sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Amigos e amigas, está acontecendo em Roma o Sínodo Extraordinário dos Bispos sobre a Família. Certamente, um dos assuntos polêmicos é o da participação na Comunhão eucarística por parte dos divorciados que voltaram a se casar.


Se Jesus deu a Comunhão a Judas Iscariotes, com maior razão daria aos separados e divorciados que voltaram a se casar

 

Marco Antonio Velásquez Uribe

Revista: Reflexión y Liberación - Chile

 

Entre os dias 5 e 19 de outubro próximo realizar-se-á em Roma a Assembléia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos para a Família, convocado pelo papa Francisco.

As expectativas do Povo de Deus foram realçadas com o chamado “Questionário do Papa” que, apresentado em 2013, surpreendeu pela audácia evangélica ao entrar nas profundezas da vida familiar.

Revelava, assim, a intenção clara da Igreja por compartilhar “as alegrias e as esperanças, as tristezas e asangústias dos homens e mulheres de nosso tempo, sobretudo dos pobres e daquele que sofrem” (GS 1).

Em seguida, as respostas, analisadas no “InstrumentumLaboris” (publicado no dia 26 de junho de 2014), deixaram a descoberto o que todos intuíam: a enorme brecha entre os ensinamentos morais da Igreja e a vida dos fiéis; em síntese, a conhecida diferença entre a ortodoxia e a ortopráxis.

 

No intervalo de tempo transcorrido entre a convocação do Sínodo e o começo do mesmo aconteceram uma séria de fatos significativos, que trouxeram à tona a existência de um grave conflito no interior da Igreja e que se refere ao chamado problema da “comunhão dos separados e divorciados que voltaram a se casar”. O conflito atualiza as diferenças entre aqueles que defendem as questões dogmáticas e os pastoralistas. Trata-se de esclarecer teologicamente o âmbito da Lei e o da Misericórdia. Replica-se, assim, a mesma polêmica com a qual o Filho de Deus era reiteradamente confrontado pelos mestres da Lei.

 

Antecipando-se em alguns dias à convocação do Sínodo, o cardeal Gerhard Muller publicou no L´Osservatore Romano (23 de outubro de 2013) o documento “A força da graça”, onde enfatizava a doutrina da indissolubilidade do matrimônio. Poucos dias depois (7 de novembro de 2013) o cardeal Reinhard Marx declarou publicamente que “o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé não pode acabar com adiscussão” sobre o tema dos divorciados que voltaram a se casar, por ser matéria do esperado sínodo. Posteriormente, no consistório realizado em fevereiro de 2014 em Roma, o cardeal Walter Kasper expôs um extenso documento, encarregado pelo próprio papa Francisco, para iluminar os caminhos de abertura à comunhão dos separados e divorciados que voltaram a se casar. O papa, no dia seguinte, elogiou efusivamente o trabalho do cardeal Kasper dizendo que “isto se chama fazer teologia de joelhos”, numa clara alusão à teologia da misericórdia.

 

Faltando poucos dias para o Sínodo, um grupo de cinco cardeais (Gerhard Muller, Raymond Burke, Walter Brandmuller, Carlo Caffarra e Velasio de Paolis) e quatro teólogos (Robert Dodaro, John Rist, Paul Mankowski e Cyril Vasil) publicaram o livro “Permanecendo na verdade de Cristo: matrimônio e comunhão na Igreja”, destinado a dar uma resposta contundente ao documento do cardeal Kasper que sustenta o espírito de misericórdia do papa. Recentemente, no dia 17 de setembro, o mesmo cardeal Kasper manifestou com gravidade a surpreendente irrupção deste livro, dizendo “nunca me havia acontecido nada parecido em toda minha vida acadêmica”, e acrescenta que “durante o Concílio Vaticano II e no pós-Concílio existiam asresistências de alguns cardeais frente a Paulo VI, inclusive por parte do então Prefeito do Santo Ofício. Mas, se não me equivoco, não com esta modalidade organizada e pública”.

Articula-se assim uma oposição organizada contra a práxis da misericórdia. E sendo a misericórdia o selo distintivo do pontificado de Francisco, fica assim também definida a oposição organizada para com seu pontificado.

 

O argumento em favor da abertura (fundado na misericórdia) recorre a considerações escatológicas frente à realidade do fracasso conjugal. Em tal caso apresenta a obrigação da Igreja de oferecer uma “tábua de salvação” que permita às pessoas envolvidas, enfrentar as exigências da vida familiar.  Justifica assim a acolhida de alguns casos de segundas núpcias que permitiriam saltar os impedimentos que a inquestionável indissolubilidade conjugal impõe. Paralelamente busca-se expedir os processos de anulação matrimonial, removendo assim um obstáculo para o acesso à Comunhão Sacramental.

