QUANDO PISAMOS O TERRENO
PANTANOSO DO PODER...
“Eleva-se a
Deus quem desce à realidade: às limitações da vida, às feridas do coração e à
pequenez das pessoas”
O poder
é uma das forças mais sedutoras e que sempre exerceu grande fascínio nas
pessoas. Não há ser humano que não tenha sido “tentado” pelo canto desta
sereia.
Os
Evangelhos relatam que também os discípulos de Jesus demonstravam apetite pelo poder:
discutiam entre si qual deles era o maior (Mc. 9,34);
alguns pretendiam ocupar os primeiros lugares (Mc. 10,37).
Mas
Jesus, que foi tão tolerante com aqueles homens em outras coisas, neste ponto
foi taxativo: “Se
alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e o servidor de
todos!”
Ao
abraçar carinhosamente uma criança, diante de todos, Jesus indica que o centro
de sua comunidade não deve estar ocupado pelos grandes e poderosos que se
impõem aos demais, a partir de cima. Em sua comunidade precisa-se de homens e
mulheres que “desçam” para acolher, servir, abraçar e bendizer
aos mais fracos e necessitados.
O
Reino de Deus não se expande a partir da imposição dos grandes, mas a partir da
acolhida e defesa dos pequenos. Onde estes se convertem no centro de atenção e
cuidado, aí está chegando o Reino de Deus, a nova sociedade humana que o Pai
quer.
Entrar
no Reino significa acolher e compartilhar o Projeto de Jesus; isso torna-se
impossível para quem fundamenta sua vida por critérios de poder, prestígio,
ambição...
Sabemos
que o poder nos infla como balões, com desejos de subir, e estar no mais
alto, longe de tudo o que é humano, onde as fragilidades e sofrimentos das
pessoas não nos afetam, onde possamos vencer, distinguir-nos dos outros... Por
seu caráter impositivo, o poder deteriora relacionamentos, resvalando-se
para o terreno pantanoso da competição, da suspeita, da intriga.
Quem
tem “poder” o centro está em si mesmo; por isso é que toda expressão de poder é
violenta, exclui, impõe-se ao outro, domina...
A
cultura do poder suga o “espírito” da vida de uma comunidade, minando
sua criatividade e fragili-zando seus laços de convivência. O poder não
constrói comunidade, pois quem tem poder se cerca de subservientes que cumprem
suas ordens, dizem amém às suas idéias ou calam-se coniventes.
Sorrateiramente
este mal toma conta do coração humano e o petrifica, impedindo a vida de
desabrochar e a criatividade de se expressar. O exercício do poder se
expressa nas atitudes de dominar, manipular, subjugar e definir tudo segundo os
próprios critérios. A perversidade do coração humano encontra no exercício do
poder o campo mais propício para a revelação de suas mazelas, violências e
vaidades.
Jesus,
no entanto, com seu “ensinamento” e seus gestos, quebra a estrutura da
centralidade do poder narcisista; sua atitude é humanizadora e propõe o caminho da “descida
compassiva” como a marca distintiva dos seus seguidores; Ele parte da
realidade humana mais frágil e excluída, e ensina o segredo para se construir
uma comunidade diferenciada: a acolhida e o serviço mútuo
em lugar de e em vez de “hierarquias” rígidas e distantes que
envenenam as relações inter-pessoais. Para Jesus, não é o poder que deve
ocupar o centro, mas a criança, despojada de todo poder.
Jesus
revela aos discípulos um “novo ângulo” ou um novo modo de “olhar
as pessoas: não a partir do lugar do poder, mas a partir da perspectiva
dos fracos e indefesos.
Para
isso é preciso uma “mudança de lugar”, um deslocamento para baixo, em direção
aos pequenos. Quem “desce” encontra-se com Jesus. Quem acolhe um
“pequeno” está acolhendo o “maior”, o próprio Jesus.
Tradicionalmente,
a espiritualidade cristã que nos foi transmitida partia de “cima”.
No
entanto, o “subir” até Deus passa
pelo “descer” até às profundezas da própria realidade
pessoal e dos outros. Este é o paradoxo da espiritualidade cristã: nós “subimos”
para Deus precisamente quando “descemos” para a nossa condição humana.
O caminho para Deus passa pela descida em
direção aos outros, pelo compromisso com os pequenos e últimos, pela compaixão
para com os mais carentes...
O Deus que Jesus
nos revelou é o Deus que se faz presente no pequeno, no simples, naqueles que
não tem voz e nem vez neste mundo. Não é o Deus do poder absoluto, nem o
Deus que exige obediência e submissão àqueles que se apresentam como
representantes do divino.
O Deus de Jesus é o Deus
que responde e corresponde aos anseios de respeito, dignidade e felicidade, que
todos trazem inscritos no sangue de suas vidas e nos sentimentos mais
autênticos e nobres.
O Deus Misericordioso
não impulsiona ninguém a desejar poderes, honras, títulos, por mais divinos que
sejam. Ele é o Deus que só legitima a identificação e até a fusão com o destino
das vítimas deste mundo.
Na pregação e na prática de Jesus nós nos
deparamos com uma espiritualidade que vem de “baixo”, que brota do seu encontro com a condição
humana, pobre e vulnerável. Ele, conscientemente, se compromete com os
publicanos e pecadores, com os pobres e doentes, com as crianças e as
mulheres... porque sente que eles estão abertos ao amor de Deus.
Os “justos” (praticantes da lei e
observantes das normas religiosas), pelo contrário, vivem centrados em si
mesmos e são aqueles que entram em permanente conflito com Jesus.
A própria encarnação de Jesus Cristo já é prova de seu
esvaziamento e de sua entrada na vida dos últimos e excluídos. Jesus nasce em
um estábulo, não em um palácio; ele realiza sua missão não no templo de
Jerusalém, mas nas periferias excluídas da Galiléia.
Vivendo
desta maneira Jesus nos traçou o único caminho para encontrar a Deus:
unir-se, fundir-se e confundir-se com tudo o que é debilidade, dor, sofrimento
e carência da humanidade.
Ele
revela que o verdadeiro modo
de encontrar a Deus se dá na medida em que cada pessoa acolhe e se faz solidária
com a fragilidade do outro, necessitado de defesa e cuidado.
A
fé madura fé em Deus não se reduz à segurança e firmeza em umas
determinadas verdades; mais importante que as verdades de nosso saber é
a humanização de nossas atitudes.
“Descer” e “subir”,
portanto, são imagens para descrever o processo de transformação realizado por
Cristo no interior de cada um de nós.
Se com Cristo
quisermos subir ao Pai, temos primeiro de descer com Ele à terra,
afundar os pés na nossa própria condição humana. Não podemos subir ao céu se
não estivermos dispostos a descer com Cristo e ocupar o último “lugar”, no
nível daqueles que não tem poder e nem ostenta títulos.
Nós “subimos”
a Deus quando “descemos” à humanidade, através do serviço amoroso.
Este é o caminho da liberdade, este é o caminho do amor e da humildade,
da mansidão e da misericórdia.
Texto bíblico: Mc. 9,30-37
Na oração: “Descer”
em direção à nossa realidade e à dos outros,
significa considerar a experiência da fragilidade
e da pequenez como o lugar da
verdadeira oração e como chance de chegarmos a uma nova relação pessoal com
Deus.
“Considerar” aqueles que não tem “lugar” em nossas comunidades;
colocar-se em seu lugar e sentir o que eles sentem.