ADVENTO: passagem do “fazer” ao
“ajudar”
“As
multidões perguntavam a João: ‘Quê devemos fazer?’” (Lc. 3,10)
“O povo estava na expectativa...”:
uma bonita maneira de indicar uma atitude positiva de espera diante de João
Batista que, sob o impulso da Palavra brotada no deserto, tocou o coração de
muitas pessoas; seu chamado à conversão e seu apelo a uma vida mais fiel a Deus
despertou em muitas delas uma pergunta concreta: “Quê devemos fazer?”. Com algumas pinceladas João reforça a
necessidade de mudar a maneira de pensar e de agir; isto é, desatar o que já
está presente em nosso coração: o desejo de uma vida mais justa, digna e
fraterna.
João
não fala do cumprimento minucioso das normas legais ou dos ritos religiosos. Em
nenhum caso faz alusão à religião; o que ele pede a todos é melhorar a
convivência humana. De fato, uma religiosidade que não se alarga em direção aos
outros não é a religiosidade que Deus deseja.
Ou seja, não se trata
propriamente de fazer coisas nem de assumir deveres, mas ser de outra maneira,
viver de forma mais humana; trata-se de que, a partir do centro de cada pessoa,
aquilo que é o verdadeiramente humano, flua humanidade em todas as direções.
Que todo o ser se mova na perspectiva do amor oblativo.
No entanto, corremos o risco de transformar o “fazer”
em simples ativismo, ou seja, uma ação desprovida de sentido e de
direção. De fato, vivemos mergulhados numa cultura de resultados,
distraídos e perdidos na variedade de luzes, cores, sensações fugazes,
vivências superficiais... A existência inteira faz-se maquinal e rotineira.
O cotidiano torna-se convencional e, não
raro, carregado de desencanto, pesado, estressante... Corremos o risco de sermos apenas imitadores
ou repetidores, pois tememos nos perder na busca do novo; as respostas
são confirmadas e as perguntas silenciadas.
Vivemos a “compulsão da utilidade”,
preocupando-nos unicamente com o “fazer habitual” que não
tem maior impacto na realidade social-eclesial,
não muda nada...
De
fato, muitas vezes vivemos, no cotidiano da vida, o drama da desintegração:
atividades soltas, des-providas de inspiração e criatividade, num ritmo
burocrático e sem o exercício da avaliação das mesmas. Falta uma referência e
um horizonte que unifique tudo, que possibilite reorientar e canalizar nossas
potencialidades, impulsos, inspirações, que desperte nossa paixão e dê novo
sentido à nossa missão.
Com isso,
nossa missão se transforma em pura “fazeção”, ou seja,
fazer por fazer, fazer para afirmar-se, fazer para brilhar, fazer para
produzir, fazer para se impor...
Para
integrar bem os diversos dinamismos da vida, é decisivo centrar no horizonte
que inspira nossa missão e nos motiva a fazer o que fazemos e como
fazemos. E o horizonte é “ajudar”.
“Ajudar” é, para a espiritualidade do
Advento, o horizonte e a chave de integração de nossa vida.
“Ajudar”,
como
atitude pessoal e comunitária, é o equivalente evangélico “servir”. Um
“ajudar” (servir) que brota da experiência de ser “ajudado”
(servido) por um Deus servidor.
No
“ajudar” dão-se as mãos o amor a Deus e o amor à pessoa humana, a
experiência interior e a ação cotidiana, a ação e a contemplação; nele se
expressa a profundidade e o enraizamento da pessoa nas exi-gências cotidianas
da vida; nele convergem a busca de Deus e o compromisso com o mundo.
“Ajudar” nos remete a
uma espiritualidade ativa, mas que não consiste meramente em “fazer”, nem
se acomoda com qualquer forma de fazer; ele nos permite olhar o global e
comprometer-nos com o particu-lar. “Ajudar” pede um coração magnânimo,
ou seja, grandeza de sonhos, de ânimo e de desejo; mas, ao mesmo tempo ele nos
convida à humildade, ou seja, abrir-nos às necessidades do outro,
descer ao nível do outro, renunciando nossos próprios critérios, modos fechados
de viver...
