PENTECOSTES: o Sopro integrador que tudo
movimenta
“Soprou
sobre eles e lhes disse:’Recebei o Espírito Santo’” (Jo. 20-22)
O
têrmo “espírito”, nas tradições religiosas mais antigas, aparece
vinculado ao vento, à respiração e à energia. “Ruah” em hebraico; “pneuma” em
grego; “spiritus” em latim; “qi” (ou “chi”) em chinês; “prana” em sânscrito...
Todos eles são termos que fazem referência a “alento vital”, “sopro de vida”,
“energia”... e guardam uma estreita relação com a própria respiração.
A
partir do simbolismo apresentado pelas etimologias, podemos falar do Espírito como do Alento último de tudo
o que é, como da Energia primeira que tudo
move e da qual são criadas todas as coisas, como do Dinamismo vital que
torna possível a vida e a expressão da mesma em infinitas formas...
A
partir desta perspectiva, em tudo o que vemos, também estamos “vendo” o Espírito
em ação; além disso, o reconhecemos como nosso núcleo mais íntimo, a Identidade
mais profunda. E nos vem à memó-ria as sábias palavras de Teilhard de Chardin: “Não somos seres humanos vivendo uma aventura
espiri-tual, mas seres
espirituais vivendo uma aventura humana”.
Só
assim pode-se captar adequadamente o que é a evolução em toda sua profundidade:
o Espírito dorme nos minerais, desperta nos vegetais, sente nos animais e ama
nos humanos. Ou, dito de outra forma: o Espírito dorme na pedra, sonha na flor,
desperta no animal e sabe que está desperto no ser humano.
Tudo
se move e se renova. Move-se o sol, a lua e a terra, o átomo e a estrela.
Move-se o ar, a água, a chama, a folha. Move-se o sangue, o coração, o corpo, o
espírito. Tudo se move, nada se repete. Tudo é calma e dança, quietude em
movimento. O que não se move, morre; mesmo no que morre tudo se move. Move-se o
Espírito de Deus, energia do amor, verdor da Vida. Move-se Deus, o Mistério que
tudo move e impulsiona ao amor, à verdade e à beleza.
Como
um vento irresistível que impulsiona a história do mundo a partir de dentro ou
como um barco que infla suas velas e começa a navegar, arrastado por algo invisível
e poderoso: é essa presença mobilizadora que chamamos “o Espírito”, o “Vento de
Deus”. E o vimos “soprar” criativamente no mesmo Jesus; e o vimos soprar
poderosamente na primeira comunidade cristã, sobretudo a partir daquela formidável
manhã de Pentecostes; e continuamos vê-lo soprar no amor e no entusiasmo de
tantas pessoas criativas que sustentam o mundo e nos fazem manter a fé e a
esperança.
Deixemo-nos
levar por esse Vento que sopra em
cada um de nós, esse Sopro em nós,
maior do que nós, que gera harmonia e nos faz conectar com todos os viventes; o
Espírito é a força que nos aproxima uns dos outros e que exerce seu dinamismo
criador transformando em “cosmos” o que antes era “caos”.
Na
medida em que o alento divino da “Ruah”
envia seu sopro vital, somos seres animados, viventes, criativos. Vivemos com
esse energia que nos foi dada e nos dinamiza com sua força. Vivemos sustentados
por essa força que desperta em nós as grandes inspirações e intuições
adormecidas.
O
vento, o ar, o Espírito sopra onde quer e nenhum de nós pode nem se atreve a
querer controlar, dominar ou possuir essa Energia, pois somos vivificados por
ela. A “ruah” é fonte de vida e vivificação. Nascer é ser dado à luz pelo
Espírito. É receber o Sopro: um
Sopro de muitas formas, cores, sabores e intensidades. Sopro de compaixão e
ternura, sopro de igualdade e diferença, de justiça e paz. Morrer é devolver o
sopro vital; morremos para o Espírito para sermos aspirados pelo Espírito na
Ressurreição.
