quarta-feira, 29 de maio de 2013

Amigos e amigas, próximo domingo reiniciamos o tempo litúrgico conhecido como "Tempo Comum"; este ano (Ano C) estamos seguindo o evangelista Lucas. Será uma longa caminhada contemplativa (até o Advento), tendo "os olhos fixos em Jesus" e deixando-se ensinar por Ele. Segue uma sugestão para rezar o Evangelho do próximo domingo. Um abraço Pe. Adroaldo sj



JESUS: A FORÇA E A SEDUÇÃO DE SUAS PALAVRAS

“...não sou digno de que entres em minha casa, mas dize uma palavra e o meu servo ficará curado”

O centurião romano atribui força e eficácia à palavra de Jesus. Por sua experiência do mundo militar ele sabe que tal “palavra” realiza o que expressa, independentemente da presença de quem a profere; por si só a palavra tem uma força expansiva e um dinamismo criativo.
De fato, no princípio não está o silêncio de uma noite primordial, mas a Palavra criadora de Deus, inau-guradora da Criação. Deus comunica sua Palavra e o que Ele diz é Criado. O mundo foi criado porque foi dito: “Que exista a luz! E a luz começou a existir”. A Criação é um acontecimento que surge da Palavra.
“No princípio era a Palavra”, diz o prólogo de S. João. Deus é Palavra e, em Jesus, ela se faz carne.
Chegada a plenitude dos tempos, Deus disse sua Palavra definitiva e insuperável em Jesus. 
Ele, em sua vida e missão, prolonga a Palavra criativa de Deus; começa a falar uma Palavra sedutora a partir da margem geográfica, cultural, religiosa e econômica.
A partir das periferias do mundo surge um canto de vida nova, a sabedoria oculta a muitos sábios e expertos. É uma sabedoria que vem de Deus, desconcertando a sabedoria exibida a partir do centro.
Suas palavras revelam uma força ressurreicional, que é o sentido belo do viver; através delas Jesus põe em movimento a realidade, reconstrói pessoas feridas em sua dignidade, comunica saúde onde há enfermidade, faz emergir a vida onde impera a morte.

Na Bíblia, “uma palavra é sempre mais que uma palavra”. Ela é acontecimento relacional na vida origi-nal de cada um; no interior de quem a escuta, ela é vida, movimento... ela tem um sentido particular, único...; não há começo nem fim, mas movimento permanente, interação sempre mais profunda...
Jesus, no encontro com a realidade, extrai palavras significativas, previamente cinzeladas e incorporadas no seu interior, onde elas revelam dinamismo, sentido e alteridade; sua palavra brota de uma vida inte-rior fecunda e conduz a uma vida comprometida.

 “Nós somos palavra”. A palavra adquire a sua força vital no interior da relação dialogal, na singu-laridade de cada um, no seu ritmo, no seu tempo... Quando não existe a troca de palavras, ditas e ouvidas, a vida é mutilada nas suas expressões mais vitais, as espirituais.
As palavras pesam. Talvez porque sejam a mais genuína invenção humana.
Nosso mundo está repleto de “palavras”. Em todos os lugares aonde vamos somos cercados por elas:
palavras murmuradas com suavidade, proclamadas em altas vozes ou berradas irritadamente; palavras faladas, recitadas ou cantadas; palavras em discos, em livros, em muros ou no céu; palavras de muitos sons, muitas cores ou muitas formas; palavras para serem ouvidas, lidas, vistas ou olhadas de relance; palavras que oscilam, se movem devagar, dançam, pulam ou se agitam.
Palavras, palavras, palavras! Elas formam o piso, as paredes e o teto de nossa existência.

