PARA
VIVER UMA “ESPIRITUALIDADE DA ESPERA”
“Que
vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas” (Lc 12,35)
A parábola deste domingo nos fala de “velar”,
de “estar preparados”: é um chamado a despertar.
Estamos despertos à medida que mantemos uma
“atenção plena” ao que acontece em nosso interior e ao nosso redor. Um dos
riscos que hoje nos ameaçam e esfriam nosso fervor no seguimento de Jesus é
cair numa vida superficial, mecânica, rotineira, massificada... Com o passar
dos anos os projetos, metas e ideais vão se apagando e perdemos a capacidade de
dar um sentido novo à nossa existência.
Na vida pessoal de fé ou na caminhada da Igreja há
momentos em que se faz noite. É muito fácil apagar as luzes e viver adormecidos; basta fazer o que fazem quase todos: imitar,
acomodar-se, ajustar-se ao contexto social; basta viver buscando seguranças
externas e internas, sempre agitados pela pressa e ocupações; basta gastar a
vida inteira “fazendo coisas” e sem descobrir nela nada grande ou nobre...
Chega um momento em que já não sabemos reagir enquanto a vida vai se apagando
em nós.
Como manter viva a esperança? Como não cair na
frustração, no cansaço ou no desalento? Onde encon-trar um princípio
humanizador, capaz de nos libertar da superficialidade ou do vazio interior?
Para despertar é preciso tomar consciência da luz presente em nosso interior e
alimentá-la; nós nos tornamos mais “lúcidos” (portadores de luz) quando tomamos
consciência da superficialidade de nossa vida, do ativismo, da vida “normótica”
e sem direção...; a verdade abre espaço em nós quando reconhece-mos nossos
enganos; a paz chega ao nosso coração quando des-velamos a desordem em que
vivemos. Despertar é dar-nos conta de que vivemos adormecidos.
Usando a imagem da “lâmpada acesa”, Jesus
nos provoca a despertar de nossa indiferença, passividade ou do descuido com o
qual vivemos nosso discipulado. É a luz
interior que deve ser alimentada para inspirar nossos critérios de ação, força
que impulsiona nosso compromisso e esperança que anima nosso viver diário.
Somos chamados a sermos pessoas “ardentes”, “luz que
acende outras luzes”, ou seja, pessoas que experimentam a
vida como crescimento constante. Sempre buscam algo mais, algo melhor. Para
elas, a vida é inesgotável: uma descoberta na qual sempre se pode avançar.
Tal como o sentinela, precisamos afinar nossos
ouvidos, ter uma visão mais ampla, , arejar nossas mentes
e transformar nossas práticas cotidianas. O importante é situar-nos onde a vida está germinando. É
saber perceber que “algo novo está nascendo”.
A vigilancia
não é medrosa e pessimista; é alegre expectativa do Deus que nos surpreende no
hoje de nossa existência; é chamado a viver com
lucidez e responsabilidade, sem cair na passividade ou letargia. Muitos
pertencem à “confraria do último dia”. Hoje não, talvez
amanhã, quem sabe mais adiante.
“Não morras na sala de espera”
(Hervey Cox).
As “salas
de espera do espírito” estão cheias de gente que simplesmente está ali,
ali mora e permanece, ali vive e morre. O fato de que já estejam na “sala
de espera” lhes dá a impressão de que já fizeram alguma coisa, já
começaram a viagem.
Para
romper com esta passividade, é necessário combinar vigilância e atenção
espiritual aos “sinais” do Deus
imprevisível na nossa realidade concreta.
Desprendimento, vigilância,
serviço... nascem da certeza do dom de uma Presença inesperada. Trata-se de
acolher a “irrupção” de Deus, como surpresa e novidade.
A encruzilhada histórica que
estamos vivendo parece pedir com mais urgência tal atitude.
Por isso é preciso estar despertos e viver a “espiritualidade
da espera”: isso implica viver o momento presente, porque qualquer momento é o definitivo, é viver o tempo
habitado por Deus.
