QUANDO AS “COISAS” IMPEDEM A ESCUTA... E O ENCONTRO
“Marta,
Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas” (Lc. 10,41)
Jesus, pobre e sem
casa, está sempre a caminho, em busca de uma “casa” verdadeira, de um coração que o escute; até parece que Ele,
peregrino que nada teme, viandante sem morada, se deixa convidar por alguém
para hospedá-lo, para acolhê-lo em sua casa.
Marta, a irmã de Maria, ao avistá-lo, convida-o para se hospedar, com especial
cordialidade, em sua casa.
De fato, Jesus não tem casa,
não tem onde encostar a cabeça, é pobre, sempre peregrinando...
As paredes da casa de Marta
e Maria representam um sinal de acolhimento, um lugar onde se realiza a
comunhão, a partilha, o encontro, a amizade recíproca. Mas, a plenitude do
acolhimento acontece quando se atinge o coração, quando se entra na intimidade,
na verdade e na experiência da vida concreta.
Ali, e somente ali, Jesus se
manifesta, se torna Palavra, Caminho,
Verdade, Vida.
Ele, a Boa Notícia, se
oferece a quem o sabe acolher e escutar. Diante da autenticidade de um coração,
Ele pára, entra, se deixa hospedar e revela plenamente a sua pessoa.
Faz-se pobre para
enriquecer; oferece a verdadeira hospitalidade às pessoas que o acolhem.
Ao acolherem Jesus, o cotidiano de Marta e Maria se altera
por completo; elas precisam modificar os pró-prios hábitos, os próprios
costumes, reordenar as próprias atenções e ocupações.
Com o “Senhor” em casa, tudo muda; graças a
Ele, tudo deve encontrar uma nova “ordem”. Jesus, o pe-regrino sem casa,
está no centro de todas as atenções que uma verdadeira hospitalidade exige. Ele
“entra”
naquela casa como o último dos peregrinos; mas, para as duas irmãs Ele se torna
o primeiro, o único, o centro, em torno do qual se reordenam todas as coisas e
as outras ocupações.
A “escuta” e o “serviço”, personalizados nas duas irmãs, não são alternativos, mas
expressões da única e privilegiada relação com o Mestre. No entanto, Marta e Maria reagem de maneira diferente em relação a essa prioridade.
Maria,
sentada aos pés de Jesus, põe-se à escuta das suas palavras; Marta, ao invés, fica totalmente tomada
pelos afazeres e preocupações.
Acolhendo-O e escutando-O,
Maria encontra paz, serenidade, tempo, expectativa; Marta, ao contrário, não
consegue encontrar a paz, não consegue “pôr ordem”: agita-se, preocupa-se,
fica insatisfeita, desconcentrada, em contínua ação. Ativismo sem sentido, sem
intenção, sem motivação...
Marta se distraía com o ativismo, em seu afã
de expressar seu carinho e sua acolhida a Jesus. Jesus, no entanto, não reprova sua atividade, mas sua distração; o
seu ativismo a impede de ver a presença do Mestre; fecha-se à rotina e não se
abre ao novo.
O que Jesus coloca em
questão não é o que ela faz, mas como
ela faz. Marta não tem mais
condições de pôr “ordem” e “sentido” no meio das tantas coisas que
gostaria de fazer, na tentativa de oferecer a melhor hospitalidade possível a
Jesus.
Desta forma, ela se
torna incapaz de viver o verdadeiro encontro, não só com Jesus, mas também
com a própria irmã, rivalizando-se com ela. Marta chega até a repreender o próprio Jesus, o hóspede de honra,
que convidara para hospedar-se em sua casa: “Senhor, não te
importa...”
Jesus, com doçura,
repreende Marta, ajudando-a a sair da solidão do seu tarefismo. Com a repetição
do seu nome, chama-a novamente e a
põe em contato consigo mesma; ajuda-a a entrar em si e a olhar para além da
atividade, a abrir os olhos do coração para perceber o “sentido” da sua ação -
para quê? para quem?
Jesus simplesmente a convida
a levantar os olhos das suas
preocupações rotineiras e a olhar na direção certa. Ela se sente movida a “pôr ordem” dentro de si mesma e ao seu
redor; somente saindo do seu pequeno e limitado mundo das “coisas”, ela poderia reconhecer a “melhor parte”, que
ninguém mais lhe poderá tirar.
Chamada pelo nome, Marta torna-se capaz de escutar e
de perceber a presença da Verdade
que estava à sua frente e que antes não conseguia escutar, encontrar,
reconhecer.