A palavra pode ferir ou curar, construir ou destruir, distanciar ou aproximar... Proferida no calor aquecido por mágoas ou ira, penetra como flecha envenenada. Obscurece a vista e instaura a solidão.
Mas a palavra também salva. Uma expressão de carinho, alegria, acolhimento ou amor, é como brisa suave que ativa nossas melhores energias. É extraordinário perceber como as palavras ditas com cuidado e amor (pedagogia de Jesus) produzem efeitos benéficos para o ser humano. Essas palavras são bem-aventuradas, pois são capazes de fazer crescer, sustentar, edificar as pessoas para o convívio social, humano-afetivo, espiritual. São palavras que trazem luz e calor, infundem confiança e segurança.
As palavras jamais deixam as coisas como estão. Elas não se limitam a transmitir uma mensagem; elas tem uma força operativa, desencadeiam um movimento... Quando falamos algo acontece, muda alguma coisa dentro de nós e ao nosso redor. Aparentemente nada mudou; mas é possível que tudo tenha muda-do. A palavra foi além de sua vibração sonora. Ela contribui para criar o clima, o ar que respiramos... um ambiente que nos plenifica, nos nutre, favorece o encontro e o compromisso e abre possibilidade de viver

Às vezes temos a sensação de que as palavras nos saturam: nas aulas, na televisão, nos jornais, nas litur-gias, na Internet... Sem dúvida, em nossa sociedade pós-moderna, a palavra cada vez tem menos rele-vância, cada vez é menos significativa. Esvaziamos as palavras, adocicamo-las, manipulamo-las ou as submetemos a uma violenta perda de significados segundo nossa conveniência. E S. Inácio, nos Exercícios Espirituais, nos diz que “o amor consiste mais em  obras  do que em palavras”.
É verdade, mas pôr o amor nas obras não impede pô-lo também nas palavras, e isso implica compro-meter-nos a cuidar da qualidade das palavras. “Cuidar a palavra é cuidar o mais específico do ser huma-no, enquanto que é através dela que se expressa nosso mistério” (Melloni, sj).
O fato é que há palavras que, mesmo que não sejam necessárias, tem uma força enorme. Podemos pôr muito amor nas obras e também empapar nossas palavras desse mesmo amor, porque nas palavras nos dizemos e nas obras nos realizamos.
Chegamos, assim, ao “interno conhecimento” da palavra, à reverência para com a palavra, por ser ela expressão externa da palavra interior escutada no silêncio, por ser palavra “dirigida” a Alguém.
Talvez o que mais nos falte hoje em dia seja dirigir nosso olhar sobre “a palavra”, prestar atenção à pala-vra mesma a partir da nossa interioridade.
“Como os filólogos nos advertem, as palavras estão grávidas de significados existenciais.
Nelas, os seres humanos acumularam infindáveis experiências, positivas e negativas, experiênci-as de busca, de encontro, de certeza, de perplexidade e de mergulho no Ser.
Precisamos desentranhar das palavras sua riqueza escondida (L. Boff)

Nesse sentido, o silêncio é a arte de cinzelar palavras. Talhada pelo silêncio, mais significados elas possuem. O silêncio não é o contrário da palavra. É sua matriz, lapidador de palavras sábias.
O tagarela cansa os ouvidos alheios porque seu matraquear de frases ecoa sem consistência.
Já o sábio pronuncia a palavra como fonte de água viva. Ele não fala pela boca, e sim do mais profundo de si mesmo. Sabem os místicos que, sem calar o palavreado crônico, é impossível ouvir, no segredo do coração, a Palavra de Deus que neles se faz expressão amorosa e ressonância criativa.
No processo da oração, temos a oportunidade de aproximar a palavra à experiência, para resgatá-la da insignificância, do anonimato, fazê-la inédita, consciente e podê-la assim confrontar com a Palavra que, feito carne, entrou em nossa experiência histórica.
A palavra recém saída do forno da experiência está viva, quente... transforma a vida.

