LÁ PELAS QUEBRADAS DO DESERTO...
“Esta é a
voz daquele que grita no deserto: ‘preparai o caminho do Senhor’” (Lc. 3,4)
Advento:
o despertar de um novo tempo e de um novo mundo.
Advento:
não é só um “tempo litúrgico”, mas uma dimensão básica da vida: estar
atentos à Palavra, porque vem, sempre vem, continuamente, porque Deus é
incansável, porque o Amor é incansável.
É
nesse contexto que o evangelista Lucas afirma com toda firmeza que “a Palavra de
Deus foi dirigida a João, filho de Zacarias, no deserto”. Não em Roma, nem
no recinto sagrado do Templo de Jerusa-lém, mas no deserto.
Em
outras palavras: o acontecimento decisivo de Jesus Cristo é preparado e
acontece fora dos lugares de influência e poder. Assim a Graça e a Salvação de
Deus banham a história. O essencial não está nas mãos dos poderosos; eles que
controlam as diferentes esferas do poder político e religioso, aqui não decidem
nada.
No “deserto” se esconde e se revela uma presença
O pano de fundo deste tempo litúrgico é a
experiência bíblica do deserto onde
se pode escutar melhor o chamado de Deus para transformar o velho mundo.
Deserto passa a ser
tempo de purificação e de vida em marcha: povo peregrino
apegado somente em Deus. O deserto é território da
verdade, o lugar onde se vive do essencial. Não há lugar para o supérfluo. Não
se pode viver acumulando coisas sem necessidade. Não é possível o luxo nem a
ostentação. O decisi-vo é buscar o caminho acertado para orientar a vida.
Por
isso, muitos profetas aspiravam tanto o deserto, símbolo de uma vida mais
simples e melhor enraíza-da no essencial da realidade e de nossas vidas. É em
meio ao deserto que o Batista anuncia o grande “Batismo”, ponto de partida de
conversão, purificação, perdão e início de vida nova.
No deserto Israel aprendeu a descobrir e a
confiar em Javé. Longe da segurança do Egito emerge o que há
no
fundo do seu coração. Os profetas cantam o tempo
do deserto como tempo das obras
maravilhosas de Deus. Foi no deserto
que o povo de Israel sentiu profundamente sua pequenez e total dependência de
Deus. Na travessia do deserto aconteceu
a provação e a intimidade com Javé.
Não
existiam caminhos prontos. Era
preciso discutir, planejar, rezar, lutar e sonhar para fortalecer a caminhada.
No fundo, o Êxodo era uma radical
opção pela liberdade, porque um povo só é livre quando pode escolher o
rumo de seu caminhar.
Deserto: lugar da Aliança, escola da
intimidade com Deus; expressão que, mais do que um determinado lugar, indica uma experiência forte de Deus.
João,
como também todos os personagens bíblicos, fez da experiência de deserto sua peregrinação interior,
confronto com a própria vida, comunhão com o Senhor, descoberta da própria
missão...
Nós
também somos chamados ao deserto.
Ao
tomar distância do viver cotidiano, temos a possibilidade de reconhecer a ação de Deus em nós com outra luz e com
outra força A experiência de deserto
passa a ser “tempo e lugar” de decisão, de orientação decisiva da vida, de
enraizamento de nossos valores, de consciência maior da nossa identidade
pessoal e da nossa missão... O mestre do deserto é o silêncio; o deserto tem
valor porque revela o silêncio, e o silêncio tem valor porque nos revela
Deus e a nós mesmos.
O
deserto é o grande auditório para
ouvir Deus; “solidão” cheia de presença. Ainda que sozinhos, sentimo-nos
solidários, em comunhão com todos. A proximidade de Deus vai ser sentida e
percebida.
“O deserto é fértil” (D. Helder)
Com
sua austeridade e simplicidade, o deserto
não é lugar de experiências superficiais.
A
profundidade da identidade de uma pessoa é testada e experimentada no deserto.
Quem
anda no deserto sente profundamente o que é
o “nada”; o deserto grita o nosso “nada”,
nos coloca entre a areia e o céu, o nada e o Tudo, o eu e Deus.
A
prática do “deserto” é um fator
sempre presente em toda procura séria de Deus.
Portanto:
o deserto é o lugar do encontro:
* encontro consigo no despojamento, onde a pessoa reconhece sua
radical pobreza;
* encontro
com os outros pela capacidade que se adquire de uma comunicação que brota
de dentro;
* encontro
com Deus que se faz sentir em cada etapa do caminho, como o grande
Peregrino.
Caminhar
para o deserto é “fugir” das
falsas seguranças e das certezas estabelecidas, dos apegos, das dependências...
Pode-se fugir para o droga, fugir para o trabalho, fugir para o imaginário ou a
fantasia, fugir para a obediência cega ou o fatalismo... mas o importante é
saber do que se está fugindo: seria da realidade daquilo que somos? No deserto
não se pode esquecer “quem somos e o que somos”.
Fugir
para o deserto não é fugir do mundo, mas “fugir para Alguém”,
“fugir
sozinho para o Só” (Plotino);
fuga
que é muito mais um impulso do coração, “desejo de conhecer como sou
conhecido, desejo de amar como sou amado”, “fugir para Deus”, “fugir unificado,
para o único Um”.
Fuga
da dispersão, da agitação, da “normose”, do tarefismo...; fugir do que nos
desvia daquilo que consi-deramos como o essencial, fuga que nos conduz a uma
busca do sentido de nossa existência; isto signifi-ca não querer conhecer outro
“senhor” senão Deus; é d’Ele e só d’ele que nos vem a vida e o sentido da nossa
existência.
Nesse
sentido, o Advento torna-se um “estar com João” no deserto,
para, como ele, dar a Deus o lugar central de nossa vida. O deserto é
“caminho”; o deserto não convida à permanência; é tempo intermédio, “existência
provisória”, carregada de ansiedade e expectativa, não como uma mera
“passividade negativa”, mas um estímulo para a construção, antecipação do final
para o qual se tende.
Para
quem crê, o deserto é lugar de passagem e de purificação: nele se cobra maior
consciência da meta, a terra nova onde habitará a justiça.
O Advento é um tempo em que damos maior liberdade a Deus para agir em
nós; é abrir espaço, alargar o coração para a ação de Deus. É tempo de re-construção de si (conversão), de
retomada da opção fun-damental por Deus e pelo seu Reino (maior serviço, mais compaixão, mais partilha, mais
solidariedade...).
Texto
bíblico: Lc.
3,1-6
Na oração: Como
responder hoje a este cha-
mado? O Batista resume numa imagem tomada de Isaías: «Preparai o
cami-nho do Senhor». Nossas vidas estão semeadas de obstáculos e resistências
que impedem ou dificultam a chegada de Deus aos nossos corações e comunidades,
à nossa Igreja e ao nosso mundo. Deus está
sempre perto. Somos
nós que temos de abrir caminhos para acolhê-lo encarnado em Jesus.
As
imagens de Isaías convidam a compromissos muito básicos e fundamentais: cuidar
melhor do essencial, sem distrair-nos no secundário; retificar o que foi
deformado entre nós; endireitar caminhos tortos; acolher a verdade real de
nossas vidas para recuperar um impulso de conversão.
-
qual é o seu estado de ânimo e disposição para viver este Advento?
- Você está preparado para a travessia
do deserto? Está disposto a “caminhar”, a “sair”?
- Você está disposto a ser mais servidor,
mais acolhedor,
mais atento
aos outros... neste Advento?
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