segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Lc. 14,1.7-14- Evangelho de 01/09/2013.


MESA: tão simples e tão provocativa

 

“Quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos”.  (Lc 14,14)

 

Uma das chaves de compreensão da pessoa de Jesus é a relação d’Ele com a “mesa da refeição”.

Em todos os encontros de Jesus com os excluídos do Reino, Ele sempre os incluiu em suas refeições.

Essa foi a sua atitude que mais causou espanto e escândalo: a partilha nas mesas com pobres e pecado-res. Para Jesus, a mesa é para ser compartilhada com todos; a partilha do pão com publicanos e pecadores fazia parte das práticas transgressoras de Jesus.

Comendo e bebendo com todos os excluídos, Jesus estava transgredindo e desafiando as formalidades do comportamento social e das regras que estabeleciam a desigualdade, a divisão, a separação...

Jesus revelava uma grande liberdade ao transitar por diferentes mesas; mesas escandalosas que o fazi-

am próximo dos pecadores, pobres e excluídos. Ele não só transitou por tantas mesas, mas instituiu a grande mesa para a festa, a intimidade, a memória: a “mesa da Ceia Pascal”.

 

A partir do compromisso de Jesus com a “mesa da vida”, nossa refeição à mesa nunca mais foi a mesma, pois Ele elevou  e plenificou de sentido da mesa-refeição.

A humanidade descobriu junto à mesa o melhor jeito de se encontrar para celebrar a vida, reconstruir relações mais saudáveis, romper as distâncias e superar as desigualdades.

Em muitas culturas, a mesa da refeição é, ainda, o lugar mais importante da casa.

Para a “mesa da refeição” convergem todos os encontros; ela é o centro para onde se voltam mentes e corações e não apenas estômagos vazios; ela se torna o grande palco da vida e  nesse palco todas as histórias pessoais e coletivas são recontadas, revividas e revitalizadas, dando sentido à vida cotidiana.

Em cada encontro uma surpresa, uma riqueza revelada para os que se aventuram dela tomar parte.

O “pôr-se-à-mesa” é mais do que aproximar-se da fonte da alimentação. É procurar a comunhão, a união, o convívio. Por isso, os que se assentam junto à mesa são “comensais” (companheiros de mesa).

A mesa tem o poder de romper fronteiras e hierarquias, pois quem dela se aproxima é bem-vindo por ser pessoa, gente, e não por ostentar títulos, status... A mesa é sempre oblativa, acolhedora, congrega as diferenças, quebra as hierarquias sociais...

A mesa funciona, então, como oportunidade ou lugar privilegiado, onde se elabora e se vive um encontro de profundidade. A mesa faz a família, reforça a fraternidade, intensifica a amizade.

 

Podemos afirmar que, partindo da “espiritualidade da mesa”, em torno do gesto de comer em comum, desvelamos um “modus vivendi” de um determinado povo, sua vida, seus hábitos e seu jeito de ser.

A nossa conduta numa refeição revela também o nosso agir social. Nesse encontro, nós comensais, vamos tecendo relações sociais de diálogo, de projetos, de compromissos...

Em última instância, o que nos reúne junto à mesa não é o simples fato de poder comer; existe, antes, algo que nos mantém unidos: um ideal, uma amizade, um laço de família, uma função comum, um acontecimento... Supõe-se que reine entre nós um conhecimento mútuo, ou ao menos um desejo profundo de estreitar laços de amizade.

Nós nos aproximamos da mesa como quem está diante de um território sagrado, porque sagrados são os alimentos e quem deles se alimenta.

À “mesa da refeição” encontramos pessoas abertas, lúcidas de seu momento, que não se deixam abater pelos fracassos e nem mesmo pelo sofrimento. São pessoas capazes de partilhar, de falar de si, de suas alegrias, conquistas, sonhos, mas também de suas dores, desânimos e cansaços.  Essas pessoas buscam, junto à mesa, alimento para a vida; elas tem fome de algo para além do pão da mesa.

