quinta-feira, 18 de julho de 2013

Marta ou Maria?


QUANDO AS “COISAS” IMPEDEM A ESCUTA... E O ENCONTRO

 

“Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas” (Lc. 10,41)

 

Jesus, pobre e sem casa, está sempre a caminho, em busca de uma “casa” verdadeira, de um coração que o escute; até parece que Ele, peregrino que nada teme, viandante sem morada, se deixa convidar por alguém para hospedá-lo, para acolhê-lo em sua casa.

Marta, a irmã de Maria, ao avistá-lo, convida-o para se hospedar, com especial cordialidade, em sua casa.

De fato, Jesus não tem casa, não tem onde encostar a cabeça, é pobre, sempre peregrinando...

As paredes da casa de Marta e Maria representam um sinal de acolhimento, um lugar onde se realiza a comunhão, a partilha, o encontro, a amizade recíproca. Mas, a plenitude do acolhimento acontece quando se atinge o coração, quando se entra na intimidade, na verdade e na experiência da vida concreta.

Ali, e somente ali, Jesus se manifesta, se torna Palavra, Caminho, Verdade, Vida.

Ele, a Boa Notícia, se oferece a quem o sabe acolher e escutar. Diante da autenticidade de um coração, Ele pára, entra, se deixa hospedar e revela plenamente a sua pessoa.

Faz-se pobre para enriquecer; oferece a verdadeira hospitalidade às pessoas que o acolhem.

 

Ao acolherem Jesus, o cotidiano de Marta e Maria se altera por completo; elas precisam modificar os pró-prios hábitos, os próprios costumes, reordenar as próprias atenções e ocupações.

Com o “Senhor” em casa, tudo muda; graças a Ele, tudo deve encontrar uma nova “ordem”. Jesus, o pe-regrino sem casa, está no centro de todas as atenções que uma verdadeira hospitalidade exige. Ele “entra” naquela casa como o último dos peregrinos; mas, para as duas irmãs Ele se torna o primeiro, o único, o centro, em torno do qual se reordenam todas as coisas e as outras ocupações.

A “escuta” e o “serviço”, personalizados nas duas irmãs, não são alternativos, mas expressões da única e privilegiada relação com o Mestre. No entanto, Marta e Maria reagem de maneira diferente em relação a essa prioridade.

Maria, sentada aos pés de Jesus, põe-se à escuta das suas palavras; Marta, ao invés, fica totalmente tomada pelos afazeres e preocupações.

Acolhendo-O e escutando-O, Maria encontra paz, serenidade, tempo, expectativa; Marta, ao contrário, não consegue encontrar a paz, não consegue “pôr ordem”: agita-se, preocupa-se, fica insatisfeita, desconcentrada, em contínua ação. Ativismo sem sentido, sem intenção, sem motivação...

 

Marta se distraía com o ativismo, em seu afã de expressar seu carinho e sua acolhida a Jesus. Jesus, no entanto, não reprova sua atividade, mas sua distração; o seu ativismo a impede de ver a presença do Mestre; fecha-se à rotina e não se abre ao novo.

O que Jesus coloca em questão não é o que ela faz, mas como ela faz. Marta não tem mais condições de pôr “ordem” e “sentido” no meio das tantas coisas que gostaria de fazer, na tentativa de oferecer a melhor hospitalidade possível a Jesus.

Desta forma, ela se torna incapaz de viver o  verdadeiro encontro, não só com Jesus, mas também com a própria irmã, rivalizando-se com ela. Marta chega até a repreender o próprio Jesus, o hóspede de honra, que convidara para hospedar-se em sua casa: “Senhor, não te importa...”

 

Jesus, com doçura, repreende Marta, ajudando-a a sair da solidão do seu tarefismo. Com a repetição do seu nome, chama-a novamente e a põe em contato consigo mesma; ajuda-a a entrar em si e a olhar para além da atividade, a abrir os olhos do coração para perceber o “sentido” da sua ação - para quê? para quem?

Jesus simplesmente a convida a levantar os olhos das suas preocupações rotineiras e a olhar na direção certa. Ela se sente movida a “pôr ordem” dentro de si mesma e ao seu redor; somente saindo do seu pequeno e limitado mundo das “coisas”, ela poderia reconhecer a “melhor parte”, que ninguém mais lhe poderá tirar.

