“O PESO DA ALMA É O AMOR” (S.
Agostinho)
“...amarás o
Senhor teu Deus de todo o teu coração... amarás o teu próximo como a ti mesmo”
Paixão por Deus e compaixão
pela humanidade: nestas duas atitudes Jesus condensa a totalidade dos
mandamentos bíblicos, ou seja,amar a Deus e amar o próximo.
São dois amores diferentes, mas
inseparavelmente unidos. Estão unidos, porque não se pode amar verda-deiramente
a Deus sem amar o irmão. E o verdadeiro amor pelo irmão tem suas raízes no amor
a Deus.
Estes dois mandamentos já estão
presentes no AT, mas separados (Deut. 6,4; Lev. 19,18). Jesus tem a genialidade
de mostrar que o “segundo
é como o primeiro”, e não só em importância, mas em essência, de tal
maneira que nenhum dos dois pode existir sem o outro.
A pergunta feita
a Jesus torna-se ocasião para ajudar a recuperar o essencial,
descobrir o “espírito perdi-do”: qual é o mandamento principal? O que é
essencial? Onde está o núcleo de tudo?
O Amor,
essência de Deus, é também essência do ser humano, criado à Sua imagem. Quando
amamos não é necessário dizer que Deus está em nosso coração porque, de uma
maneira melhor, estamos no coração de Deus, participamos do próprio dom de seu
Amor.
Quando esquecemos
o essencial, facilmente corremos o risco de mergulhar na mediocridade piedosa
ou na casuística moral, que não só nos incapacitam para uma relação sadia com
Deus, senão que podem desfigurar e destruir as relações com as pessoas.
O seguidor de Jesus sabe que toda
expressão de amor tem um alcance
divino.
Uma das maiores razões para o
Amor ser uma experiência de expansão se deve à sensação de imortalidade e
eternidade que nos proporciona. Quem ama vê o tempo se alargar e a vida ganhar
mais sentido.
Em outras palavras, o Amor traz
em si a marca da eternidade, pois se trata da “faísca
de Javé”, colocado por Deus no coração do ser humano. O Amor
impregna o ser humano. Amor não é apenas uma função, uma área, um momento. Amor
é onipresença.
O amor
nasce em Deus como um rio imenso que envolve toda pessoa, iluminando e
transformando sua existência. O cristão não se encontra submetido a uma espécie
de exigência tirânica, obrigado a cumprir, no limite de suas forças, alguns
mandatos alheios a seu ser.
“Amar a Deus com
todo o coração”é reconhecer humildemente o Mistério último da vida,
orientar confiadamente
a existência de acordo com sua vontade: amar a Deus como força criadora e
salvadora.
Nas duas tradições, judaica e
cristã, o centro da pessoa é o coração.
Amar é fazer tudo com o coração.
Falamos do Amor Ágape que transborda, que nada pede em troca. Amor Ágape não é
o amor que sacia minha sede, pois ele não nasce da minha sede, mas ele nasce da
minha fonte. Não é o amor da falta, da carência, mas é o amor da plenitude.
É esta gratuidade do amor em que
se ama por nada. Amar sem ter nada de particular para amar. Amor como dom
gratuito de si mesmo. Não é motivado pelo valor do outro, isto é, pela recompensa
que meus gestos de amor podem trazer-me. Este amor não implica necessariamente,
mas também não exclui a reciprocidade do dom de si mesmo. Com efeito, neste
caso não se ama o outro porque ele é bom, mas para que seja melhor, já que o
amor quer o bem do amado.
O amor ágape é expansivo: nos alarga
através dos nossos membros, mãos e pés.
Podemos dizer
que o amor tem mãos e pés: mãos que cuidam, curam,
abençoam... e pés que nos arran-cam de nossos lugares rotineiros e nos deslocam
para as margens, para o mundo dos pobres...
Quando o Amor
nos habita tudo se torna sagrado. Não há “Terra Santa”, há uma maneira santa de
cami-nhar sobre a terra. “O Amor é o que diz ‘sim’, em nós”: sim à vida, sim ao
compromisso, sim à com-paisão...
O texto do Evangelho de hoje não
só reafirma o amor ao próximo, mas, ao mesmo tempo, realça sua modalidade: “ame a seu
próximo como a si mesmo”.O que significa amar o próximo “como a si
mesmo”?
Segundo a Biblia, é a prioridade
do outro em relação a mim.
“Amar o outro como a si mesmo” não
quer dizer, portanto, amar o outro do mesmo modo com que o eu se ama
naturalmente e espontaneamente, e sim colocando o outro no lugar do próprio eu,
afirmando sua precedência e sua prioridade sobre o eu e, assim,
impedindo o movimento originário do eu em direção ao próprio eu, a fim de
instaurar o movimento do eu em direção ao outro.
Podemos, então,
entender o“como
a si mesmo” como:“ame seu
próximo, é você mesmo”; “esse amor aopróximo é você mesmo”; “ame o seu próximo,
tudo isso é você mesmo”; “ame o seu próximo, porque o seu próximo é justamente
como você mesmo”.
O mandamento bíblico do amor
implica, pois, a “inversão
da direção de vida do ser humano natural” (movimento “do eu em
direção ao eu”) e a instauração da vida como vocação para amar. Trata-se do
amor de alteridade onde o eu sai de sua pátria para não mais aí voltar, e sim
para encontrar uma outra pátria.
O mandamento do amor é, portanto,
um “contínuo êxodo” do eu para o outro. É da presença desse próximo que o eu
é liberto e gerado para a nova identidade de responsável, de quem deve
responder e não pode deixar de responder pelo outro que
passa ao seu lado.
Cada vez que o ser
humano ama a fundo perdido, os ciclos vitais se concentram. Só aquele que ama
vive de verdade, amadurece antes. E é que o amor dá à liberdade a densidade de
destino. O amor só se compreende a si mesmo na auto-doação, no descentramento
de si.
O amor é uma força unitiva: une
os corpos, as mentes, os espíritos e as vontades; une as pessoas e as
sociedades, não para além de suas diferenças, mas precisamente com suas
diferenças.
O amor converte a diferença em
riqueza; o amor enche a vida de sentido. Ali onde falta o amor, as pessoas se
sentem vazias e se separam cada vez mais umas das outras. O mais grave é que ali onde falta o amor
corre-se um sério perigo de morte.
Nosso coração
exige de nós que as coisas mais belas, as mais amadas - começando pela própria
vida e pelo próprio amor - não tenham ocaso. Este é nosso destino feliz,
bem-aventurado e abençoado, que já começou, ainda que não tenha chegado à sua
plena manifestação.
Texto bíblico:Mt 22,34-40
Na oração:- entoar um hino delou-
vor e gratidão a Deus pelo Seu “amor
em excesso” que se revela no cotidiano
da vida;
- ter sempre presente na memória que fomos criados para viver em relação de amor e
solidariedade com todos.