceira atitude.
Qual atitude prevalece em mim?

“No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada,...”
No relato do evangelho de hoje, a ressurreição é apresentada como uma “nova Criação” levada a termo pela intervenção providente de Deus. Não nos damos conta de que é o primeiro dia da semana, e que tudo mudou, que tudo é novo; é o primeiro dia da nova criação, do tempo novo, da vida nova, do ser humano novo.
A Páscoa deixa tudo igual enquanto o coração humano não faz a experiência de que Deus está vivo.
Tudo é Vida, que pode expressar-se como vibração, energia... A Vida não é algo que temos, mas o que somos; o que temos, podemos perder; o que somos, permanece. Desse modo, nos experimentamos conec-tados à Fonte de tudo o que é e à Vida que somos. Nisto consiste a sabedoria e a libertação: na conexão consciente ao Mistério da Vida, a Deus, sem nenhum tipo de separação, nem distância, sem costuras.

“Agora” é a Vida, “agora” é a Ressurreição, embora tenhamos dificuldade para descobri-la, como os três personagens da cena de hoje. O ego corre, como os discípulos, pensando que no futuro se sentirá melhor. Com frequência, corre tão depressa que não repara em nenhuma outra coisa que não seja sua própria expectativa. Em algumas ocasiões, parece receber a graça de poder ver as “faixas de linho” e de ver através delas. Na realidade, para quem está atento, tudo são “faixas”, sinais, aberturas, ranhuras, gretas... por onde a Vida se infiltra. Tudo pode ser oportunidade para nos despertar para quem realmente somos e reconhe-cer-nos conectados à Vida. Isso é viver ressuscitados.
Mas, para poder ver o significado que as “faixas” contém, requer-se atenção. Uma atenção que nos faz estar no momento presente e calar o falatório mental. Nesse Silêncio, poderá des-velar-se diante de nossos olhos a Presença que nos chama pelo nome.

Maria Madalena madruga para encontrar-se com a morte na sepultura; e Deus madruga mais ainda para recuperar a vida. Madalena madruga para a morte e Deus madruga para a vida.
Enquanto estamos a caminho da morte, Deus está a caminho da vida; enquanto continuamos presos no passado, Deus já está no presente novo; nós visitamos sepulcros e Deus visita corações que vivem e tem garra de viver; nós nos empenhamos em encher os sepulcros, e Deus se encarrega de esvaziá-los.
Os sepulcros não são lugares de encontro com Ele; a Ele o encontramos na comunidade reunida no amor.
A verdadeira Páscoa não acontece ao lado do sepulcro; ela acontece quando os corações começam a pulsar de novo com um novo ritmo de vida e de esperança. 
É Pascoa não só quando Deus ressuscita Jesus de entre os mortos mas quando Deus se faz acontecimento de vida em nós. Deus celebra a Páscoa não junto à pedra do sepulcro mas na vida das pessoas.
É de madrugada, e nós ainda continuamos com os olhos vendados do passado. Mas Deus já faz resplan-decer a luz da madrugada, esperando iluminar as mentes e despertar os corações para acolher a Vida.

Texto bíblicoJo 20,1-9

Na oração: A Luz da Ressurreição desperta em nós a nostalgia de outra luz, de outra beleza...
                     A tensão de luz e sombra também está viva em nosso interior, no espaço interior de cada um de nós. Somos filhos da luz e do dia, pertencemos ao dia e à luz. Mas ninguém pode apagar esta luz nova que busca expressar-se no cotidiano de nossa vida.
Em sua tensão de luz e obscuridade... contemple o Ressuscitado.

Uma Santa e Inspirada Páscoa.