Uma falsa visão da vida futura desumaniza a
vida presente e nos impede de viver em plenitude o momento atual. A vida
presente tem pleno sentido por si mesma. O que projetamos para o futuro já está
aqui e agora, ao nosso alcance. Aqui e agora podemos viver a eternidade, já que
podemos conectar com o Deus surpreendente em nós.
Nessa perspectiva, o tempo
é oportunidade
para servir a Deus e aos outros. O tempo é ocasião para olhar a
realidade cotidiana com respeito, ou seja, com atenção e cuidado; o tempo é
“lugar” onde servir. Esse serviço é também espera.
E essa espera é serviço. Elegemos
esperar Deus servindo, servindo-O.
A “espera”
tem, sem dúvida, um significado ativo; a “espera” não pode separar-se da busca
e do encon-tro, do agir, do amar e servir. A espera é agradecida, é missionária,
é autêntica sede de Deus.
Há dois tipos de “espera” que
manifestam graficamente duas concepções contrapostas da espiritualidade.
- De um lado estaria a
imagem da “espera de um ônibus”: trata-se tão somente de ter paciência e ocupar
o tempo, de “deixar que o tempo passe”, e que passe o mais rapidamente
possível. Estamos seguros que o ônibus vai chegar. O tempo de atraso do ônibus
é, quase sempre, tempo perdido. Nada podemos fazer para que o ônibus chegue
antes. Há pouco lugar para o imprevisível, para a novidade.
Há uma maneira de viver a
espiritualidade cristã que conhece perfeitamente todo o caminho a percorrer
(inclusive já sabe de antemão qual é a vontade de Deus); aqui não há lugar para
mudanças e para acolhida das surpresas de Deus. Mera repetição.
- Mas há outro tipo de “espera”: é a imagem da mulher grávida
que vive em “estado de espera”; a chegada do filho que há de vir não só é
desejada, mas antecipada, sonhada... Antes de sua chegada, ele já está
presente, faz parte da vida da futura mãe e a condiciona. É uma espera que
também traz medos, que transforma a vida e que a transformará ainda mais. Essa
espera muda o corpo, a psicologia, a identidade, o ser da mãe. É uma espera que, com frequência, dá sinais de
“chegar antes”, de surpresa. É uma espera na qual a futura mãe deseja “dar as
boas vindas”; uma espera habitada por aquele que há de vir, uma espera que a
enraíza na vida.
Esta última imagem nos ajuda a perceber que há uma maneira de viver a espiritualidade que está aberta a “um Deus sempre maior, sempre surpreendente, sempre
novo”. Um Deus que dá e se dá, que habita nas coisas, que
trabalha por nós, que desce às nossas vidas e aos nossos tempos.
Esta segunda maneira de esperar pressupõe que toda a realidade está
habitada por Deus. Esta espera significa
pôr em alguém nossa esperança, e esse Alguém não sou eu nem minha atividade; uma
esperança que carrega uma espera
para que não se trate simplesmente de uma ilusão, para que estejamos preparados
para receber esse Alguém. “Viver desta maneira a
experiência humana, o tempo, equivale a viver cada momento de frente a Deus, ao
definitivo. O aqui e agora se densifica de tal maneira que já não é preci-so
buscar mais ou outra coisa. A vida adquire a plenitude e intensidade do último”
(J.M. Mardones).
Na oração: Para viver despertos é importante viver com
mais
calma, cuidar do silêncio e
estar mais atentos aos cha-mados do coração. Só quem ama e serve, vive
intensamente, com a-legria e vitalidade, despertado para o essencial. Uma
certeza pode-mos ter: o Espírito está sempre pronto a criar, recriar,
a transfor-mar,
a renovar
e“fazer novas todas
as coisas”, abrindo-nos
a um novo tempo com a feliz esperança de “novos céus e nova terra”,
num mundo outro e pleno de vida.
“O amadurecimento da experiência e uma visão de
fé mais profunda evidenciam a grande Luz
que nos precede, acompanha e segue no percurso da vida”. Deixemo-nos iluminar, levemos a Luz nas nossas pobres e frágeis mãos,
iluminando os recantos do nosso cotidiano.
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