Textos bíblicos:  Lc. 7,1-10

Na oração:  Cave palavras nas minas do seu silêncio, palavras
                    carregadas de sentido e de ânimo.
Silêncio para poder dialogar com seu eu profundo, para ver o que há atrás de suas palavras, de seus sentimentos, de suas intenções... Silêncio para tentar ir ao coração de sua verdade. Pois somente no silêncio poderão germinar as palavras-vida.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Amigos e amigas, segue uma sugestão de oração para vivenciar a festa de Corpus Christi. Um abraço a todos Pe. Adroaldo sj



EUCARISTIA: da comunhão de pão à comunhão de vida

 “Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, elevou os olhos ao céu, abençoou-os, partiu-os..” (Lc. 9)

Comer e beber com outras pessoas é a coisa mais simples e importante que podemos fazer para reforçar nossa humanidade.
Comer é uma experiência humana e espiritual; sentar-se com outras pessoas em torno de uma mesa é sagrado. Se por acaso pudermos ter alguns desconhecidos à mesa, melhor ainda. O alimento possibilita a conversa – é sinal visível do Amor. Lembremo-nos, é preciso tempo: “fast food não nos faz bem!”
Tempo para saborear e sorver, deliciar-se e conversar...
Tempo para  uma longa e lenta digestão de tudo o que é bom. O primeiro ingrediente é sempre o amor.
Em intervalos regulares, é necessário festejar. É uma dessas coisas que não se questiona. Sobreviver é animal; festejar é humano; ser um “animal festivo” é ser divinamente humano. Deus adora festejar. 

Cada vez que comemos e bebemos, comungamos com o outro, com a terra, com todo o Universo. O pão é vida concentrada; vida em forma de alimento. No repartir do Pão palpita a vida que transcende as fron-teiras existenciais. Cada vez que comemos, o fazemos com profunda gratidão e veneração ao que recebe-mos, e compaixão pelos que não podem comer.
Cada bocado que mastigamos é um gesto sagrado: comungamos com o Todo, o Ser, a Vida. O que impor-ta é que seja fruto da terra e do trabalho, sacramento da vida e do mundo novo. Comungamos com a grande Comunhão ou com o Mistério de Deus. Viver é com-viver.
É preciso ir a fundo no profundo significado e sentido desse gesto: partir o pão é o símbolo ancestral que nos revela as entranhas da humanidade, ou seja, compartilhar a necessidade.

Isso acontece em cada refeição, e a Eucaristia não é nada mais do que isso, porque não pode haver nada maior que uma simples refeição. O simples é o pleno. O cotidiano e natural é o mais sagrado.
Jesus de Nazaré sonhava e anunciava outro mundo possível e o chamava “Reino de Deus”. E, para ex-plicar como seria esse outro mundo, já neste mundo, não lhe ocorreu coisa melhor que organizar uma ale-gre refeição no campo: cada um levou e compartilhou o pouco que tinha; todos se saciaram e ainda so-brou muito. O pão nas mãos de Jesus era pão para ser partido, repartido e compartilhado.
Jesus anunciava o “Reino de Deus” como uma grande  mesa com abundante pão e sem nenhum excluído.
Sua religião é a religião da refeição; na verdade Jesus rompeu com a religião e com tudo aquilo que impedia que todos comessem juntos, que impunha jejuns, que declarava impuros alguns alimentos e proibia compartilhar a mesa com os chamados pecadores, que quase sempre eram os pobres.
Alguém teve a ousadia de afirmar que mataram Jesus por seu modo de comer; em suas refeições escanda-losas e provocativas Ele anulava as fronteiras entre santos e pecadores, puro e impuro, sagrado e profano. Algo intolerável. Os dirigentes religiosos e as “pessoas de bem” o chamavam de “comilão e beberrão, amigo dos pecadores”.

Segundo os relatos dos Evangelhos, durante sua vida pública, Jesus transitou por muitas refeições, propôs a grande mesa da inclusão e, para culminar, organizou com seus amigos mais próximos uma ceia de despe-dida e de esperança. Ali, ao partir o pão e passar o cálice, pediu que se recordasse dele toda vez que comes-sem ou bebessem juntos, reavivando a esperança de construir o mundo que todos esperavam. Eles se transfigurariam e o mundo se transformaria em Comunhão toda vez que este gesto fosse repetido.
Assim fizeram seus seguidores: após a Ressurreição Jesus foi “reconhecido ao partir o pão”; foi reconhecido não porque estava no templo ou ensinava na sinagoga, mas porque partia o pão. Jesus fez do universo seu corpo e se faz pão para nós.
Por isso, no primeiro dia da semana, reuniam-se todos nas casas, oravam juntos, recordavam a mensagem de Jesus, comiam o pão, bebiam o vinho e a Vida ressuscitava. A isso chamavam, ‘ceia do Senhor” ou “fração do pão”.  Tudo era muito simples e despojado.