Chamada pelo nome, Marta torna-se capaz de escutar e de perceber a presença da Verdade que estava à sua frente e que antes não conseguia escutar, encontrar, reconhecer.

Verdade que também se faz presente em meio aos afazeres cotidianos.

Somente aceitando esse Dom que se hospeda em sua casa, é possível fazer a única escolha certa, sábia: seja na escuta aos pés do Mestre, seja nos serviços caseiros. Aceitar esse Dom significa encontrar a paz, a harmonia, a integração entre a “escuta” e o “serviço” (“escutar servindo e servir escutando”).

 

A integração e harmonia entre as duas atitudes (escuta e serviço), é o caminho proposto pela dinâmica da espiritualidade cristã; ser “contemplativo na ação” ou “ativo na contemplação”, eis o equilíbrio difícil.

O que Jesus pede a Marta é amá-lo em seu serviço, como Maria o ama em sua atitude de escuta. Tudo o que fazemos sem amor é tempo perdido. Tudo o que fazemos com amor é eternidade reencontrada.


De fato, diante das preocupações, da agitação cotidiana, dos apegos, das “afeições desordenadas”... a escuta e o encontro com o Outro e com os outros tornam-se praticamente impossíveis.

Tal situação nos faz prisioneiros da solidão, sentindo-nos abandonados, impotentes, sobrecarregados pelo ativismo vazio e sem sentido...

O ativismo produz, a princípio, a sensação de estar muito ocupado e o falso consolo de “sentir-se útil”.

Mas, de fato, o ativismo converte as pessoas em engrenagens de um sistema massacrante e acaba produzindo-lhes frustração, impotência e vazio, por falta de sentido (para quê? para quem?...)

Esse é o problema do mundo moderno:  a agitação e a preocupação se tornam um estilo de vida e acabam controlando nosso ritmo cotidiano, tornando-se fonte inesgotável de ansiedade.

Em nosso padrão cultural, somos pressionados a mostrar o tempo todo que estamos ocupados e “produ-zindo” alguma coisa. Vivemos perdidos numa floresta de compromissos e atividades, incapazes de per-ceber alguma trilha estreita para poder andar e respirar. Mesmo com tudo que foi inventado para facilitar a vida – celular, internet, e-mail, mensagens instantâneas – parece que não temos tempo para nada.

Há muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Acuados pelo relógio, pelo ativismo, pela agen-

da, pela opinião alheia, disparamos sem rumo feito hâmsteres que se alimentam de sua própria agitação.

 

A contemplação é uma dimensão essencial do ser humano.

Um sinal de crescimento de quem está se tornando cada vez mais contemplativo em meio a uma vida ativa é que um simples olhar sobre a realidade desperta sentimentos oceânicos e faz evocar atitudes profundas. A realidade cotidiana parece cheia de significado e atração. Evoca e confirma atitudes fundamentais de entrega e dedicação a Deus e ao seu Reino na vida cotidiana. Em tudo pode-se “tocar” a presença cuidadora e providente do Criador. Daqui brota o desejo de colaborar com Ele, numa missão específica, segundo a capacidade e as circunstâncias de cada um.

Cada dia a pessoa redescobre com os sentidos e inventa com a imaginação um mundo novo, maior e mais bonito que o do dia anterior. E assim é feliz porque, para ela, em cada nova experiência, o mundo torna a começar. Com isso, as pessoas verdadeiramente contemplativas em meio à vida cotidiana, desenvolvem profunda serenidade e paz interior. Elas têm a convicção profunda de que Deus está presente e ativo em todo o mundo; de que em todas as circunstâncias Deus trabalha para o bem de cada um e de todos.


A abertura e a acolhida do Dom, que nos surpreende ao entrar em nossa pró-pria casa, nos arrancará do nosso isolamento, da rivalidade com os outros, das preocupações e agitações vazias. Somos continuamente envolvidos, protegidos, sustentados e animados por uma Presença que “armou sua Tenda entre nós”.

Nele encontraremos a serenidade, a paz interior, a confiança... tanto na ação como na contemplação.

Mais importante do que fazer as coisas, é fazê-las de modo novo.

Eis a única “coisa” que importa para viver plenamente.

 

Texto bíblico:  Lc. 10,38-42

 

Na oração:  despertar um olhar repousante sobre sua realidade cotidiana: olhar

                        que tudo acolhe e em tudo  vê a  presença do Criador.

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