quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Amigos e amigas, próximo domingo é a festa da "Sagrada Família". Segue sugestão para preparar-se para este dia. Um abraço a todos Pe. Adroaldo sj



COMO INTEGRAR “JERUSALÉM-NAZARÉ” NO AMBIENTE FAMILIAR?

“Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém... Jesus desceu com seus pais para Nazaré (Lc. 2)

O Evangelho de hoje relata a segunda visita de Jesus ao templo em Jerusalém (a primeira foi por ocasião da circuncisão). Trata-se do seu ingresso oficial na comunidade hebraica, inaugurando sua maioridade.
Em Jerusalém, no templo, Jesus adolescente realiza seu primeiro e solene ato de revelação.
É nessa ocasião que Ele pronuncia as primeiras palavras registradas pelos evangelhos. E a primeira pala-vra, na prática, é “Pai”, dirigida a Deus; “Pai” será também a última palavra pronunciada por Jesus, ainda em Jerusalém, mas no novo templo do Calvário: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lc. 23,46).
Nas primeiras palavras de Jesus temos a afirmação condensada do que foi a sua vida, a revelação do seu mistério mais profundo. A relação com o Pai é aquela que determina todas as suas atitudes e ações.
Para Jesus é uma “necessidade” realizar na história concreta de sua vida o desígnio salvífico do Pai. Ela tem uma prioridade absoluta. Sobrepõe-se a todos os outros deveres, inclusive ao dever sagrado da pieda-de para com os pais. Porque não se pertence a si mesmo, Jesus também não pertence a seus pais terres-tres. Ele – sua pessoa, sua vida e sua missão – pertencem inteiramente ao Pai.
Estas primeiras palavras de Jesus nos revelam onde está o centro de sua identidade e de sua missão: na escuta atenta e na comunhão com o Pai.

Jesus voltará a Jerusalém outras vezes; aí vai morrer e ressuscitar, porque Jerusalém é o sinal da vida e da morte, das lágrimas e da beleza, do sangue e da luz.
Em Jerusalém, Jesus encontrará alegria e dor, morte e vida, acolhimento e rejeição.
Jerusalém é a cidade da história humana e da história salvífica: lá está a “casa” do templo, a “casa” do Senhor, e a “casa” da dinastia de Davi, da qual descende o Cristo.
Na “perda e encontro” de Jesus no Templo se condensa toda sua vida, que é buscar a Vontade do Pai.

De Jerusalém a Nazaré: dois espaços geográficos que integram a missão de Jesus.
Nazaré, um lugar desconhecido e insignificante, mas reconhecido pelos profetas, protegido pela Antiga Aliança. Nazaré está no traçado do retorno-êxodo de Jesus do Egito.
Enfim, de modo mais específico, Ele vai morar “numa cidade chamada Nazaré”. Nazaré é o sinal da epifania de Deus na rotina do dia-a-dia, é o sinal da palavra divina escondida nas vestes humildes da vida simples; é a escuta atenta ao pai que fala na simplicidade dos atos e das pequenas coisas, próprios de um ambiente familiar.

Jesus nos convida a entrar em sua casa para aprender d’Ele e com Ele os valores do Evangelho.
É difícil compreender a “normalidade” da vida de Jesus Cristo; parece até que o Reino não tem exigênci-
as sobre a sua Vida. Identificando-se com a vida de todo mundo mostrava que a salvação não consistia em coisas extraordinárias e em gestos fantásticos, mas na adoração do Pai em espírito e verdade”.
Jesus gasta praticamente toda sua Vida nesta humilde condição; passou desapercebido como Messias.
         O Reino se revela no pequeno, no anônimo e não no espetacular, no grandioso.
         Ele está misteriosamente se realizando entre nós.
Podemos dizer que esta página é, em certo sentido, a apologética do cotidiano, das horas, dos meses, dos anos escondidos, da vida monótona, provinciana, não-escrita, de Jesus.
Para o plano de Deus é importante inclusive quem vive em Nazaré, de onde não pode vir nada de bom ou que seja digno de ficar registrado nos anais da história.