 

O nosso hábito de fazer refeição também revela traços de nossa personalidade e de nossos comportamen-tos cotidianos. O nosso modo de estar à mesa revela nossas habituais atitudes no relacionamento com os outros. A mesa é também lugar de denúncia de nossos fechamentos, de nossas pressas, de nossas resis-tências ao diálogo, de nossos medos, de nossa dificuldade em acolher o diferente...

Outras “mesas” desalojaram a mesa da refeição e ocuparam o lugar sagrado da partilha, da comunhão. Por isso, em muitos lugares e lares, a mesa esvaziou-se de sentido e passou a atender apenas a interesses mesquinhos, fazendo as pessoas conviverem tranqüilamente com a perversa dinâmica da exclusão.

A mesa pode ser corrompida e tornar-se o lugar de rupturas e de frieza. A mesa que funciona como estrutura hierárquica, como posição social, se torna pobre, dissimulada, falsa e até artificial.

mesas para tudo; mesas solitárias, mesas da corrupção, do poder, da exploração..., tudo o que envolve interesses, seduções, vaidades...

A frieza tomou conta das relações em torno à mesa; a ausência da ritualidade aumentou a distância entre seus participantes. Há uma verdadeira profanação da mesa ao ser transformada em lugar de conchavos sujos, negociatas interesseiras, tramas maldosas.

 

No Evangelho de hoje, somos convidados a adentrar-mos no território sagrado, consagrado, chamado “mesa da refeição”. Tão rica é essa mesa que sua espiritua-lidade, vista como manancial da vida, não exclui ne-nhum momento: situações tristes, felizes, momentos de sofrimento, de luta, de vitória...

Nesse espaço, onde o Eterno quer habitar, é que encontramos o bálsamo e o alívio para o nosso corpo e nossa existência psíquica e espiritual. Nessa fonte sagrada, o sofrimento pode ser compartilhado, a tristeza transformada em alegria, as trevas em luz, o desejo em realidade, a esperança pode ser reacendida.

É nessa mesa fecunda de alimentos que o Sagrado irrompe em meio aos nossos esquemas prévios, nos fazendo diferentes, separados da torrente massificante do dia-a-dia.

Ela nos sacia para voltarmos ao cotidiano, convictos de que não vivemos fechados nele, mas somos seres de passagem, em constante êxodo: “passar” da mesa de refeição como lugar onde matamos nossas fomes à mesa de refeição como espaço do sagrado.  A mesa, com seus cantos e encantos, tem uma mística; ela carrega, nas suas entranhas, a força de uma peregrinação, o impulso para fazer caminho.

A mesa é ponto de chegada e ponto de partida; é “lugar” de celebração e de envio, de festa e de missão.

Ao redor da mesa nos movemos, somos, existimos e nos descobrimos para além de nós mesmos.

É ela que nos humaniza, nos expande em direção aos outros, nos faz solidários e sensíveis, sobretudo àqueles que não tem acesso à mesa da vida (os pobres, os excluídos...)
 
 

 

Se o ativismo diário fragmenta nossa existência, a mesa pode tornar-se o lugar do religamento das dimen-sões humanas, dessacralizadas pelas variadas formas de violência, internas e externas.

Essa mesa bendita nos coloca em comunhão não só com o mundo exterior, mas também com o nosso mundo interior. Ela, como lugar do Sagrado, nos protege do estreitamento da vida cotidiana, que tende a nos consumir, a fragmentar nossa identidade pessoal.

Assim sendo, é da espiritualidade da mesa, da refeição e da festa que nós cristãos, devemos alimentar a nossa espiritualidade cotidiana. Mas, para isso, precisamos resgatar a mesa como espaço do sagrado, do encontro com o outro e consigo mesmo.

 

Textos bíblicos:   Lc. 14,1.7-14

 

Na oração:  É urgente sermos criativos o suficiente para superarmos os desafios, na esperança de que venha o

                    despertar da “nova mesa”, com gosto de pão, de vida fraterna, de compromisso...

Mesa criativa, solo de onde brota o alimento material, emocional, psíquico e espiritual em suas múltiplas formas, cores, aromas e sabores do Reino do Pão e da Festa da Vida.