Verdade que também se faz presente em meio aos afazeres cotidianos.
Somente aceitando esse Dom que se hospeda em sua casa, é
possível fazer a única escolha certa, sábia: seja na escuta aos pés do Mestre,
seja nos serviços caseiros. Aceitar esse Dom significa encontrar a paz, a harmonia, a integração entre a “escuta” e o “serviço” (“escutar servindo e
servir escutando”).
A integração e harmonia entre as duas atitudes
(escuta e serviço), é o caminho proposto pela dinâmica da espiritualidade
cristã; ser “contemplativo na ação”
ou “ativo na contemplação”, eis o
equilíbrio difícil.
O que Jesus pede a Marta é amá-lo em seu serviço, como Maria o ama
em sua atitude de escuta. Tudo o
que fazemos sem amor é tempo perdido. Tudo o que fazemos com amor é
eternidade reencontrada.
De fato, diante das
preocupações, da agitação cotidiana, dos apegos, das “afeições desordenadas”...
a escuta e o encontro com o Outro e com os outros tornam-se praticamente
impossíveis.
Tal situação nos faz
prisioneiros da solidão, sentindo-nos abandonados, impotentes, sobrecarregados
pelo ativismo vazio e sem sentido...
O ativismo
produz, a princípio, a sensação de estar muito ocupado e o falso consolo de
“sentir-se útil”.
Mas, de fato, o ativismo
converte as pessoas em engrenagens de um sistema massacrante e acaba
produzindo-lhes frustração, impotência e vazio, por falta de sentido (para quê?
para quem?...)
Esse é o problema do mundo
moderno: a agitação e a preocupação
se tornam um estilo de vida e acabam controlando nosso ritmo cotidiano,
tornando-se fonte inesgotável de ansiedade.
Em nosso padrão cultural,
somos pressionados a mostrar o tempo todo que estamos ocupados e “produ-zindo”
alguma coisa. Vivemos perdidos numa floresta de compromissos e atividades,
incapazes de per-ceber alguma trilha estreita para poder andar e respirar.
Mesmo com tudo que foi inventado para facilitar a vida – celular, internet,
e-mail, mensagens instantâneas – parece que não temos tempo para nada.
Há muita inquietação por
baixo das águas do cotidiano. Acuados pelo relógio, pelo ativismo, pela agen-
da, pela opinião alheia,
disparamos sem rumo feito hâmsteres que se alimentam de sua própria agitação.
A contemplação é uma dimensão essencial
do ser humano.
Um sinal de crescimento de quem está se
tornando cada vez mais contemplativo em meio a uma vida ativa é que um simples olhar
sobre a realidade desperta sentimentos oceânicos e faz evocar atitudes
profundas. A realidade cotidiana parece cheia de significado e atração. Evoca e
confirma atitudes fundamentais de entrega e dedicação a Deus e ao seu Reino na
vida cotidiana. Em tudo pode-se “tocar” a presença cuidadora e providente do
Criador. Daqui brota o desejo de colaborar com Ele, numa missão específica,
segundo a capacidade e as circunstâncias de cada um.
Cada dia a pessoa redescobre com os sentidos e inventa
com a imaginação um mundo novo, maior e mais bonito que o do dia anterior. E
assim é feliz porque, para ela, em cada nova experiência, o mundo torna a
começar. Com isso, as pessoas verdadeiramente contemplativas em meio à vida
cotidiana, desenvolvem profunda serenidade e paz interior. Elas têm a convicção
profunda de que Deus está presente e ativo em todo o mundo; de que em todas as
circunstâncias Deus trabalha para o bem de cada um e de todos.
A abertura e a
acolhida do Dom, que nos surpreende
ao entrar em nossa pró-pria casa, nos arrancará do nosso
isolamento, da rivalidade com os outros, das preocupações e agitações vazias.
Somos continuamente envolvidos, protegidos, sustentados e animados por uma Presença que “armou sua Tenda entre
nós”.
Nele encontraremos a
serenidade, a paz interior, a confiança... tanto na ação como na contemplação.
Mais importante do que fazer as coisas, é fazê-las de modo novo.
Eis a única “coisa” que importa para viver
plenamente.
Texto
bíblico: Lc. 10,38-42
Na oração: despertar um olhar repousante sobre sua
realidade cotidiana: olhar
que tudo acolhe e em
tudo vê a presença do Criador.
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