Essa atenção à simplicidade do cotidiano, à natureza da Galiléia, à mensagem que Deus esconde nas pessoas, nas coisas, nas horas, na natureza... é uma constante na pregação de Jesus.
Tanto em Nazaré quanto na vida pública, Jesus nos comunica uma profunda união com o Pai. Jesus recorre em seu íntimo ao Pai, numa oração confiante e de entrega.
Jesus sente quando o Pai o chama a mudar o estilo de vida escondido. Ele está atento aos “sinais dos tempos e sabe discernir nesses sinais a Vontade do Pai que o chama a mudar de caminho, a deixar sua terra, a lançar-se numa aventura. Começa uma vida itinerante, missionária, despojado de tudo.

A vida de Nazaré coloca os critérios evangélicos na nossa cabeça e no nosso coração.
A vida de Nazaré chega à nossa vida em muitos momentos (serviços ocultos, doença, rotina...). Nazaré pode transformar-se em Jerusalém quando, quem a habita, deixa-se possuir pela totalidade do amor no coração. A vida oculta” coloca em evidência nossas motivações e nossos valores mais profundos.

É a importância do não importante.  O importante é ser significativo e não importante!
Jesus nos ensina, em Nazaré, o valor das coisas corriqueiras, quando são feitas com dedicação e carinho.
É uma teologia do trabalho! O fazer, seja qual for, segundo suas motivações, é redentor!
Não são as coisas que nos fazem importantes, mas nós que fazemos qualquer coisa ser importante!  
É o sentido que damos à nossa vida e à nossa ação que fazem com que estas sejam significativas ou não.
Somos nós que damos significado às coisas e não o contrário!
Quando são “as coisas importantes” que nos fazem importante, e se “essas coisas”, um dia desapare-cem, parece como se a própria vida  perdesse seu  sentido. Na escola da vida, Jesus também foi aprendiz.
Aprender é consequência básica da dinâmica da Encarnação. Lucas o confirma:
                “Jesus crescia em sabedoria e em graça, diante de Deus e diante dos homens” (Lc. 2,40.50).


Portanto, Jesus viveu a vida como um processo lento e progressivo, a partir da própria condição humana no meio dos seus, no meio do povo e em vista do Reino de Deus, graças a uma criatividade transformadora.
                      
Texto bíblico:  Lc. 2,41-52

Na oração: viva em sua família a grandeza de ser plenamente humano;
                    descubra o significado profundo da vida cotidiana mais sim-ples: trabalhos, relações, família... O ambiente familiar, quando espaço humanizador, integra a vida cotidiana de Nazaré com os desafios de Jerusalém (família que se alarga, sai de si, se compromete, abre-se a causas humanas...)
Na vida de todos nós há momentos em que Deus intervém, tirando-nos de Nazaré para a vida pública (Jerusalém). Ainda que o itinerário de Na-zaré pareça pobre, se o percorremos com fidelidade e amor, ele se insere no projeto de Deus, fica iluminado e nos impulsiona a ter amplos hori-zontes.
Para atravessar a Nazaré cotidiana é preciso aprender a dimensão perfeita do amor, que é doação silenciosa, é oblação alegre e livre.
     
* como é sua família? Vive comprometida buscando uma sociedade melhor e mais humana, ou fechada exclusivamente em seus próprios interesses? Educa para a solidariedade, a paz, a sensibilidade para com os necessitados... ou só ensina a viver para o consumo insaciável, o máximo lucro e o esquecimento dos outros?
* No seu ambiente familiar cuida-se da fé, dos valores do Evangelho... ou se favorece apenas um estilo de vida superficial, sem metas nem ideais...? É espaço instigante, de crescimento, aberto ao novo e diferente... ou ambiente atrofiante, sufocante...?

