DUAS MÃES, DOIS HINOS
“Maria
entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel” (Lc 1,40)
A festa da Assunção
nos revela que em Maria realiza-se a situação final, situação
prometida a toda humanidade: “ser um dia de Deus e para Deus”;
Maria o é desde o início (imaculada) até o final (assunção), através de uma
fidelidade de toda a sua vida.
Maria foi “assunta ao céu” porque
“levantou-se
apressadamente”
em direção ao
serviço; ela foi “assunta” porque assumiu tudo o que é humano, porque “desceu” e se
comprometeu com a história dos pequenos e marginalizados. Maria foi glorificada
porque se fez radicalmente “humana”. Por isso, Deus a engrandeceu plenamente.
Crer na Assunção de Maria implica crer
na exaltação dos pequeninos e humilhados, dos pobres esquecidos, dos
injustiçados sem voz, dos sofredores sem vez, dos abandonados sem proteção, dos
mise-ricordiosos descartados, dos mansos violentados...
O Evangelho de hoje nos aponta que, quando Deus entra e atua na história
das pessoas, Ele as move para irem “apressadamente” ao encontro dos
outros, para serví-los nas suas necessidades, para comunicar a alegria pela
salvação recebida, e para alegrar-se com os outros pelas graças que eles
receberam.
Depois de
receber o chamado de Deus, anunciando-lhe que seria mãe do Messias, Maria se
põe em marcha, sozinha. Quem foi “agraciada”
por Deus não fica só contemplando as maravilhas que Deus realizou nela, mas sai
para proclamá-las. Quem tem consigo o Salvador
não pode guardá-lo só para si.
Começa para
Maria uma vida nova, a serviço de seu Filho. Ela marcha “apressadamente”, com
decisão; sente necessidade de compartilhar sua alegria com sua prima Isabel e
de colocar-se o quanto antes a seu serviço. Sua “pressa” está dinamizada
pelo fervor interior, pela alegria e, sobretudo, pela fé.
Tudo acontece numa aldeia desconhecida, nas montanhas de Judá. Duas
mulheres grávidas conversam sobre o que estão vivendo no íntimo do coração. São
elas que, cheias de fé e do Espírito, melhor captam o que está acontecendo. A Visitação realiza o encontro entre a
mãe do precursor do Messias e a mãe do Messias, e no entanto, tudo se
desenvolve numa casa normal, entre gente simples, na árida região monta-nhosa
da Judéia. A atmosfera é de alegria.
A Palavra de Deus adentra a intimidade e o calor familiar de uma casa, e
anuncia um evento glorioso e universal.
O encontro das duas futuras mães
é uma cena comovedora. Não estão presentes os homens. Zacarias ficou mudo. José
está surpreendentemente ausente. Somente duas mulheres simples, sem nenhum
título, nem relevância na religião judaica ou social, ocupam toda a cena.
Maria, que leva consigo Jesus a todas as partes, e Isabel que, cheia do
espírito profético, se atreve a bendizer a sua prima sem ser sacerdote.
Maria entra na casa de Zacarias,
mas não se dirige a ele. Vai diretamente saudar a Isabel. Há muitas
maneiras de “saudar” as pessoas. “Saudar” é despertar a saúde (o que é
sadio, vivo) no outro. Com sua saudação, Maria traz paz e a casa se enche de
uma alegria transbordante. É a alegria que Maria vive desde que escutou a
saudação do Anjo: “Alegra-te, cheia de Graça”.
Todo o Evangelho da infância
está envolto em um clima de oração,
o qual se espalha como uma brisa que penetra e interpreta todos os
acontecimentos. Os cânticos presentes
no texto de Lucas exercem a função de interpretar a história, penetrar os segredos da
ação de Deus, consolar e revelar.
Feliz o povo em que há mulheres que acreditam, portadoras de vida, capazes
de irradiar paz e alegria; mulheres que transmitem fé a seus filhos e filhas.
A oração de Isabel (Lc 1, 42-45): trata-se
de uma proclamação; a verdadeira
oração não é principal-
mente expressão de um sentimento, mas celebração e reconheci-mento
da ação de Deus nos pobres e nos
humildes. Deus está sempre presente na origem da vida. As mães, portadoras de
vida, são mulheres “benditas” pelo Criador: o fruto de seus ventres é bendito.
Maria é a “bendita” por excelência: com ela nos chega Jesus, a bênção de Deus
ao mundo. O Pai, através do
instrumento frágil de uma mulher, ignorada pela sociedade oriental, apresenta
ao mundo a sua Salvação.
O grito de alegria de Isabel
expressa, com o pulo de alegria de João, a chegada da Salvação que entra na
nossa história através de Maria. É um convite a todos para que se unam ao seu
louvor e à sua alegria.
As palavras de Isabel são a primeira profissão
de fé em Jesus como Messias, isto é, como “Cristo”.
Magnificat: (Lc 1,46-55) Contra uma concepção cada vez mais “consumista” do mundo, contra o
triun-
fo do possuir,
do ter, da escravidão das coisas, o Magnificat
exalta a alegria do partilhar, do perder para encontrar, do acolher, do
admirar, da felicidade da gratuidade, da contemplação, da doação.
Nenhum outro texto nos revela de maneira tão densa e tão profunda a vida
interior de Maria, os pensa-mentos e os sentimentos que
invadem sua alma, a consciência de sua missão, sua fé e sua esperança, sua
experiência de Deus, enfim.
Maria canta
agora a realização das esperas e das esperanças cantadas, nas horas de júbilo e
nas horas de pranto, pelo povo de Israel; ela fundamenta-se na esperança-certeza
da fidelidade amorosa de Deus.
Ali há a
convicção de que Deus reverterá a sorte desta invertida história humana. O
poder e a riqueza foram derrubados, são ídolos mortos.
A oração de
Maria traz à tona as grandes coisas rea-lizadas por Deus,
seus atos salvíficos, sua fidelidade, sua palavra eficaz, seus atributos
fundamentais, que Maria reúne na trilogia poder-santidade-misericórdia.
Como fazer esta contemplação?
Quem ocupa o centro da cena, do começo ao fim, é a figura de Maria. Nela
devem concentrar-se, portanto, nosso “olhar, escutar, observar”.
Por isso, talvez, o melhor modo
de fazer esta contemplação seja o que propõe S. Inácio no “segundo modo de orar” (EE. 249-257), isto é, “contemplar o significado de cada
palavra” ou frase, demorando-se “na
consideração dela (da palavra ou frase)
tanto tempo quanto nela encontrar significações, comparações, gosto e consolação,
em considerações relacionadas com a mesma” (EE. 252).
Pedir a graça: Ao longo da
oração devemos pedir que as palavras de louvor e de libertação cantadas
por Maria penetrem no
nosso coração e produzam frutos de conversão, de alegria e de gratidão;
devemos pedir especialmente a graça de louvar a Deus, de cantar com um coração
transbordante de júbilo, pela salvação recebida.
Peçamos também que as palavras
do Magnificat transformem nossos
valores, nossas atitudes e nossas práticas na linha da justiça e da
misericórdia do Evangelho do Reino, proclamado por Jesus e antecipado no
cântico de sua mãe.
Rezar as “marcas salvíficas” de
Deus na própria história pessoal.
Gesto: no interior,
ainda se conserva o hábito de “fazer visitas” (visitar famílias, doentes...); é
preciso recuperar
este gesto tão humano e
humanizador. Nos grandes centros vivemos fechados em apartamentos, con-
domínios, com um arsenal de
segurança, impedindo a aproximação até dos parentes.
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