- Quê lugar tem a mesa da refeição no cotidiano de sua vida familiar?

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Lucas 13,24 para o próximo domingo.


A PORTA É ESTREITA, MAS O CONVITE À FESTA É FEITO A TODOS

 

“Esforçai-vos por entrar pela porta estreita…” (Lc. 13,24)

 

Há frases no Evangelho que, por serem tão duras e incômodas para nossos ouvidos, dão impressão de que nos encontramos diante de um cristianismo tenebroso e ameaçante; muitas vezes, quase inconscientemen-te, as colocamos entre parêntesis e as esquecemos para não sentirmos interpelados por elas. Uma delas é, sem dúvida, esta que escutamos hoje dos lábios de Jesus: “esforçai-vos por entrar pela porta estreita...”

O chamado de Jesus a “entrar pela porta estreita” pode dar a impressão de um rigorismo estreito, rígido, legalista e estéril, em lugar de orientar-nos para a verdadeira radicalidade exigida por Ele.

Entrar pela “porta estreita” não é um moralismo raquítico e sem horizontes, mas uma atitude exigente e responsável: a porta pela qual entram aqueles que se esforçam por viver fielmente o amor radical a Deus e ao irmão, aqueles que procuram agir pensando nos outros, aqueles que vivem com sentido de solidarieda-de e comunhão.

Não basta ser filho de Abraão. É necessário acolher a mensagem de Jesus e suas profundas exigências. Jesus chama à radicalidade e nos convida a mudar a orientação do coração para viver dando primazia absoluta ao amor de Deus e aos irmãos.

 

O personagem anônimo que faz a pergunta a Jesus, no evangelho de hoje, não está muito interessado pela sua salvação; ele tem dúvidas quanto à salvação dos outros: pergunta pelos que vão se salvar. Não pergunta “se ele se salvará”. Além disso, dirige a Jesus uma pergunta mesquinha. Não pergunta se serão “muitos” mas se “serão poucos”. Parece como aqueles que lhes interessa somente as notícias raras, as más notícias. Dizer que todos vão se salvar não é notícia. Mas dizer que serão poucos, isso dá a impressão de ser uma notícia chamativa, porque seria falar do fracasso de Deus. E isso sim é importante.

No fundo, a pergunta daquele homem desconhecido é uma ofensa ao amor de Deus que quer que todos se salvem e que enviou o seu Filho não para condenar a alguém mas para salvar a todos. Na porta do céu nunca encontraremos este letreiro “esgotadas as entradas”.

Jesus não responde à curiosidade. E, como sempre, responde mostrando-lhe o caminho da salvação. Mostra-lhe a porta pela qual se chega à salvação; porta suficientemente larga pela qual todos podemos entrar. Acaso, não disse Ele mesmo no Evangelho de João: “Eu sou a porta; quem entrar por mim, será salvo” (10,9)?

“Entrar pela porta estreita” é seguir Jesus, aprender a viver como Ele, assumir seu estilo de vida e sua opção pelo Reino. Jesus é a porta sempre aberta; ninguém a pode fechar.

 

O ser humano sempre se perguntou pela vida futura, pela salvação. Frente a esta inquietação, a resposta de Jesus nos apela a “entrar pela porta estreita”. Mas o texto não diz em quê consiste exatamente.

Ao longo da história da espiritualidade cristã esta frase foi entendida como “sacrifício”, “mortificação”, “renúncia”... Uma leitura mais serena daquelas palavras, no entanto, nos faz ver que não se pode confundir “porta estreita” com “conquista de méritos e recompensas”, inflando um “eu religioso e perfeccionista”.

Aliás, um “eu inflado”, compulsivo, cheio de si, obeso...não tem como passar pela “porta estreita”.

Para entrar pela porta estreita é preciso despojar-se de tudo aquilo que foi sendo acumulado ao longo da vida: posses, honras, consumismo, vaidades, poder, prestígio... “Entrar pela porta estreita” é desapropri-ação do eu, é desinflar-se, deixar transparecer a verdadeira identidade de meu ser.