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Para a celebração de Natal.

Amigos e amigas,
segue uma sugestão para rezar o mistério do Nascimento de Jesus.
Que a celebração da festa de Natal nos faça descer em direção à nossa humanidade.
Ali, nas grutas de nosso interior, uma infância divina nos espera... e nos enche de alegria.
Um Natal Santo e Sempre!
Um abraço a todos
Pe. Adroaldo sj




O que o Natal esconde... e revela

“...encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura” (Lc. 2,12)

O palácio e a manjedoura, o imperador e a criança, Augusto e Cristo, Herodes e os pastores... esses são os pontos mais distantes entre si, os pólos extremos de toda a história humana.
Esse abismo nos ajuda a compreender o modo de agir de Deus. Ele não irrompe na história pelo lado mais alto e forte; prefere revelar sua presença pelo lado mais baixo e fraco. Para encontrar Deus temos de empreender o caminho de “descida”, dirigir o olhar e o coração para o mundo da exclusão.
Não é a grandeza e o poder, segundo os critérios humanos, que são decisivos para Deus.
Lá em “cima” não há lugar para a Maria pobre, nem para o José sem recursos, nem para a criança sem títulos. O Filho de Deus apareceu nos grotões da humanidade, justamente lá onde ferve a luta pela sobrevivência, onde se acotovelam os esquecidos e os náufragos da vida... Deus se faz “clandestino” entre os clandestinos desta terra de exclusão.

Com a ação ousada e surpreendente de Deus, a periferia se põe em efervescência, os pobres e excluídos se agitam, uma alegria contagia a todos. Uma novidade foi introduzida por Deus na história da humanidade: chegou a vez do protagonismo dos últimos, dos pequenos, da “massa sobrante”...; quem estava “fora” ocupa o centro das atenções; o olhar de todos se dirige para a periferia da história, onde Deus se faz “margem”. Na Encarnação e Nascimento de Jesus esvaziou-se o céu. Deus abandonou o trono altíssimo, exilou-se nas entranhas profundas da humanidade e assumiu tudo o que é radicalmente humano.
Esta é a maneira que Deus escolheu para aproximar-se de nós, para percorrer os estreitos e poeirentos caminhos de nossa existência. Sua “entrada” no mundo não foi com estardalhaço e triunfo estrepitoso; deu-se à margem da história oficial, fora da cidade, numa noite silenciosa de Belém, no coração da terra, numa gruta de animais. Quase ninguém o percebeu. Outras “preocupações” dominavam o coração dos homens, a porta foi fechada... não restando a Ele outro caminho senão o da “clandestinidade”.

Vivemos imersos num contexto sócio-cultural onde o sentido e a força do mistério do Natal permanece obscurecido. Em primeiro lugar, a proximidade do fim de ano carrega o peso do cansaço, do ativismo, das correrias e ansiedades... que acabam impedindo uma preparação mais intensa para acolher a Novidade natalina.
Em segundo lugar, somos continuamente impactados por um modo de festejar o Natal que nos distancia da Gruta de Belém. Trivialidades, consumismo, superficialidade, vazio, vulgaridade... são traços que acom-panham nossa cultura e que dificultam enormemente a vivência profunda do Natal.
Tais situações nos desumanizam e nos afastam do essencial. O “deficit” de humanismo nos inquieta e nos escandaliza. Corremos o risco de viver nossa própria humanidade em “banda estreita”, ou seja, sem sonhos, sem projetos, sem uma causa de envergadura sobre a qual investir as melhores energias.
Seduzido pelos estímulos ambientais, envolvido por apelos vindos de fora, cativado pela mídia, pelas inovações rápidas, magnetizado por ofertas alucinantes... o ser humano se esvazia, “torna-se líquido”, perde a interioridade, afasta-se do horizonte de sentido e... se desumaniza.
Longe de uma humanidade dinâmica, operante, ousada... o que a pessoa deixa transparecer é uma huma-nidade neutra, apática, estagnada.

