MESA: tão
simples e tão provocativa
“Quando deres uma festa, convida os pobres, os
aleijados, os coxos, os cegos”. (Lc 14,14)
Uma
das chaves de compreensão da pessoa de Jesus é a relação d’Ele com a “mesa
da refeição”.
Em
todos os encontros de Jesus com os excluídos do Reino, Ele sempre os incluiu em
suas refeições.
Essa
foi a sua atitude que mais causou espanto e escândalo: a partilha nas mesas com pobres e pecado-res. Para Jesus, a mesa é para ser compartilhada com
todos; a partilha do pão com publicanos e pecadores fazia parte das práticas
transgressoras de Jesus.
Comendo e bebendo com todos os
excluídos, Jesus estava transgredindo e desafiando as formalidades do
comportamento social e das regras que estabeleciam a desigualdade, a divisão, a
separação...
Jesus revelava uma grande
liberdade ao transitar por diferentes mesas; mesas escandalosas que o fazi-
am próximo dos pecadores,
pobres e excluídos. Ele não só transitou por tantas mesas, mas instituiu a
grande mesa para a festa, a
intimidade, a memória: a “mesa da Ceia
Pascal”.
A
partir do compromisso de Jesus com a “mesa da vida”, nossa refeição à
mesa nunca mais foi a mesma, pois Ele elevou
e plenificou de sentido da mesa-refeição.
A
humanidade descobriu junto à mesa o
melhor jeito de se encontrar para celebrar a vida, reconstruir relações mais
saudáveis, romper as distâncias e superar as desigualdades.
Em muitas culturas, a mesa
da refeição é, ainda, o lugar mais importante da casa.
Para a “mesa da refeição”
convergem todos os encontros; ela é o centro para onde se voltam
mentes e corações e não apenas estômagos vazios; ela se torna o grande palco da
vida e nesse palco todas as histórias
pessoais e coletivas são recontadas, revividas e revitalizadas, dando sentido à
vida cotidiana.
Em cada encontro uma
surpresa, uma riqueza revelada para os que se aventuram dela tomar parte.
O “pôr-se-à-mesa”
é mais do que aproximar-se da fonte da alimentação. É procurar a comunhão, a
união, o convívio. Por isso, os que se assentam junto à mesa são “comensais”
(companheiros de mesa).
A mesa tem o poder de
romper fronteiras e hierarquias, pois quem dela se aproxima é bem-vindo por ser
pessoa, gente, e não por ostentar títulos, status... A mesa é sempre oblativa, acolhedora, congrega
as diferenças, quebra as hierarquias sociais...
A mesa funciona, então, como oportunidade ou lugar
privilegiado, onde se elabora e se vive um encontro de profundidade. A mesa faz a família, reforça a
fraternidade, intensifica a amizade.
Podemos afirmar que, partindo
da “espiritualidade da mesa”, em torno do gesto de comer em comum,
desvelamos um “modus vivendi” de um determinado povo, sua vida, seus
hábitos e seu jeito de ser.
A nossa conduta numa refeição
revela também o nosso agir social. Nesse encontro, nós comensais, vamos tecendo
relações sociais de diálogo, de projetos, de compromissos...
Em última instância, o que nos reúne junto à mesa não
é o simples fato de poder comer; existe, antes, algo que nos mantém unidos: um
ideal, uma amizade, um laço de família, uma função comum, um acontecimento...
Supõe-se que reine entre nós um conhecimento mútuo, ou ao menos um desejo
profundo de estreitar laços de amizade.
Nós nos aproximamos da mesa
como quem está diante de um território sagrado, porque sagrados são os
alimentos e quem deles se alimenta.
À “mesa da refeição”
encontramos pessoas abertas, lúcidas de seu momento, que não se deixam abater
pelos fracassos e nem mesmo pelo sofrimento. São pessoas capazes de partilhar,
de falar de si, de suas alegrias, conquistas, sonhos, mas também de suas dores,
desânimos e cansaços. Essas pessoas
buscam, junto à mesa, alimento para a vida; elas tem fome de algo para além do
pão da mesa.