 

A parábola de Jesus também põe em questão nossas falsas imagens de Deus. O Deus de Jesus não é um Deus mesquinho, que prepara a festa para um número restrito. O que existe é um chamado universal e permanente à conversão. A “salvação” consiste em “sentar-se à mesa no reino de Deus”, uma imagem festiva, convivencial e comensal, com a qual normalmente se designa a Plenitude divina na bíblia.

A mesa já está posta mas só poderemos ter acesso para saborear o banquete se rompemos o balão do eu cheio de si que anda buscando migalhas, colocando nelas o sentido da própria existência.

Para relacionar-nos humanamente com o Deus que Jesus nos revelou, o mais urgente que devemos fazer é quebrar as “falsas imagens” d’Ele que carregamos em nossas consciências, em nossa intimidade mais secreta. E a primeira e principal imagem falsa é que Deus é uma ameaça da qual devemos nos proteger.

De fato, a presença de Deus na vida e na história de muitas pessoas é vivida secretamente sob as vestes do temor e do medo. Um “Deus” que a todos pedirá contas no juízo, onde teremos de responder pelo mau uso de nossos dons; um “Deus” que nos castiga com desgraças, por causa de nossos fracassos; um “Deus” interesseiro, um ídolo que nos amarra e não nos deixa viver, que impõe obrigações duras e difi-culta nossa entrada no banquete; um “deus-patrão” que nos prende com contratos e cobranças; um “Deus” que é um constante perigo, causador do Grande Medo que nos paralisa.

Estas falsas imagens de Deus, no entanto, causam dano e afetam a vida em todas as suas dimensões (pes-soal, familiar, social, espiritual). Por detrás destas imagens se encontram crenças religiosas às quais chama-mos crenças tóxicas, porque envenenam a mente e o coração e não nos deixam amadurecer, nem no nível humano nem no nível espiritual.

Estas crenças tóxicas podem gerar personalidades dependentes e submissas, neuróticas e ansiosas, medro-sas e passivas, moralistas e perfeccionistas; ou talvez personalidades agressivas, dominantes, vingativas, controladoras. São o reflexo de uma imagem distorcida de Deus e “chegamos a nos parecer com o Deus que projetamos”. Esta distorção é o resultado, muitas vezes, de uma educação rigorosa e moralista, produ-to de uma espiritualidade dualista que coloca a perfeição como o ideal de todo cristão e o menosprezo de tudo o que não é “espiritual”. Estas crenças religiosas geram uma fé tóxica ou insana porque nos afastam do Deus de Jesus e podem favorecer a dependência religiosa e o abuso espiritual.

 

Tomar consciência das imagens distorcidas que temos de Deus e das crenças tóxicas que as sustentam, aceitar e acolher tudo o que é humano, são dimensões que favorecem o crescimento e a maturidade e nos permitem viver em equilíbrio. Poderemos, assim, viver uma espiritualidade que nos ajude a processar a vida a partir da imagem de Deus mais de acordo com o Deus de Jesus. Um Deus misericordioso, que toma a iniciativa e nos ama primeiro, nos ama tal como somos e nos capacita e “entrar pela porta estreita”.

Com essa mensagem forte, Jesus nos convida a procurar e encontrar a chave para abrir a porta da casa do próprio interior, a entrar em contato com nosso coração, com o mundo do inconsciente, com o mundo dos nossos sentimentos, impulsos, dinamismos... de uma vida plena.

Quem não entra em contato com sua interioridade fica excluído da vida.

Conhecemos a imagem da porta nos nossos sonhos. Quando sonhamos com uma porta trancada, isso significa que perdemos o contato com nosso interior, com nosso coração, com nossa alma e vivemos apenas o lado externo. As pessoas que o dono da casa afirma não conhecer vivem apenas na exterioridade. Elas não tem uma vida ruim. Mas tudo que fazem é apenas exterioridade e não tem ne-nhuma relação com seu coração. Até mesmo sua fé é meramente exterior. Elas vão à Igreja e cumprem os rituais. Elas até acreditam em Jesus, dizem ter comido e bebido com Ele e ter ouvido seu ensinamento. Mas seu coração está fechado.