Como recuperar, na festa do Natal, a densidade humana perdida?
Nossa fé nos possibilita afirmar que em Jesus “Deus se humanizou” e que só podemos encontrar Deus na “humanidade de supera nossa inumanidade”.
Encontramos Deus humanizando-nos, fazendo-nos mais humanos: potenciando nossa bondade, dignida-de, compaixão...; dinamizando nossas possibilidades criadoras, espirituais...; ampliando nossas reservas de riquezas interiores...
No Nascimento de Jesus, Deus vem nos revelar que o mais nobre que há em nós é a nossa própria humanidade. Este é o mistério escondido na Gruta e que poucos ficam encantados e assombrados diante dele; esta é a enorme riqueza que mereceria ser re-descoberta e que permanece oculta aos olhos daqueles que são incapazes de uma atitude contemplativa.
A celebração do Natal deveria nos ajudar a criar em nossos ambientes “oásis de humanidade”.
Entende-se “humanidade” como capacidade de ser oblativo, de ser-para-os-outros, de romper a tirania do egoísmo e fazer do amor a pauta do agir. Do coração das pessoas humanizadas brotam gestos de misericórdia, de compaixão de solidariedade.
A espiritualidade natalina desperta o “ser humano” que todos temos dentro  e nos possibilita a aventura apaixonante de viver a vida humanamente e vivê-la com paixão. Ela nos desafia a assumir o potencial humano criativo que está latente em nosso interior.
Quando recuperamos a “banda larga” de nossa humanidade, nos afirmamos como seres originais e criativos, capazes de “re-tecer vínculos” com Deus, com os outros, com a natureza...
Somente a experiência do Natal interiorizada nos impulsiona construir “comunidades de solidariedade”, ou seja, tecidos sociais com um sentido mais humanizante que o círculo fechado de produção-consumo.

No Nascimento de Jesus aconteceu algo desconcertante. João expressa isso em termos muito claros: “a Palavra de Deus se fez carne”. Deus não ficou em silêncio para sempre; Ele quis se comunicar a nós, não através de revelações ou aparições, mas encarnando-se na humanidade de Jesus. Não se “revestiu” de carne, não tomou a “aparência” de um ser humano. Deus se fez realmente carne fraca, frágil e vulnerável como a nossa. Em Jesus, Deus se humanizou.
A partir da Encarnação e Nascimento de Jesus já não cremos num Deus isolado e inacessível, fechado em seu Mistério impenetrável, mas podemos nos encontrar com Ele em um ser humano como nós. Para nos relacionar com ele não precisamos sair de nosso mundo, não precisamos buscá-lo fora de nossa vida, pois O encontramos feito carne em Jesus. Isto nos faz viver a relação com Ele com uma profundidade única e inconfundível. Jesus é para nós o rosto humano de Deus. 



Segundo Jacob Boehme, místico medieval, Deus é uma Criança que brinca. É nessa atmosfera “infantil” que Deus se aproximou de nós. Não veio como um rei poderoso, nem como um sumo-sacerdote ou um grande filósofo. Ele mergulhou na nossa fragilidade humana fazendo-se criança pobre, que nasce na peri-feria, no meio de animais, envolvido em faixas, deitado numa manjedoura... para que ninguém se sentisse distante d’Ele, para que todos pudessem experimentar o senti-mento de ternura que uma criança desperta e sobre quem nos dobramos, maravilhados.

Texto bíblico:  Lc. 2,1-14

Na oração: Humanizando-se, Jesus desatou todas as possibilida-
       des humanas presentes em cada pessoa.
Contemplar o rosto do Menino clandestino é perigoso: subverte nossas opções, nosso modo de viver, nossos valores... e nos com-promete com o sonho de Deus na noite de Natal: “Paz na terra aos homens que Ele ama” (Lc. 2,14)
Que a celebração do Natal faça emergir o que há de mais “humano” em cada um de nós.