Séculos depois, a simples refeição foi se complicando. A casa se converteu em templo, a refeição em “sacrifício”, a mesa em altar, o convite em obrigação, a  partilha em exclusão... A festa de “Corpus Chris-ti” pode ser ocasião propícia para voltarmos ao mais simples e pleno, para além dos cânones, rubricas , pompas e indumentárias que não tem nada a vez com Jesus.
Basta nos reunir em um lugar qualquer, para recordar Jesus, compartilhar sua palavra, tomar o pão e o vinho, ressuscitar a esperança e alimentar o sonho do Reino.
Essa é a Missa verdadeira, a verdadeira missão.

A transformação das relações humanas se dá através do partir o pão e do passar o cálice de vinho; como o pão é um, comer desse pão nos faz todos um. A Eucaristia faz de todos nós Corpo de Cristo. Daí o interesse da primitiva Igreja em que na Eucaristia comungassem todos do mesmo pão partido, com a finalidade de fazer visível essa unidade de todos.
Ninguém ceia sozinho. Há um partir, um distribuir, mãos que se tocam, olhares que se encontram.
E, em tudo isto, sensação como se fosse a de uma “conspiração”.
             Conspirar, com-inspirar, respirar com alguém, juntos.
             Conspiradores: respiram o mesmo ar. Jesus e os discípulos, comendo o Pão e bebendo
             o Vinho respiram o mesmo ar, o mesmo sonho, a mesma utopia do Reino.
É assim a comunidade dos cristãos, a Igreja: juntos, conspirando, mãos dadas, comem o pão, bebem o vinho e sentem uma saudade/esperança sem fim...
Tomar o pão e o vinho da Eucaristia é fazer memória de uma presença  que nos compromete.

Discípulos de Jesus somos quando aprendemos a partir o pão. Reconhecemos os cristãos hoje quando partem o pão e não o armazenam. O pão armazenado, como o maná no deserto, se corrompe, apodrece.
Compartilhar significa não “monopolizar”, não permitir que haja necessitados entre nós.
O pão partido é a vida compartilhada: meios, tempo, qualidades.
O cristão, além disso, compartilha  seus ideais, seu entusiasmo, seu ânimo, sua fé, sua esperança.
Também hoje Jesus precisa de nossas mãos para multiplicar os grãos; precisa de nossas mãos para triturar esses grãos, amassar a farinha e fazer o pão. E precisa de nosso coração para que o pão seja repartido.
O pão sem coração é pão “monopolizado”. Pão indigesto, que engorda o egoísmo.
O pão sem coração gera divisões e conflitos. Quantas guerras fraticidas provoca o pão sem coração!
Deus precisa de nosso coração para que o pão leve o sinal da fraternidade, seja vitamina de solidariedade, alimento de comunhão, energia de vida.


Textos bíblicos:  Lc. 9,11-17   1Cor. 11,23-26

Corpo de Cristo
Olhos inquietos por verem tudo. Ouvidos atentos aos lamentos, aos gritos, aos chamados.
Língua disposta a falar verdade, paixão, justiça…
Cabeça que pensa, para encontrar respostas e adivinhar caminhos, para romper noites com brilhos novos.
Mãos gastas de tanto servir, de tanto abraçar, de tanto acolher, de tanto repartir pão, promessa e lar.
Entranhas de misericordiosas para chorar as vidas golpeadas e celebrar as alegrias.
Os pés em marcha em direção a terras abertas e a lugares de encontro.
Cicatrizes que falam de lutas, de feridas, de entregas, de amor, de ressurreição.
Corpo de Cristo… Corpo nosso.       (José María Olaizola, SJ)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Amigos e amigas, próximo domingo é a festa da SS. Trindade. Segue uma sugestão para rezar e preparar-se para esta festa. Um abraço a todos Pe. Adroaldo sj