Jesus não consegue ter acesso a ele. Já não é mais “porta estreita” mas “porta fechada”.
 
 

 

Texto bíblico:  Lc 13,22-30

 

* Poderia identificar algumas falsas imagens que você tem de Deus?

   Como se traduzem em sua vida cotidiana estas imagens? Em quê

   condutas e atitudes concretas?

*Quais são as “gorduras inúteis” (apegos) acumuladas em seu interior, que dificultam sua caminhada pela vida e

   impedem passar pela “porta estreita” do seguimento de Jesus?

 

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Festa da Assunção.


DUAS MÃES, DOIS HINOS

 

“Maria entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel” (Lc 1,40)

 

A festa da Assunção nos revela que em Maria realiza-se a situação final, situação prometida a toda humanidade: “ser um dia de Deus e para Deus”; Maria o é desde o início (imaculada) até o final (assunção), através de uma fidelidade de toda a sua vida.

Maria foi “assunta ao céu” porque “levantou-se apressadamente” em direção ao serviço; ela foi “assunta” porque assumiu tudo o que é humano, porque “desceu” e se comprometeu com a história dos pequenos e marginalizados. Maria foi glorificada porque se fez radicalmente “humana”. Por isso, Deus a engrandeceu plenamente.

Crer na Assunção de Maria implica crer na exaltação dos pequeninos e humilhados, dos pobres esquecidos, dos injustiçados sem voz, dos sofredores sem vez, dos abandonados sem proteção, dos mise-ricordiosos descartados, dos mansos violentados...

 

O Evangelho de hoje nos aponta que, quando Deus entra e atua na história das pessoas, Ele as move para irem “apressadamente” ao encontro dos outros, para serví-los nas suas necessidades, para comunicar a alegria pela salvação recebida, e para alegrar-se com os outros pelas graças que eles receberam.

Depois de receber o chamado de Deus, anunciando-lhe que seria mãe do Messias, Maria se põe em marcha, sozinha.  Quem foi “agraciada” por Deus não fica só contemplando as maravilhas que Deus realizou nela, mas sai para proclamá-las. Quem tem consigo o Salvador não pode guardá-lo só para si.

Começa para Maria uma vida nova, a serviço de seu Filho. Ela marcha “apressadamente”, com decisão; sente necessidade de compartilhar sua alegria com sua prima Isabel e de colocar-se o quanto antes a seu serviço. Sua “pressa” está dinamizada pelo fervor interior, pela alegria e, sobretudo, pela fé.

 

Tudo acontece numa aldeia desconhecida, nas montanhas de Judá. Duas mulheres grávidas conversam sobre o que estão vivendo no íntimo do coração. São elas que, cheias de fé e do Espírito, melhor captam o que está acontecendo. A Visitação realiza o encontro entre a mãe do precursor do Messias e a mãe do Messias, e no entanto, tudo se desenvolve numa casa normal, entre gente simples, na árida região monta-nhosa da Judéia. A atmosfera é de alegria. A Palavra de Deus adentra a intimidade e o calor familiar de uma casa, e anuncia um evento glorioso e universal.

O encontro das duas futuras mães é uma cena comovedora. Não estão presentes os homens. Zacarias ficou mudo. José está surpreendentemente ausente. Somente duas mulheres simples, sem nenhum título, nem relevância na religião judaica ou social, ocupam toda a cena. Maria, que leva consigo Jesus a todas as partes, e Isabel que, cheia do espírito profético, se atreve a bendizer a sua prima sem ser sacerdote.

Maria entra na casa de Zacarias, mas não se dirige a ele. Vai diretamente saudar a Isabel. Há muitas maneiras de “saudar” as pessoas. “Saudar” é despertar a saúde (o que é sadio, vivo) no outro. Com sua saudação, Maria traz paz e a casa se enche de uma alegria transbordante. É a alegria que Maria vive desde que escutou a saudação do Anjo: “Alegra-te, cheia de Graça”.

 

Todo o Evangelho da infância está envolto em um clima de oração, o qual se espalha como uma brisa que penetra e interpreta todos os acontecimentos. Os cânticos presentes no texto de Lucas exercem a função de interpretar  a história, penetrar os segredos da ação de Deus, consolar e revelar.