                                        Um “humano Natal” a todos.
 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

4º Domingo do Advento.



CASA, LUGAR DE VISITAÇÃO E ENCONTRO

“Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?” (Lc. 1,43

Quando Deus entra e atua na história das pessoas, move-as para irem “apressadamente” ao encontro dos outros, para serví-los nas suas necessidades, para comunicar a alegria pela salvação recebida, e para alegrar-se com os outros pelas graças que eles receberam.
Aquela que foi “agraciada” por Deus não fica só contemplando as maravilhas que Deus realizou nela, mas sai para proclamá-las. Quem tem consigo o Salvador não o pode guardar só para si.
A expressão “apressadamente” quer sublinhar a atitude interior de fé e de disponibilidade de Maria.
Sua “pressa” está dinamizada pelo fervor interior, pela alegria e, sobretudo pelo desejo de servir.

A Visitação realiza o encontro entre a mãe do precursor do Messias e a mãe do Messias, e, no entanto, tu-
do se desenvolve numa casa normal, entre gente simples, na árida região montanhosa da Judéia.
A atmosfera é de alegria. A Palavra de Deus adentra a intimidade e o calor familiar de uma casa, e anuncia um evento glorioso e universal. As palavras de Isabel são uma proclamação, a celebração e reconhecimento da ação de Deus nos pobres e nos humildes.O Pai, através do instrumento frágil de uma mulher, ignorada pela sociedade oriental, apresenta ao mundo a sua Salvação.
Contra uma concepção cada vez mais “econômica” do mundo, contra o triunfo do possuir, do ter, da escravidão das coisas, a Visitação exalta a alegria do partilhar, do acolher, do admirar, da felicidade da gratuidade, da contemplação, da doação. O ser humano, e todo o seu ser, transforma-se então em louvor de Deus; é o canto das escolhas caprichosas de Deus, que tem um “fraco” pelos pobres, por todos os infelizes e os oprimidos; poder e riqueza não gozam de nenhum prestígio aos seus olhos.

O grito de alegria de Isabel expressa, com o pulo de alegria de João, a chegada da Salvação que entra nas nossas casas através de Maria. É um convite a todos para que se unam ao seu louvor e à sua alegria.
É da nossa condição humana buscar um espaço, um lugar hospitaleiro e acolhedor, o lugar onde nos situamos no mundo e onde podemos ser encontrados.
São muitos os lugares por onde transitamos, mas o mais importante deles é a nossa casa.
A casa é mais do que uma realidade física, feita de quatro paredes, portas, janelas e telhados.
Casa é uma experiência existencial primitiva, ligada ao que há de mais precioso na vida humana, que é a relação afetiva entre aqueles que a habitam e com aqueles que nela são acolhidos.
“É preciso que você saiba acolher o outro. Existe uma crise de moradia muito mais grave que a falta de casas: é a escassez de pessoas interiormente disponíveis para seus irmãos.”

No interior de nosso país ainda se conserva o bom hábito de “fazer visitas” e a casa torna-se espaço humano de partilha, convivência, festa, ajuda mútua...
Por outro lado, sobretudo nos grandes centros, as casas estão cercadas por uma parafernália eletrônica de segurança, com entrada rigorosamente controlada, alarmes contra invasores..., impedindo o acesso  até dos mais próximos (parentes, amigos...). Além disso, vivemos na época dos celulares, do facebook, do twiter, do myspace...; com os amigos a gente troca mensagens eletrônicas em vez de visitas; com os desco-nhecidos, contato virtual descompromissado.
Além disso, há uma doença que afeta praticamente todas as casas: nelas, há muito mais espelhos que nos isolam do que janelas que nos universalizam.
A contemplação narcisista de nosso rosto atrofia o horizonte de nossa vida; o espelho é incapaz de am-pliar nosso mundo afetivo e relacional, não facilita a acolhida, o encontro... O centro do espelho somos nós mesmos.
As janelas abertas, por sua vez, permitem ampliar nosso horizonte. Através delas purifica-se o ar denso, pouco respirável que geramos quando nos fechados em nós mesmos. Elas nos abrem à comunhão com a natureza, com os outros, com a realidade que nos cerca. Elas nos humanizam, pois servem para nos revelar quem somos para os outros e, assim, poder passar da janela à porta que se abre para que eles entrem em nossa vida. Outros rostos precisamos descobrir: concretamente, rostos feridos, excluídos, ca-rentes de proximidade e abraço.