GLÓRIA À TRINDADE SANTA, GLÓRIA AO DEUS BENDITO

“Tudo o que o Pai possui é meu; por isso vos disse: Espírito receberá do que é meu e vos anunciará”

Nem sempre é fácil, como cristãos, relacionar-nos de maneira concreta e viva com o mistério de Deus confessado como Trindade. A festa da Trindade nos recorda que não se trata de entender, ou simples-mente de pensar e estudar o Mistério das Três Pessoas divinas. O decisivo é viver o Mistério a partir da adoração e da partilha fraterna.
A Trindade é Mistério para nós na medida em que nunca conseguiremos compreendê-lo e apreendê-lo pela razão. É o desconhecido que nos fascina e nos atrai para conhecê-lo mais e mais, e, ao mesmo tempo, desperta o assombro e a reverência. A Trindade é o mistério que liga e religa tudo, que deixa transbordar seu Amor criativo no coração de toda a humanidade e no universo inteiro.
O Mistério da Trindade sempre está aí (vivemos submergidos n’Ele), permanentemente nos esbarramos n’Ele (dentro de nós e na realidade) e buscamos conhecê-lo; mas ao tentar conhecê-lo percebemos que nossa sede e fome de conhecer  nunca se sacia. Por isso, diante da presença do Mistério Trinitário, afogam-se as palavras, desfalecem as imagens e morrem as referências. Só nos restam o silêncio, a adoração e a contemplação. “O ser humano que não tem os olhos abertos ao Mistério passará pela vida ser nunca ver nada” (Einsten)

A festa da Trindade nos mobiliza para uma nova maneira de viver e de se relacionar com o Deus de Je-sus,  cuja presença preenche o cosmos, irrompe na vida, habita decididamente no interior de cada pessoa e é vivido em comunidade. É preciso deixar claro que o Mistério da Trindade não é um enigma a ser decifrado, ou seja, como conjugar três “individualidades” em uma Unidade, mas é a proclamação de que Tudo é Relação. A Trindade não é uma especulação teórica sobre três pessoas “abstratas” em Deus, mas a maneira de ser de Deus, como Amor que se expande, em si e fora de si, de uma maneira “reden-tora”, inserindo-se na história da humanidade.
De Deus não sabemos nem podemos saber absolutamente nada. Temos que retornar à simplicidade da linguagem evangélica e utilizar a parábola, a alegoria, a comparação, o exemplo simples, como fazia Jesus. A realidade de Deus não pode ser compreendida, não porque seja complicada, senão porque é absolutamente simples; a nossa maneira de conhecer é que analiza e divide a realidade. Deus não é dividido em partes para que cada um delas possa ser analizada por separado.
A Trindade chega até nós, não cada uma das “pessoas” por separado.
Ninguém poderá encontrar-se só com o Filho, ou só com o Pai, ou só com o Espírito Santo. Nossa relação será sempre com o Deus UNO (“Deus é Um mas não está só”).
É necessário tomar consciência de que quando falamos de qualquer uma das Três Pessoas relacionando-se conosco, estamos falando de Deus. Nem o Pai só cria, nem o Filho só salva, nem o Espírito Santo só santifica. Tudo é sempre obra do Deus Uno e Trino.
Tudo em nós é obra do único Deus. Dizer que é preciso ter devoção a cada uma das pessoas, é uma “piedosa” interpretação do dogma. Quê sentido pode ter, dirigir as orações ao Pai crendo que é diferente do Filho e do Espírito?