Feliz o povo em que há mulheres que acreditam, portadoras de vida, capazes de irradiar paz e alegria; mulheres que transmitem fé a seus filhos e filhas.

 

A oração de Isabel (Lc 1, 42-45): trata-se de uma proclamação; a verdadeira oração não é principal-

                                                       mente expressão de um sentimento, mas celebração e reconheci-mento da ação  de Deus nos pobres e nos humildes. Deus está sempre presente na origem da vida. As mães, portadoras de vida, são mulheres “benditas” pelo Criador: o fruto de seus ventres é bendito. Maria é a “bendita” por excelência: com ela nos chega Jesus, a bênção de Deus ao mundo. O Pai, através do instrumento frágil de uma mulher, ignorada pela sociedade oriental, apresenta ao mundo a sua Salvação.

O grito de alegria de Isabel expressa, com o pulo de alegria de João, a chegada da Salvação que entra na nossa história através de Maria. É um convite a todos para que se unam ao seu louvor e à sua alegria.

As palavras de Isabel são a primeira profissão de fé em Jesus como Messias, isto é, como “Cristo”.

 

Magnificat: (Lc 1,46-55) Contra uma concepção cada vez mais “consumista” do mundo, contra o triun-

                     fo do possuir, do ter, da escravidão das coisas, o Magnificat exalta a alegria do partilhar, do perder para encontrar, do acolher, do admirar, da felicidade da gratuidade, da contemplação, da doação.

Nenhum outro texto nos revela de maneira tão densa e tão profunda a vida interior de Maria, os pensa-mentos e os sentimentos que invadem sua alma, a consciência de sua missão, sua fé e sua esperança, sua experiência de Deus, enfim.

Maria canta agora a realização das esperas e das esperanças cantadas, nas horas de júbilo e nas horas de pranto, pelo povo de Israel; ela fundamenta-se na esperança-certeza da fidelidade amorosa de Deus.

O Magnificat, na sua estrutura fundamental, é o canto das escolhas caprichosas de Deus, que tem um “fraco” pelos pobres, por todos os infelizes e os oprimidos; poder e riqueza não gozam de nenhum prestígio aos seus olhos.

Ali há a convicção de que Deus reverterá a sorte desta invertida história humana. O poder e a riqueza foram derrubados, são ídolos mortos.

A oração de Maria traz à tona as grandes coisas rea-lizadas por Deus, seus atos salvíficos, sua fidelidade, sua palavra eficaz, seus atributos fundamentais, que Maria reúne na trilogia poder-santidade-misericórdia.

 

Como fazer esta contemplação?

                                                 Quem ocupa o centro da cena, do começo ao fim, é a figura de Maria. Nela devem concentrar-se, portanto, nosso “olhar, escutar, observar”.

Por isso, talvez, o melhor modo de fazer esta contemplação seja o que propõe S. Inácio no “segundo modo de orar” (EE. 249-257), isto é, “contemplar o significado de cada palavra” ou frase, demorando-se “na consideração dela (da palavra ou frase) tanto tempo quanto nela encontrar significações, comparações, gosto e consolação, em considerações relacionadas com a mesma” (EE. 252).

 

Pedir a graça:  Ao longo da oração devemos pedir que as palavras de louvor e de libertação cantadas

                          por Maria penetrem no nosso coração e produzam frutos de conversão, de alegria e de gratidão; devemos pedir especialmente a graça de louvar a Deus, de cantar com um coração transbordante de júbilo, pela salvação recebida.

Peçamos também que as palavras do Magnificat transformem nossos valores, nossas atitudes e nossas práticas na linha da justiça e da misericórdia do Evangelho do Reino, proclamado por Jesus e antecipado no cântico de sua mãe.

Rezar as “marcas salvíficas” de Deus na própria história pessoal.

