A PAIXÃO PELA MISSÃO NAS PERIFERIAS
“A messe é grande, mas os
trabalhadores são poucos”
(Lc. 10,2)
Em Jesus Cristo,
Deus nos salva e, sempre respeitando nossa condição de homens e mulheres livres,
nos convida a participar de sua obra:
a construção do Seu Reinado neste mundo
marcado pela dor e exclusão.
Deus convoca
pessoas que tem espírito de audácia, de energia, de criatividade,
de luta,
de participa-ção,
porque
Ele não nos deu espírito de timidez, de covardia, de fuga... Nesse chamado dirigido a todos, cada um tem uma missão única, irrepetível e intransferível. O que
está em jogo é a “messe do Senhor”: “para
quê e para quem trabalhamos?”; “o que nos motiva e nos inspira a trabalhar em favor do Reino?”
Para realizar essa missão, Deus
nos cumula de qualidades necessárias, capacidades, criatividade..., enche o
nosso coração de sonhos, projetos, desejos..., nos dá a liberdade que nos ajuda
a construir o novo, a buscar o melhor, a realizar o
maior bem, a tomar decisões sábias.
Mais ainda, Ele nos faz co-criadores,
ou seja, colaboradores e criativos com Ele.
Trata-se de
um chamado que “afeta” todo o nosso ser, com toda a nossa
bagagem de inteligência, afetividade, qualidades e defeitos, influências e
inclinações; com todas as possibilidades
que a vida nos oferece neste momento em que vivemos, diante das necessidades
do mundo e da humanidade.
Na vivência desta
missão, devemos ter sempre diante dos nossos olhos a pessoa de Jesus Cristo. Com
sua vida e sua palavra, Ele descentraliza
o mundo a partir da periferia, terra privilegiada, de onde podemos contemplar a
história e a própria humanidade.
Cada passo na direção
das periferias do mundo também é um
passo contemplativo em busca do
encontro com o Senhor da História, que nos chama de “baixo” e de “fora”.
Tendo Jesus se
encarnado para sempre nas “periferias” deste mundo, porque
deseja assumir toda a histó-ria a partir daí, também nós, seus seguidores,
temos de voltar constantemente o olhar para as “novas periferias”, a
partir de onde Ele continua nos questionando, nos chamando e nos enviando.
Isto quer dizer que o “centro” da história teve seu
aparecimento na “periferia”.
A vida de Jesus é “ex-cêntrica”, porque não combina nem
se ajusta com a construção social de todos aqueles que controlam o mundo a
partir do centro.
Portanto, Jesus descentraliza
a história para sempre e situa o surgimento da salvação nas terras excluídas.
O anúncio e a ação de
Jesus provocam um deslocamento geográfico e social. O centro da história já não
se encontra em Roma, nem em Jerusalém, mas sim na “margem”. Todo aquele que pretende encontrar-se com Jesus terá de
voltar a cabeça e peregrinar em direção às massas excluídas.
Uma comunidade cristã não é aquela que, por medo, se
distancia do mundo, mas é aquela que, movida por uma radical paixão, desce
ao coração da realidade em que se encontra, aí se encarna e aí, “esvaziando-se”,
participa ativamente da solidariedade de Deus com a humanidade,
que é o centro da salvação.
A paixão pelo
Reino mobiliza a pessoa a levar adiante a missão,
a ir gratuitamente aos lugares do mundo onde há mais necessidade e ali realizar
obras duradouras de maior proveito e fruto.
Para realizar esta nobre missão, não
podemos permanecer sentados. Seguir Jesus exige uma dinâmica continuada,
colocar-nos a caminho em direção às margens. Nada se pode comunicar a partir de
uma cômoda instalação pessoal. A disponibilidade, o despojamento e a mobilidade
são exigências básicas.
Corremos o risco de viver em
mundos-bolha; podemos construir nossa vida encapsulada em espaços feitos de
hábito e segurança, convivendo com pessoas semelhantes a nós e dentro de
situações estáveis. É difícil romper e sair do terreno conhecido, deixar o
convencional. Tudo parece conspirar para que nos mantenhamos dentro dos limites
politicamente corretos. Todos podemos terminar estabelecendo fron-teiras vitais
e sociais impermeáveis ao diferente.
Se isso acontece, acabamos tendo
perspectivas pequenas, visões atrofiadas e horizontes limitados, ignorando um
mundo amplo, complexo e cheio de surpresas. Muitas vezes “vemos” o diferente,
mas só como notícia, como o olhar do espectador que sabe das “coisas que
acontecem”, mas não sente e nem se compadece por elas.
