A PORTA É ESTREITA, MAS O CONVITE À FESTA É FEITO A TODOS
“Esforçai-vos por entrar pela porta
estreita…”
(Lc. 13,24)
Há
frases no Evangelho que, por serem tão duras e incômodas para nossos ouvidos,
dão impressão de que nos encontramos diante de um cristianismo tenebroso e
ameaçante; muitas vezes, quase inconscientemen-te, as colocamos entre
parêntesis e as esquecemos para não sentirmos interpelados por elas. Uma delas
é, sem dúvida, esta que escutamos hoje dos lábios de Jesus: “esforçai-vos por entrar pela porta estreita...”
O
chamado de Jesus a “entrar pela porta estreita” pode dar a impressão de um rigorismo
estreito, rígido, legalista e estéril, em lugar de orientar-nos para a
verdadeira radicalidade exigida por Ele.
Entrar
pela “porta estreita” não é um moralismo raquítico e sem horizontes, mas uma atitude
exigente e responsável: a porta pela qual entram aqueles que se esforçam por
viver fielmente o amor radical a Deus e ao irmão, aqueles que procuram agir
pensando nos outros, aqueles que vivem com sentido de solidarieda-de e
comunhão.
Não
basta ser filho de Abraão. É necessário acolher a mensagem de Jesus e suas
profundas exigências. Jesus chama à radicalidade e nos convida a mudar a
orientação do coração para viver dando primazia absoluta ao amor de Deus e aos
irmãos.
O
personagem anônimo que faz a pergunta a
Jesus, no evangelho de hoje, não está muito interessado pela sua salvação; ele
tem dúvidas quanto à salvação dos outros: pergunta pelos que vão se salvar. Não
pergunta “se ele se salvará”. Além disso, dirige a Jesus uma pergunta
mesquinha. Não pergunta se serão “muitos” mas se “serão poucos”. Parece como
aqueles que lhes interessa somente as notícias raras, as más notícias. Dizer
que todos vão se salvar não é notícia. Mas dizer que serão poucos, isso dá a
impressão de ser uma notícia chamativa, porque seria falar do fracasso de Deus.
E isso sim é importante.
No
fundo, a pergunta daquele homem desconhecido é uma ofensa ao amor de Deus que
quer que todos se salvem e que enviou o seu Filho não para condenar a alguém
mas para salvar a todos. Na porta do céu nunca encontraremos este letreiro “esgotadas as entradas”.
Jesus
não responde à curiosidade. E, como sempre, responde mostrando-lhe o caminho da
salvação. Mostra-lhe a porta pela
qual se chega à salvação; porta suficientemente larga pela qual todos podemos
entrar. Acaso, não disse Ele mesmo no Evangelho de João: “Eu sou a porta; quem entrar por mim, será salvo” (10,9)?
“Entrar pela porta estreita”
é seguir
Jesus, aprender a viver como Ele, assumir seu estilo de vida e sua opção pelo
Reino. Jesus é a porta sempre aberta; ninguém a pode fechar.
O
ser humano sempre se perguntou pela vida futura, pela salvação. Frente a esta inquietação, a resposta de Jesus nos apela
a “entrar pela porta estreita”.
Mas o texto não diz em quê consiste exatamente.
Ao
longo da história da espiritualidade cristã esta frase foi entendida como
“sacrifício”, “mortificação”, “renúncia”... Uma leitura mais serena daquelas
palavras, no entanto, nos faz ver que não se pode confundir “porta estreita”
com “conquista de méritos e recompensas”, inflando um “eu religioso e
perfeccionista”.
Aliás,
um “eu inflado”, compulsivo, cheio de si, obeso...não tem como passar pela
“porta estreita”.
Para
entrar pela porta estreita é preciso despojar-se de tudo aquilo que foi sendo
acumulado ao longo da vida: posses, honras, consumismo, vaidades, poder,
prestígio... “Entrar pela porta estreita” é desapropri-ação do eu, é
desinflar-se, deixar transparecer a verdadeira identidade de meu ser.