 

Gesto: no interior, ainda se conserva o hábito de “fazer visitas” (visitar famílias, doentes...); é preciso recuperar

               este gesto tão humano e humanizador. Nos grandes centros vivemos fechados em apartamentos, con-

               domínios, com um arsenal de segurança, impedindo a aproximação até dos parentes.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Para rezar o evangelho Lc 12,32-48 .


PARA VIVER UMA “ESPIRITUALIDADE DA ESPERA

 

“Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas” (Lc 12,35)

 

A parábola deste domingo nos fala de “velar”, de “estar preparados”: é um chamado a despertar.

Estamos despertos à medida que mantemos uma “atenção plena” ao que acontece em nosso interior e ao nosso redor. Um dos riscos que hoje nos ameaçam e esfriam nosso fervor no seguimento de Jesus é cair numa vida superficial, mecânica, rotineira, massificada... Com o passar dos anos os projetos, metas e ideais vão se apagando e perdemos a capacidade de dar um sentido novo à nossa existência.

Na vida pessoal de fé ou na caminhada da Igreja há momentos em que se faz noite. É muito fácil apagar as luzes e viver adormecidos;  basta fazer o que fazem quase todos: imitar, acomodar-se, ajustar-se ao contexto social; basta viver buscando seguranças externas e internas, sempre agitados pela pressa e ocupações; basta gastar a vida inteira “fazendo coisas” e sem descobrir nela nada grande ou nobre... Chega um momento em que já não sabemos reagir enquanto a vida vai se apagando em nós.

 

Como manter viva a esperança? Como não cair na frustração, no cansaço ou no desalento? Onde encon-trar um princípio humanizador, capaz de nos libertar da superficialidade ou do vazio interior?

Para despertar é preciso tomar consciência da luz presente em nosso interior e alimentá-la; nós nos tornamos mais “lúcidos” (portadores de luz) quando tomamos consciência da superficialidade de nossa vida, do ativismo, da vida “normótica” e sem direção...; a verdade abre espaço em nós quando reconhece-mos nossos enganos; a paz chega ao nosso coração quando des-velamos a desordem em que vivemos. Despertar é dar-nos conta de que vivemos adormecidos.

Usando a imagem da “lâmpada acesa”, Jesus nos provoca a despertar de nossa indiferença, passividade ou do descuido com o qual vivemos nosso discipulado. É a luz interior que deve ser alimentada para inspirar nossos critérios de ação, força que impulsiona nosso compromisso e esperança que anima nosso viver diário.

Somos chamados a sermos pessoas “ardentes”, “luz que acende outras luzes”, ou seja, pessoas que experimentam a vida como crescimento constante. Sempre buscam algo mais, algo melhor. Para elas, a vida é inesgotável: uma descoberta na qual sempre se pode avançar.

 

Tal como o sentinela, precisamos afinar nossos ouvidos, ter uma visão mais ampla, , arejar nossas mentes e transformar nossas práticas cotidianas. O importante é situar-nos onde a vida está germinando.  É saber perceber que “algo novo está nascendo”.

A vigilancia não é medrosa e pessimista; é alegre expectativa do Deus que nos surpreende no hoje de nossa existência; é chamado a viver com lucidez e responsabilidade, sem cair na passividade ou letargia. Muitos pertencem à “confraria do último dia”. Hoje não, talvez amanhã, quem sabe mais adiante.

“Não morras na sala de espera” (Hervey Cox). As “salas de espera do espírito” estão cheias de gente que simplesmente está ali, ali mora e permanece, ali vive e morre. O fato de que já estejam na “sala de espera” lhes dá a impressão de que já fizeram alguma coisa, já começaram a viagem.

Para romper com esta passividade, é necessário combinar vigilância e atenção espiritual aos “sinais” do Deus imprevisível na nossa realidade concreta.

Desprendimento, vigilância, serviço... nascem da certeza do dom de uma Presença inesperada. Trata-se de acolher a “irrupção” de Deus, como surpresa e novidade.

A encruzilhada histórica que estamos vivendo parece pedir com mais urgência tal atitude.

 

Por isso é preciso estar despertos e viver a “espiritualidade da espera”: isso implica viver o momento presente, porque qualquer momento é o definitivo, é viver o tempo habitado por Deus.