O Evangelho de hoje nos convida a contemplar o mundo em suas fraturas
e em suas possibilidades, partindo da
consciência de uma fraternidade ampla e do impulso a uma comunhão universal.
Só quando alguém começa
a abrir-se, a remover-se por dentro, a “sair de si”, começa também a descobrir
novos rostos, histórias e vivências, começa a pensar em círculos mais amplos e
mais distantes, sente o im-pulso para o encontro e o compromisso com pessoas
que estão em situações desumanizantes, passa a ter uma perspectiva diferente,
começa a compadecer-se pelas feridas profundas que atravessam nosso mundo.
Aproximar-se das “periferias
existenciais” é fazer como Moisés: descalçar-se frente a este terreno sagrado.
A atitude de quem se aproxima destes contextos de exclusão não pode ser a do
“salvador do mundo” que pensa que vai fazer milagres, nem a do turista que
passa e registra tal realidade e não se deixa afetar pela dor alheia. Uma
pessoa pode passar por diferentes lugares sem que estes lugares lhe deixem
pegadas; ela pode tocar a superfície das coisas e das vidas sem que sua memória
fique afetada.
Então não há encontro nem
aprendizagem. Para que haja verdadeiro encontro, o deslocamento ex-põe quem se
desloca, deixa-o vulnerável e “contaminado” pela realidade que encontrou. Quando
alguém se desloca e se aproxima de realidades diferentes, é para encontrar,
encontrar-se
e aprender.
Encontrar outras vidas, outras histórias, outras
situações…; escutar outros relatos que trazem muita luz para a nossa própria
vida. Olhar desde um horizonte mais amplo, ajuda a relativizar nossos próprios
abso-lutos e compreender um pouco melhor o valor das coisas. Escutar de tal
maneira que o que ouvimos penetra na nossa própria vida; isso significa
implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas.
Acolher na nossa própria vida outras vidas; abrir espaços para que as histórias
dos excluí-dos encontrem morada nas nossas entranhas, na nossa memória e no
nosso coração.
O encontro com o diferente
possibilita também o encontro consigo
mesmo, ou seja, encontrar a própria verdade. Isso implica em se perguntar
pelo possível, pelo que deseja construir, viver de outra maneira, atuar
conforme os valores que não estão em voga; implica também que se perguntar quê
missão lhe toca a cada um viver neste mundo complexo e tantas vezes ferido.
Enfim, aprender, ou seja, carregar a própria história de um horizonte
diferente, no qual cabem outras possibilidades e outras responsabilidades.
Descobrir uma perspectiva mais ampla que ajude a formular melhor o sentido da
própria vida.
O chamado e o envio de Jesus mobiliza
e expande a pessoa na direção dos outros; ela é convocada a “en-carregar-se
dos outros”, encarregar-se das obras
que solucionem os problemas das “maiorias excluídas”. Isso é o que
significa paixão pelo Reino, paixão por levar adiante a missão,
paixão por se fazer presente nas fronteiras (que não são apenas geográficas,
sobretudo existenciais), ali onde os desafios são maiores, onde há mais
necessidade e onde se espera maiores frutos…
Ante o
clamor que vem da “margem”, como não sentir compaixão e solidariedade para com
os “perde-dores”
da história? A necessidade de olhar
o excluído e de sentir sua exclusão
como uma interpelação e um chamado, não é para nós moda nem sectarismo, mas o
núcleo mesmo de nossa experiência espiritual tal como aparece no Evangelho.
Somos
chamados a viver a solidariedade
como um estilo de vida, fundado no modo de viver de Jesus.
A solidariedade significa encontrar-se
com o “o mundo do sofrimento, da
injustiça, da fome... e não ficar indiferente”. A solidariedade que nasce da compaixão leva a reconhecer no outro uma dignidade e uma capacidade
criativa de superar sua situação.
Isso pede de
todos nós uma atitude de abertura ao outro, o que implica colocar-nos em seu lugar,
deixar-nos questionar e desinstalar por ele... Importa, pois, re-descobrir com
urgência a solidaridade como valor
ético e como hábito permanente de vida.
Texto
bíblico: Lc 10,1-12.17-20
Na oração: diante de
Deus responda: como você vive hoje sua missão na família, no trabalho, no seu
ambi-
ente, na sua
comunidade? Que sentido você quer dar à sua própria vida?... em quê gastar suas
forças,
capacidades? Com quê profundidade as
“periferias existenciais” lhe afetam.
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