“Há coisas
que são mentira, mas que aparecem
como verdade; aí
se enraíza seu atrativo”.
“...
a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc. 12,15)
Sabemos da perene e
escorregadia tentação – uma mentira perigosa que aparece como verdade-
de solu-cionar as inseguranças e medos de nosso eu
através dos impulsos à cobiça que se
aninham em nosso coração. Para Jesus Cristo, a primeira e maior tentação do
coração humano é a “cobiça de riqueza”.
Uma vez preso à
cobiça, o ser humano caminha, irremediavelmente, para a solidão, para o
auto-centramento e desprezo dos outros.
Na parábola de hoje, o rico fazendeiro, no seu
monólogo, revela o seu ideal de vida: vida longa, vida assegurada... Em seu
horizonte de vida uma terrível solidão: parece não ter esposa, filhos, ou
amigos. Não pensa nos camponeses que trabalham em suas terras. Seus verbos
preferidos: acumular, armazenar e aumentar seu bem-estar material. Só se
preocupa em “amassar riquezas para si”; todo o relato insiste no uso dos
pronomes possessivos: minha colheita, meus celeiros, meus bens, minha vida...
Ele não se dá conta de que vive fechado em si mesmo, prisioneiro de uma lógica
que o desumaniza, esvaziando-o de toda dignidade. Aumenta seus celeiros, mas
não sabe ampliar o horizonte de sua vida.
Aumenta sua riqueza, mas diminui e empobrece sua vida.
Acumula bens, mas não conhece a amizade, o amor generoso, a alegria e a
solidariedade. Não sabe compartilhar, só monopolizar.
Quê há de humano neste tipo de vida? A vida deste rico
é um fracasso e uma insensatez, pois sua falsa segurança na posse dos bens vem
abaixo. Quem vive centrado em si mesmo,
perde a vida; quem vive para o eu, não é rico diante de Deus.
Podemos dizer que o coração do ser humano é
feito de “matéria nobre” e de profundas “ carências existenciais”. Sua matéria nobre lhe vem de sua capacidade de
amar, de sua disposição à comunhão e partilha, de sua abertura à
transcendência. Não esqueçamos que o ser humano é imagem de Deus...
Suas “carências” provém de sua limitação
criatural, e também de seu pecado. Esses “carências” do coração tomam o nome
de insegurança, temor, desconfiança, medo do futuro, da morte...
Quê saída buscar diante da ferida existencial, da
insegurança do próprio eu, da indigência do coração?...
Para muitos, o que acalma e apaga essa angústia existencial é a riqueza.
Ao se cercarem de muitos bens (sejam materiais, como dinheiro, posses... ou espirituais,
como as qualidades pessoais e os saberes), acaba-se toda insegurança, todo
medo, qualquer tipo de angústia. Trata-se de um engano nada evidente.
O mal radical está, portanto, na “insaciável cobiça do coração
pervertido”.
O engano acontece
quando o coração se apega “pulsionalmente”
às riquezas até depender delas; nesse caso, elas deixam de ser mediações do
Reino para se converter em ídolos do próprio coração.
Delas se espera a salvação, e não dos outros e nem de Deus.
O “afeto desordenado” às riquezas se apresenta
não somente como problema ético, mas também como problema de fé. A fidelidade
ao Deus único fica interditada e o seguimento de Jesus fica fragilizado.
Como todo ídolo, a “riqueza” provoca o
fascínio, a adoração e as identificações mais perniciosas.
O apego aos “bens” apresenta-se como uma das tentações mais
poderosas para todo seguidor de Jesus.
A busca da própria segurança é a base da
tentação pela “riqueza”.
De fato, o apego idolátrico
aos bens tem suas raízes fundadas no pânico produzido pela insegurança.
O dinheiro, os
bens, as posses apresentam-se, então, como solo
firme sob nossos pés.
Mais ainda: a riqueza
é algo mais do que solo firme e apoio; é carapaça protetora, é um
objeto interno, corpo do corpo, ou coisa com a “qualidade
do eu”. A dinâmica acumulativa, possessiva, própria do apego aos bens,
possui toda a força do narcisismo e da auto-afirmação infantil.
Temos medo de “perder pé”;
por isso, com a riqueza pensamos agradar e robustecer nosso ego.
Além disso, a riqueza tem um
caráter “pegajoso”, possui uma sinistra aderência que, na medida em que mais se
fixa, maior vai sendo sua força para atrair novas necessidades.
Finalmente, acaba-se por
criar uma dura cortiça que defende e isola a pessoa do entorno e que a aliena
numa insensibilidade para com tudo aquilo que não seja sua própria realidade.
É uma
espécie de "embriaguez" na qual a alteridade
desaparece.
A consequência mais
lógica numa pessoa que se habitua a ter tudo ou querer tudo, é que ela chega a
bastar-se a si mesma, desprezando ou desvalorizando os outros, inclusive a
própria graça do Senhor.
A raiz de tudo é uma
profunda auto-suficiência, que, sem dar-se conta, leva-a a considerar-se
forte porque tem tudo.
No amor “perverso” aos bens e riquezas, não se trata
já de “ter algo”, mas de “ter-se a si mesmo” numa tendência de orientação
marcadamente centralizadora. A pessoa fecha-se sobre si mesma, rompendo todo
impulso em direção aos outros, pensando conquistar uma segurança. Mas, na
realidade, a pessoa está se situando na posição mais insegura que se possa
imaginar, pois
“se
sou o que tenho e o que tenho se perde, então quem sou?” (E.
Fromm).
O problema da relação com as riquezas se
intensifica se levamos em consideração que, junto a estes fatores pessoais, é
preciso acrescentar a influência e a determinação tão fundamental que vem do meio
ambiente sócio-cultural. Nosso desejo não é alheio, certamente, às
dinâmicas culturais nas quais este necessariamente se desenvolve, cresce e pode
encontrar seus objetos de satisfação.
Por isso, a dinâmica
econômica de nossos dias deve ser levada muito em conta à hora de
compreender as vias pelas quais circulam nossos vínculos com o dinheiro.
A armadilha de nossa sociedade de consumo está em que
não descobrimos que quanto maior capacidade temos de satisfazer necessidades,
maior número de novas necessidades nós criamos; e isso, sem possibili-dade
alguma de marcar um limite.
Na criação da nova
comunidade dos seguidores de Jesus, o compartilhar substitui a acumulação
e se apresenta como alternativa àquilo que a sociedade de consumo impõe; aqui
está configurada uma das propostas mestras na proclamação do Reino de Deus.
Contra a tendência a querer
apropriar-se de tudo como busca de segurança e como defesa hostil diante do
outros, Jesus nos convida a compartilhar, como abertura aos
outros e como possibilidade para a criação da “nova comunidade” como alternativa às relações interpessoais de
opressão e exclusão.
Na partilha, a primitiva
tendência egoísta e agressiva dá lugar a uma atitude aberta, acolhedora e bene-volente
frente ao outro. Além disso, onde há partilha, há superabundância (Mc. 6,30-46).
Texto
bíblico: Lc. 12,13-21
Na oração: “quê paixão
move o meu coração? meu coração
está livre?; meus afetos estão
ordenados?”
Temos muitas atitudes, posses, idéias, cargos,
posições, bens... que consideramos como Vontade de Deus; na realidade é
tudo “projeção” de nossos desejos, de nossa vontade, de nós
mesmos...
Quê “apegos” estão travando minha vida
e impedindo-me aderir a Cristo incondicionalmente?