Uma falsa visão da vida futura desumaniza a vida presente e nos impede de viver em plenitude o momento atual. A vida presente tem pleno sentido por si mesma. O que projetamos para o futuro já está aqui e agora, ao nosso alcance. Aqui e agora podemos viver a eternidade, já que podemos conectar com o Deus surpreendente em nós.

Nessa perspectiva, o tempo é oportunidade para servir a Deus e aos outros. O tempo é ocasião para olhar a realidade cotidiana com respeito, ou seja, com atenção e cuidado; o tempo é “lugar” onde servir. Esse serviço é também espera. E essa espera é serviço. Elegemos esperar Deus servindo, servindo-O.

 

A “espera” tem, sem dúvida, um significado ativo; a “espera” não pode separar-se da busca e do encon-tro, do agir, do amar e servir. A espera é agradecida, é missionária, é autêntica sede de Deus.

Há dois tipos de “espera” que manifestam graficamente duas concepções contrapostas da espiritualidade.

- De um lado estaria a imagem da “espera de um ônibus”: trata-se tão somente de ter paciência e ocupar o tempo, de “deixar que o tempo passe”, e que passe o mais rapidamente possível. Estamos seguros que o ônibus vai chegar. O tempo de atraso do ônibus é, quase sempre, tempo perdido. Nada podemos fazer para que o ônibus chegue antes. Há pouco lugar para o imprevisível, para a novidade.

Há uma maneira de viver a espiritualidade cristã que conhece perfeitamente todo o caminho a percorrer (inclusive já sabe de antemão qual é a vontade de Deus); aqui não há lugar para mudanças e para acolhida das surpresas de Deus. Mera repetição.

- Mas há outro tipo de “espera”: é a imagem da mulher grávida que vive em “estado de espera”; a chegada do filho que há de vir não só é desejada, mas antecipada, sonhada... Antes de sua chegada, ele já está presente, faz parte da vida da futura mãe e a condiciona. É uma espera que também traz medos, que transforma a vida e que a transformará ainda mais. Essa espera muda o corpo, a psicologia, a identidade, o ser da mãe.  É uma espera que, com frequência, dá sinais de “chegar antes”, de surpresa. É uma espera na qual a futura mãe deseja “dar as boas vindas”; uma espera habitada por aquele que há de vir, uma espera que a enraíza na vida.

 

Esta última imagem nos ajuda a perceber que há uma maneira de viver a espiritualidade que está aberta a “um Deus sempre maior, sempre surpreendente, sempre novo”. Um Deus que dá e se dá, que habita nas coisas, que trabalha por nós, que desce às nossas vidas e aos nossos tempos.

Esta segunda maneira de esperar pressupõe que toda a realidade está habitada por Deus. Esta espera significa pôr em alguém nossa esperança, e esse Alguém não sou eu nem minha atividade; uma esperança que carrega uma espera para que não se trate simplesmente de uma ilusão, para que estejamos preparados para receber esse Alguém. “Viver desta maneira a experiência humana, o tempo, equivale a viver cada momento de frente a Deus, ao definitivo. O aqui e agora se densifica de tal maneira que já não é preci-so buscar mais ou outra coisa. A vida adquire a plenitude e intensidade do último” (J.M. Mardones).

 

Textos bíblicos:     Lc 12,32-48

 

Na oração: Para viver despertos é importante viver com mais

                   calma, cuidar do silêncio e estar mais atentos aos cha-mados do coração. Só quem ama e serve, vive intensamente, com a-legria e vitalidade, despertado para o essencial. Uma certeza pode-mos ter: o Espírito está sempre pronto a criar, recriar, a transfor-mar, a renovar efazer novas todas as coisas”, abrindo-nos a um novo tempo com a feliz esperança de “novos céus e nova terra”, num mundo outro e pleno de vida. 

 “O amadurecimento da experiência e uma visão de fé mais profunda evidenciam a grande Luz que nos precede, acompanha e segue no percurso da vida”. Deixemo-nos iluminar, levemos a Luz nas nossas pobres e frágeis mãos, iluminando os recantos do nosso cotidiano.