O
nosso hábito de fazer refeição também revela traços de nossa personalidade e de
nossos comportamen-tos cotidianos. O nosso modo de estar à mesa revela nossas
habituais atitudes no relacionamento com os outros. A mesa é também
lugar de denúncia de nossos fechamentos, de nossas pressas, de nossas resis-tências
ao diálogo, de nossos medos, de nossa dificuldade em acolher o diferente...
Outras
“mesas” desalojaram a mesa da refeição e ocuparam o lugar sagrado da
partilha, da comunhão. Por isso, em muitos lugares e lares, a mesa
esvaziou-se de sentido e passou a atender apenas a interesses mesquinhos,
fazendo as pessoas conviverem tranqüilamente com a perversa dinâmica da
exclusão.
A mesa pode ser corrompida e tornar-se o lugar
de rupturas e de frieza. A mesa que funciona como estrutura
hierárquica, como posição social, se torna pobre, dissimulada, falsa e até
artificial.
Há mesas para tudo;
mesas solitárias, mesas da corrupção, do poder, da exploração..., tudo o que
envolve interesses, seduções, vaidades...
No
Evangelho de hoje, somos convidados a adentrar-mos no território sagrado,
consagrado, chamado “mesa da refeição”. Tão rica é essa mesa que
sua espiritua-lidade, vista como manancial da vida, não exclui ne-nhum momento:
situações tristes, felizes, momentos de sofrimento, de luta, de vitória...
Nesse
espaço, onde o Eterno quer habitar, é que encontramos o bálsamo e o alívio para
o nosso corpo e nossa existência psíquica e espiritual. Nessa fonte sagrada, o
sofrimento pode ser compartilhado, a tristeza transformada em alegria, as
trevas em luz, o desejo em realidade, a esperança pode ser reacendida.
É nessa mesa fecunda
de alimentos que o Sagrado irrompe em meio aos nossos esquemas prévios,
nos fazendo diferentes, separados da torrente massificante do dia-a-dia.
Ela nos sacia para voltarmos
ao cotidiano, convictos de que não vivemos fechados nele, mas somos seres de
passagem, em constante êxodo: “passar” da mesa de refeição como
lugar onde matamos nossas fomes à mesa de refeição como espaço do sagrado. A mesa, com seus cantos e encantos,
tem uma mística; ela carrega, nas suas entranhas, a força de uma peregrinação,
o impulso para fazer caminho.
A mesa é ponto de
chegada e ponto de partida; é “lugar” de celebração e de envio, de festa e de
missão.
Ao redor da mesa nos
movemos, somos, existimos e nos descobrimos para além de nós mesmos.
É ela que nos humaniza, nos
expande em direção aos outros, nos faz solidários e sensíveis, sobretudo
àqueles que não tem acesso à mesa da vida (os pobres, os excluídos...)
Se
o ativismo diário fragmenta nossa existência, a mesa pode tornar-se o
lugar do religamento das dimen-sões humanas, dessacralizadas pelas variadas
formas de violência, internas e externas.
Essa
mesa bendita nos coloca em comunhão não só com o mundo exterior, mas
também com o nosso mundo interior. Ela, como lugar do Sagrado, nos protege do
estreitamento da vida cotidiana, que tende a nos consumir, a fragmentar nossa
identidade pessoal.
Assim sendo, é da
espiritualidade da mesa, da refeição e da festa que nós cristãos,
devemos alimentar a nossa espiritualidade cotidiana. Mas, para isso, precisamos
resgatar a mesa como espaço do sagrado, do encontro com o outro e
consigo mesmo.
Textos
bíblicos: Lc. 14,1.7-14
Na
oração: É urgente sermos criativos o suficiente para
superarmos os desafios, na esperança de que venha o
despertar da “nova mesa”, com gosto de
pão, de vida fraterna, de compromisso...
Mesa
criativa, solo de onde brota o
alimento material, emocional, psíquico e espiritual em suas múltiplas formas,
cores, aromas e sabores do Reino do Pão e da Festa da Vida.
- Quê lugar tem a mesa da refeição no cotidiano de sua
vida familiar?
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