O Deus de Jesus não é uma verdade para pensar mas uma Presença a ser vivida. Não é um idéia para quebrar nossa cabeça, mas a base e fundamento de nosso ser. O povo judeu não era um povo filósofo mas vitalista. A Trindade quer expresar o mistério da VIDA mesma de Deus que nos é comunicada.
Uma profunda vivência da mensagem cristã será sempre uma aproximação do mistério Trinitário.
Será, em definitiva, a busca de um encontro vivo com Deus. Não se trata de demonstrar a existencia da luz, mas de abrir os olhos para ver. O verdadeiramente importante foi sempre a necessidade de viver essa presença do Deus, comunhão de Pessoas, no interior de cada ser humano.
Quando nos abrimos à comunhão com a Trindade, Ela entra em comunhão conosco na forma sutil de um perfume. Não força, não invade, mas cria um ambiente agradável, perfumado, que nos eleva e nos suscita alegria interior. Tal como o perfume, a Trindade derrama sua Graça sobre toda a Criação e a humanidade inteira. Quê há de mais suave, reconfortante e realizador do que sentir a Trindade a partir do coração?

Jesus, o Mistério de Deus feito carne no Profeta da Galiléia, é o melhor e único ponto de partida para reavivar uma fé simples no Deus Comunidade de Pessoas. Ele quis trasmitir-nos que, para experimentar Deus, o ser humano precisa aprender a:
Olhar dentro de si mesmo (Espírito), olhar os outros (Filho) e olhar o transcendente (Pai).
Desde sua própria experiência de Deus, Jesus convita seus seguidores a relacionar-se de maneira confiada com Deus Pai, a seguir fielmente seus passos de Filho de Deus encarnado, e a deixar-se guiar e alentar pelo Espírito Santo.  Ensina-nos assim a abrir-nos ao mistério de Deus.
“Só n’Ele (Jesus Cristo) a Trindade se comunica a nós e somos revelados pela Trindade. Jesus é o Mestre porque é a voz da Trindade para nós e a nossa voz para a Trindade. Jesus Cristo é a porta através da qual a Trindade passa até nós e nós até a Trindade. Jesus Cristo é o caminho que nos leva à Trindade e através da qual a Trindade chega até nós. Jesus Cristo é a Vida, porque n’Ele a Vida da Trindade corre em nós e a nossa pobre vida corre na vida da Trindade eterna de Deus” (Bruno Forte).

O que os primeiros cristãos experimentaram é que Deus podia ser ao mesmo sempre e sem contradição:
Deus que está acima de nós (Pai); Deus que se faz um de nós (Filho); Deus que se identifica com cada um de nós (Espírito). Estão nos falando de um Deus que não se fecha em si mesmo, senão que se relaciona doando-se totalmente a todos e ao mesmo tempo permanecendo Ele mesmo. Um Deus que está acima do uno e do múltiplo.
Aproximar-se de Deus é descubrir a Trindade. E em cada um de nós a Trindade deixa-se refletir. Viver a experiencia do Deus Trino implica saber com-viver; fomos feitos para o encontro e a comunicação. Estamos falando de uma única realidade que é relação.

Portanto, Trindade é a glória de Deus que se expressa na vida da humanidade, em especial nos mais pobres e excluídos; é o Amor mútuo, a comunhão pessoal, de Palavra (Filho) e de Afeto (Espírito Santo). Assim é a Trindade na terra: quando todos os seres humanos compartilham a vida e se amam.
Não crê na Trindade quem simplesmente professa que há “em Deus três pessoas”, ou quem faz mecanicamente o sinal da Cruz, mas aquele que vive o impulso e a expansão do Amor Redentor, que se expressa como compaixão, reconciliação e compromisso. Crer na Trindade é amar de um modo ativo, como dizia S. Agostinho. Contempla-se a Trindade ali onde se ama e se compromete com a libertação do próximo. Estamos envolvidos pelo movimento do Amor sem fim que parte do Pai, passa pelo filho e se consuma no Espírito.
Só quem tem coração solidário adora um Deus Trinitário, pois no compromisso libertador torna-se presença trinitária.


Texto bíblico:  Jo. 16,12-15

Na oração: No interior de cada um, a Trindade está atuando, está convidando a que ponha em movimento
                     toda a capacidade de admiração e quer ensinar a ler e interpretar Sua presença em todas as coisas.