“Ajudar” é oposto do ativismo, que é um
fazer “insensato”, sem sentido e sem direção. “Ajudar” é fazer
com inspiração, com horizonte de sentido; é perguntar-nos continuamente: “por que
fazemos isso? para
quem
fazemos?...
“Em
quê posso ajudar?”
(D. Luciano M. de Almeida)
“Ajudar” nos permite
“trabalhar descansadamente”, encontrando prazer e humor naquilo que fazemos,
porque iluminado por um horizonte que nos atrai.
Para
“ajudar” de verdade, é necessário em primeiro lugar, que nosso fazer
esteja atravessado de visão (de Deus, de ser humano de mundo), de
escuta, de atenção, de compaixão e contemplação da realidade na qual estamos
inseridos, e das pessoas a quem somos chamados a ser presença solidária; que
não seja, simplesmente, a aplicação de um plano ou esquema pré-estabelecido,
pensado a partir de nós mesmos.
“Ajudar”
não vai na linha do impor, senão do propor. Trata-se, isso sim, de propor com
qualidade, com firmeza, com proximidade, com compromisso pessoal, tendo cuidado
especial na arte do acompanha-mento. Isso requer presença gratuita,
desinteressada, centrada no bem da outra pessoa, sem criar depen-dências, mas
fazendo o outro crescer em liberdade.
“Ajudar” implica possibilitar ao outro ser protagonista de seu processo, devolver ao
outro a autoria, a autonomia... No “fazer” o centro somos nós, no
“ajudar” é o outro; no “fazer” medimos a
quantidade, no “ajudar”, a qualidade de nossa ação. No “ajudar”
há parceria (mão dupla): na medida em que ajudamos, somos ajudados; na
ajuda há um enriquecimento e crescimento mútuo.
“Ajudar”
não é substituir os outros naquilo que eles podem e tem de fazer, ou dizendo o
que tem de ser feito, mas colocá-los em condição de que eles mesmos se
experimentem ajudados, descubram por isso o Deus que ajuda a todos e sintam o
impulso para ajudar a todos como ideal de suas vidas.
A prioridade
da atenção aos outros nos obriga a pensar, a inovar, a propor de uma outra
forma, a mudar... Só assim, quando nosso fazer é dinâmico, ele se
transforma em “ajudar”. O carinho e a sensibilidade para
com os outros, o desejo profundo e sincero de “ajudar” é o que
vai nos mobilizar.
Se a lógica
profunda do nosso fazer é “ajudar, devemos fazer
mais por aqueles que mais ajuda necessi-tam, por aqueles mais desvalidos, que
são mais fracos, que estão mais desprotegidos...
Além disso, “ajudar”
tem maior visibilidade quando a missão é vivida em grupo, quando a colaboração
com outros e a partilha em comum tornam-se um “modo de proceder”,
esvaziando-nos de toda pretensão de sermos proprietários para sermos
simples servidores.
“Ajudar” os outros, inspirados e animados
pelo Espírito de Jesus, é o que torna “espiritual” nossos atos,
nossos pensamentos e orações, nossos trabalhos, nossa vida inteira.
“Ajudar”
faz “espiritual” nossa vida, toda nossa vida.
Quem vive o clima do Advento não
é prisioneiro da “cotidianidade”; toda a nossa vida se transforma
na história de uma espera e de um encontro surpreendente. Nessa espera
vislumbramos detalhes decisivos: a vivência da ternura, a reinvenção da vida em
cada amanhecer, a gratuidade amorosa, a alegria descon-trolada, o despertar de
sonhos... Espera-se Jesus vivendo os valores que Ele encarnou: o cuidado
dos pobres, o coração dilatado no serviço, o cuidado terapêutico, a ajuda
gratuita...
Nessa atitude de espera o cristão
pode dar sabor à sua vida: nos pequenos gestos ela floresce e aponta para um sentido
novo.
Texto bíblico:
Lc. 3,10-18
Na oração: sua
missão como seguidor(a) de Cristo: simples ativismo burocrático ou espaço de ajuda
criativa?
* Como
cristãos, como podemos responder frente ao chamado tão simples e tão humano de
João Batista?
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