 

 

É evidente que o núcleo do conflito teológico enraíza-se no princípio da indissolubilidade do matrimônio; um conselho que emana do direito natural como a melhor garantia para fundar o núcleo essencial da família e da sociedade, referendado pelo mesmo Jesus Cristo, que recorda a Lei mosaica dizendo: “O que Deus uniu, ohomem não separe” (Mt 19,6).

Se a indissolubilidade do matrimônio é inquestionável, os argumentos em favor da abertura parecem aproveitar daoportunidade para habilitar a centralidade da misericórdia que permita aos separados e divorciados recasados o acesso à comunhão .

Mas, é a indissolubilidade o núcleo do problema do acesso à Comunhão Sacramental?

O núcleo da dificuldade para ter acesso à Comunhão Sacramental parece estar na condição dogmática da faculdade para comungar, qual seja, o comungante encontrar-se em estado de graça, vale dizer, livre de pecado mortal.

 

No Novo Testamento, onde nasce a Comunhão Sacramental, não existe nenhuma evidência que indique que para receber o Corpo e o Sangue do Filho de Deus seja necessário estar em estado de graça. Mais ainda, na Primeira Comunhão da história, ocorrida por ocasião da Última Ceia (na instituição da Eucaristia), comunga-ram com Jesus Cristo seus doze apóstolos, incluído Judas Iscariotes. Alguns Evangelhos dão conta que Judas já não estava em estado de graça no momento de comungar.

Com efeito, o Evangelho de Lucas relata: “Satanás entrou em Judas, chamado Iscariotes, que era um dos Doze.Então ele saiu, e foi tratarcom os sumos sacerdotes e os oficiais da guarda do Templo, sobre a maneira de entregar Jesus”.  (Lc 22,3-4)

 

Judas, levando em seu coração o gravíssimo pecado da traição, tem acesso à Comunhão Sacramental com pleno consentimento do próprio Filho de Deus, que, logo após compartilhar “o cálice da nova aliança”, adverte seus apóstolos: “Cuidado! A mão do homem que me atraiçoa está servindo comigo, nesta mesa. Sim, o Filho do Homem segue o caminho que lhe foi fixado; mas, ai daquele que o entrega!”(Lc 2,21-22).

(Inclusive no Evangelho de João, o apóstolo explicita um gesto significativo de Jesus: “Tendo umedecido o pão,ele o toma e dá a Judas Iscariotes, filho de Simão. Nesse momento, depois do pão, Satanás entrou em Judas. Então Jesus lhe disse: ‘o que tens a fazer faze-o depressa” (Jo 13,26-27).

Então, é evidente que o próprio Jesus Cristo, “o que tira o pecado do mundo”, estava em total consciência do grave pecado de Judas; condição que não impediu que o Filho de Deus lhe concedesse o sacramento da comunhão. Como consequência, Jesus Cristo deu a Comunhão Sacramental a Judas Iscariotes, embora tivesse plena consciência de que não estava em estado de graça.

 

Com o gesto eloquente de Jesus Cristo na Última Ceia, fica o desconcertante testemunho que Jesus não impede a Comunhão Sacramental em um caso de pecado de extrema gravidade, como é a traição de Judas.

Logo, tudo indica que o Filho de Deus não negaria o sacramento da comunhão às pessoas que com muitíssimo menos culpa, fracassaram na vida, como é o caso das pessoas separadas e divorciadasque voltaram a se casar.

Assim, fica claro que Jesus Cristo ao instituir o Sacramento da Eucaristia, elevou também a misericórdia à altura do sinal mais sublime da acolhida cristã manifestado na Comunhão. Nesse momento solene, Jesus Cristo – Sumo e Eterno Sacerdote – testemunha com fatos o que ensinou previamente: “Não são os que tem saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Ide, pois, e aprendei o que significa: Misericórdia é que eu quero, e não sacrifício. Com efeito, eu não vim chamar os justos mas os pecadores” (Mt 9,12-13). Atualizava assim aquela advertência profética de Oséias: “Quero misericórdia e não sacrifícios” (Os 6,6).

 

Visto assim, fica claro que Jesus Cristo, antes de padecer, estava deixando a seus apóstolos um novo mandamento pastoral:“Não negarás meu Corpo e meu Sangue”. Porque é impensável imaginar Jesus Cristo negando a Comunhão Sacramental a uma mulher ou a um homem, deixando-os famintos e sedentos do amor sacramental de Deus, especialmente quando mais precisam do alimento fecundo de seu Corpo e de seu Sangue para animá-los a assumir os duros desafios da vida e das obrigações familiares.

 

 

www.reflexionyliberacion.cl

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