“...E A MÃE DE JESUS ESTAVA PRESENTE”
Entre os personagens
próximos de Jesus, poucos como Maria. Dela não se diz muita coisa nos
evangelhos, mas o que se diz é surpreendente. Mãe, testemunha, seguidora,
servidora, presente... Uma mulher fiel a Deus e capaz de ver mais além do
cotidiano e estabelecido; uma mulher capaz de ver diferente.
Onde
outros viam uma loucura, Maria viu um horizonte; onde muitos tinham visto uma
transgressão, ela intuiu a promessa de Deus; onde tantos teriam estremecido
diante da proposta de Deus e teriam exigido mais provas, mais seguranças ou
mais garantias, Maria exclamou: “faça-se”. Onde a lei era a referência e a
condenação, ela foi capaz de cantar a grandeza do Deus que está com os mais
simples e quebra as estruturas estabelecidas; onde tudo era convencional,
Maria, com uma acolhida feita de valentia, confian-ça e entrega, foi capaz de
colaborar com Deus de modo radical; onde todos viam o desenlace frustrante e
triste deuma festa de casamento, ela “viu e antecipou a hora de seu Filho”...
Porque estava sempre presente.
Porque estava presente a Deus, Maria fez-se presente
nos momentos decisivos de seu Filho, bem como fez-se presente na vida das
pessoas. Uma presença que faz a diferença: presença solidária, marcada pela
atenção, prontidão e sensibilidade, próprias de uma mãe.
Sua presença não era presença
anônima, mas comprometida; presença expansiva que mobilizou os outros, assim
como mobilizou seu Filho a antecipar sua “hora”.
Nas bodas de
Caná, a novidade está numa nova forma de presença de Maria, que não se encontra
interessada, em princípio, por fazer coisas, por resolver problemas, senão para
traçar uma presença. Ela não está aí para “arrumar” as coisas, mas para escutar
e compartilhar um momento festivo. Ela se encontra presente, num gesto de
solidariedade que transcende e supera toda atividade.
Trata-se de uma presença que é “música calada” nos
lugares cotidianos e escondidos, que sabe enterne-cer-se e escutar as
inquietações que procedem desses lugares. Uma presença que descobre o próximo
no próximo, que sabe resgatar a solidariedade na vida cotidiana. Uma presença
que se manifesta na ausência de recompensa ou de interesse próprio.
Em definitiva,
Maria descobre que é chamada a dar de graça o que de graça recebeu. Sabe entrar
em sintonia com os sentimentos dos outros e construir vida festiva, e vida em
abundância.
Sua presença
revela um gesto profético de solidariedade e de anúncio: presença que aponta
para uma outra presença, a de seu Filho. Sua presença dignificae revela um novo
sentido à presença de Jesus numa festa de Casamento.
A
presença silenciosa, original e mobilizadora de Maria des-vela e ativa também
em nós uma presença inspiradora, ou seja, descentrar-nos para estar
sintonizados com a realidade e suas carências. Tal atitude nos mobiliza a
encontrar outras vidas, outras histórias, outras situações; escutar relatos que
trazem luz para nossa própria vida; ver a partir de um horizonte mais amplo,
que ajuda a relativizar nossas pretensões absolutas e a compreender um pouco
mais o valor daquilo que acontece ao nosso redor; escutar de tal maneira que
aquilo que ouvimos penetre na nossa própria vida; implicar-nos afetivamente,
relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas e títulos; acolher na própria
vida outras vidas; histórias que afetam
nossas entranhas e permanecem na memória e no coração.
Disto se trata: aprender dos outros;
recarregar nossa própria história de um horizonte diferente, no qual cabem
outras possibilidades e outras responsabilidades; descobrir uma perspectiva
mais ampla que ajuda a formular melhor o sentido de nossa própria vida.
Evidentemente,
nem toda presença é “saída de si”;
uma pessoa pode passar pelos lugares sem que os lugares deixem pegadas; ela
pode tocar a superfície das coisas e das vidas, mas esse contato deixa pouca
memória e que logo desaparece. Com isso não há encontro nem aprendizagem.
Quando
a pessoa se faz presença que
desemboca no verdadeiro encontro, ela se expõe, se faz vulnerável, se deixa
afetar... Mas essa é a oportunidade para transformar os olhares e os gestos de
quem se atreve a sair dos horizontes conhecidos.
São muitos os encontros que são
fecundos para quem se faz presente e para quem acolhe esta presença. São muitas
as pessoas cujas vidas ganham em seriedade, em profundidade, em compaixão e em
alegria autêntica ao fazer esse caminho de saída de si. São muitas as pessoas
que, em contato com vidas e histórias diferentes e reais, compreendem melhor
suas próprias vidas e sua responsabilidade.
O seguimento de Jesus nos mobiliza e nos expande na direção dos
outros.
“O discípulo-missionário é um descentrado: o centro é Jesus Cristo que
convoca e envia. O discípulo é enviado para as periferias existenciais. A
posição do discípulo-missionário não é a de centro, mas de periferias: vive em
tensão para as periferias” (Papa Francisco)
Quê significa “fronteiras geográficas e existenciais”.
É preciso sair dos limites conhecidos; sair de nossas seguranças para
adentrar-nos no terreno do incerto; sair dos espaços onde nos sentimos fortes
para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis; sair do
inquestionável para enfrentarmos o novo...
É decisivo estar dispostos a abrir espaços em nossa
história a novas pessoas e situações, novas vivências, novas experiências...
Porque sempre há algo diferente e inesperado que pode
enriquecer-nos...
A vida está cheia de possibilidades; inumeráveis caminhos
que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em nossas vidas;
desafios, provocações, aprendizagens, motivos para celebrar... lições que
aprenderemos e nos farão um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais simples...
A fronteira passa a ser terra privilegiada onde
nasce o “novo”, por obra do Espírito. Ali aparece o broto original
do “nunca visto”, que em sua pequenez de fermento profético torna-se um desafio
ao imobilismo petrificado e um questionamento à ordem estabelecida.
Isso pede de
todos nós uma atitude de abertura e de deslocamento frente ao outro, o que
implica colocar-nos em seu lugar, deixar-nos questionar e desinstalar por
ele... Nosso desafio não é fugir da realidade, mas aproximarmos dela com todos
os nossos sentidos bem abertos para olhar e contemplar, escutar e acolher,
percebendo no mais profundo da mesma a presença ativa do Deus que nos ama com
criatividade infinita, para encontrar-nos com Ele e trabalhar juntos por seu
Reino.
O discípulo missionário não é aquele
que, por medo, se distancia do mundo, mas é aquele que, movido por uma radical paixão, desce ao co-ração da
realidade em que se encontra, aí se encarna e aí revela os traços da velada presença do Inefável.“Encontrar,
a experimentar Deus em todas as coisas... a Ele em todas
amando e a todas n’Ele” (S. Inácio).
Deus emerge na densidade das
coisas, das pessoas e dos acontecimentos.
Quem está em sintonia com esta Presença, vive uma festa permanente.
Texto
bíblico :Jo 2,1-11
Na
oração: por onde
você tem transitado normalmente? Somente por
lugares conhecidos, junto às pessoas amigas? Sua
presença eleva, anima, desperta os outros?
Você se deixa afetar pelas presenças provocativas?
os pobres? os marginalizados? as minorias?
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