A
parábola de Jesus também põe em questão nossas falsas imagens de Deus. O Deus de Jesus não é um Deus mesquinho,
que prepara a festa para um número restrito. O que existe é um chamado
universal e permanente à conversão. A “salvação”
consiste em “sentar-se à mesa no reino de Deus”, uma
imagem festiva, convivencial e comensal, com a qual normalmente se designa a
Plenitude divina na bíblia.
A
mesa já está posta mas só poderemos ter acesso para saborear o banquete se
rompemos o balão do eu cheio de si que anda buscando migalhas, colocando nelas
o sentido da própria existência.
Para
relacionar-nos humanamente com o Deus que Jesus nos revelou, o mais
urgente que devemos fazer é quebrar as “falsas imagens” d’Ele que
carregamos em nossas consciências, em nossa intimidade mais secreta. E a
primeira e principal imagem falsa é que Deus é uma ameaça da qual
devemos nos proteger.
De fato,
a presença de Deus na vida e na história de muitas pessoas é vivida
secretamente sob as vestes do temor e do medo. Um “Deus”
que a todos pedirá contas no juízo, onde teremos de responder pelo mau uso de
nossos dons; um “Deus” que nos castiga com desgraças, por causa de nossos
fracassos; um “Deus” interesseiro, um ídolo que nos amarra e não nos deixa
viver, que
impõe obrigações duras e difi-culta nossa entrada no banquete; um
“deus-patrão” que nos prende com contratos e cobranças; um “Deus” que é um
constante perigo, causador do Grande Medo que nos paralisa.
Estas
falsas imagens de Deus, no entanto, causam dano e afetam a vida em todas as
suas dimensões (pes-soal, familiar, social, espiritual). Por detrás destas
imagens se encontram crenças religiosas às quais chama-mos crenças tóxicas, porque
envenenam a mente e o coração e não nos deixam amadurecer, nem no nível humano
nem no nível espiritual.
Estas
crenças tóxicas podem gerar personalidades dependentes e submissas, neuróticas
e ansiosas, medro-sas e passivas, moralistas e perfeccionistas; ou talvez
personalidades agressivas, dominantes, vingativas, controladoras. São o reflexo
de uma imagem distorcida de Deus e “chegamos a nos parecer com o Deus que
projetamos”. Esta distorção é o resultado, muitas vezes, de uma educação
rigorosa e moralista, produ-to de uma espiritualidade dualista que coloca a
perfeição como o ideal de todo cristão e o menosprezo de tudo o que não
é “espiritual”. Estas crenças religiosas geram uma fé tóxica ou insana porque
nos afastam do Deus de Jesus e podem favorecer a dependência religiosa e o
abuso espiritual.
Tomar
consciência das imagens distorcidas que temos de Deus e das crenças tóxicas que
as sustentam, aceitar e acolher tudo o que é humano, são dimensões que
favorecem o crescimento e a maturidade e nos permitem viver em equilíbrio. Poderemos,
assim, viver uma espiritualidade que nos ajude a processar a vida a partir da
imagem de Deus mais de acordo com o Deus de Jesus. Um Deus misericordioso, que
toma a iniciativa e nos ama primeiro, nos ama tal como somos e nos capacita e “entrar pela porta estreita”.
Com
essa mensagem forte, Jesus nos convida a procurar e encontrar a chave para abrir a porta da casa do
próprio interior, a entrar em contato com nosso coração, com o mundo do
inconsciente, com o mundo dos nossos sentimentos, impulsos, dinamismos... de
uma vida plena.
Quem
não entra em contato com sua interioridade fica excluído da vida.
Jesus
não consegue ter acesso a ele. Já não é mais “porta estreita” mas “porta
fechada”.
Texto bíblico: Lc 13,22-30
* Poderia identificar
algumas falsas imagens que você tem de Deus?
Como se traduzem em sua vida cotidiana estas
imagens? Em quê
condutas e atitudes concretas?
*Quais são as
“gorduras inúteis” (apegos) acumuladas em seu interior, que dificultam sua
caminhada pela vida e
impedem passar pela “porta estreita” do
seguimento de Jesus?
Nenhum comentário:
Postar um comentário