                                    Seja uma CASA sempre aberta: “entrada franca”.
- Nada de “cachorros” que atemorizem o visitante: seu orgulho, seu egoísmo, sua inveja, sua ironia, sua rudeza, seu preconceito.  Que o outro não se retire, suspirando: “Não tive coragem... tive medo que ele me mandas-se embora, que risse de mim, que não me compreendesse...”

- Nada de longas esperas que desanimam: esteja sempre atento, nem que seja para um cumprimento, um sorriso, um aperto de mãos, caso você não tenha tempo para uma conversa.
Uns instantes de intensa atenção basta para acolher o outro.

- Nada de móveis que impeçam a circulação; mantenha sua casa  dis-ponível. Não imponha seus gostos, suas idéias, seus pontos de vista. Nada de retribuições que custam caro: se você oferece alguma coisa, faça-o gratuitamente e nada espere em troca. Nada de contrato oneroso: “entra-se” e “sai-se” à vontade, com naturalidade, sem formalidades...” (Michel Quoist).

- Somos casa: lugar de encontro. Ele vem. Sua presença causa mudança;
                     casa, lugar de lava-pés, do mandamento novo, da amizade, da oração...;
                    casa, lugar de discipulado – olhar, escutar e seguir;
                     casa, lugar de unção-acolhida, serviço e adoração;
                     casa, lugar do Nascimento, da experiência de Ressurreição, de Pentecostes;
                     casa, minha realidade pessoal e lugar de encontro com o outro.
                              Deixe ressoar a voz do Senhor: “Eu quero, em tua casa, celebrar a Minha Ceia!”.


Texto bíblico:  Lc. 1,39-45


Preparar o coração

                                   Deus não é distância e solidão. Ele é comuni-cação, presença, libertação.
Ele está perto. Sua proximidade nos causa espanto: Deus possibilita cada um “entrar” em sua casa e captar em profundidade a sua realidade, perceber a raiz do seu ideal de vida (cada vez mais atraente-convincente-exigente), como também suas contradições, ilusões, medos...
Neste “mergulho” interno, cada um pode construir uma espécie de mapa da própria casa, com as regiões fortes e fracas, vulneráveis e criativas, transparentes e ainda misteriosas...

* “Eis que estou à porta e bato”. Deus é infinitamente vinda, iniciativa...
   Peregrino em nossa direção. Ele bate, querendo entrar e ficar... mas aguarda.
* Aguarda nossa percepção, nosso consentimento. Suas batidas podem nos acordar do sono do egoísmo
   e da  falta de compromisso. 
  Toque que convida à acolhida e à vigilância ativa, à coragem e à confiança.
  O toque divino desperta nosso coração para o novo e nosso “querer”  encontra um novo itinerário:
  “Mestre, onde queres morar?”
- “Vinde e vêde!” Quando o Senhor entra em nossa  casa, tudo se modifica...

Na oração: - Como me sinto em minha casa? Preciso abri-la, arejá-la? Modificá-la? Iluminá-la?
                                                           É acolhedora? Humanizadora?... Tem mais espelhos ou janelas?
                       - como está minha casa interior? Preparada para acolher o Senhor?
                       - há um “lugar sagrado” para Ele? há espaço para os outros?