Como Sopro, o Espírito
é o grande multiplicador do melhor de cada um, o portador das “células-tronco”
de nossa vida interior. Ele nos faz fortes em nossa fraqueza e nos faz
amadurecer quanto mais nos huma-nizamos. Seu modo de nos proteger é
abrindo-nos; seu modo de nos defender é desarmando-nos e que-brando nossa
rigidez. Soltar as asas nos momentos mais petrificados e pesados de nossa vida
é sinal de sua silenciosa Presença. De imediato, nos sentimos livres do peso
que fomos arrastando durante tanto tempo e, por uns instantes, nos atreveremos
a “viver
no Vento”.
Trata-se
de sermos dóceis para deixar-nos conduzir pelo Sopro do Espírito, por
onde muitas vezes não entendemos e não sabemos. Como nosso Mestre interior, nos
ensinará a deixar-nos conduzir para a bon-dade, para a doação, para o perdão e
a alegria.
Em
outras palavras: “viver segundo o Espírito” não se define como um
combate, como luta para debilitar o “eu”, mas como experiência
para ativar o impulso para o “mais” e “ordenar” os dinamismos humanos em
direção a um horizonte de sentido: o Reino.
“Deixar-se
conduzir pelo sopro do Espírito”, portanto, em duas direções: a)
para a própria interiori-dade, ativando as “beatitudes originais”, reacendendo
a força dos desejos, despertando a inspiração para a criatividade... b) para
a universalidade: abertura e acolhida da realidade, para ser “sal e luz
do mundo”.
Em muitas situações de nossa vida precisamos sentir
por onde sopra o vento, ouvir de onde vem sua voz quando não sabemos como
aceitar as sombras e as vozes do medo que vão se
ampliando dentro de nós.
A missão do Espírito não é ajudar a nos “livrar” daquilo
que imaginamos que torna sombria nossa exis-tência e nos atemoriza (feridas,
rejeições, ressentimentos...); é próprio de Sua presença reunir, integrar,
conciliar, pacificar, conduzir-nos a um “lugar interior”, a um centro de calma,
onde tudo tem seu lugar, onde tudo encontra seu espaço.
As angústias mais radicais do ser humano
são acolhidas e transformadas pelo Sopro do Espírito: um sopro vital que
possibilita a vitória da esperança contra o desespero, da comunhão contra a
solidão, da vida contra a morte.
Seu trabalho de transformação e de
re-criação nos ensina a fazer amizade com as dimensões não integra-das de nossa
vida, da realidade, dos outros, das quais nos tínhamos distanciado, das quais
nos sentíamos separados. Sua discreta presença alentadora nos move a acolher em
nós nosso potencial de ternura, de cuidado e de resistência diante de todas
aquelas situações e forças que desintegram a vida.
Essa
é a terra propícia onde atua o Espírito. Onde há mais carência,
vulnerabilidade, pobreza... há mais criativas possibilidades. Nenhuma situação
pode afastar-nos de Seu Sopro; pelo
contrário, maior desampa-ro, maior proximidade; maior sofrimento, maior unção.
Toda terra baldia é boa para o Espírito.
Portanto,
viver uma “vida segundo o Espírito” significa romper nossa estreiteza de
vida, superar nossos medos e entrar no seu movimento criativo em direção a
largos horizontes: tal dinamismo nos manterá “despertos” e dará sabor à nossa
existência.
Texto bíblico: Jo. 20,19-23
Na oração: Felizes aqueles que se reunem em
torno ao Sopro
do Espírito para deixar-se
transformar cada diapor Ele.
Felizes
aqueles que se deixam conduzir pela luz do Espírito e não lhe põem travas,
obstáculos ou impedimentos.
Felizes
aqueles que reconhecem suas fragilidades e se deixam fortalecer pelo Espírito
de Deus.
Felizes
aqueles que vivem a novidade radical do Espírito, para não perpanecer nunca
ancorado no passado, mas viver a realidade do presente e estar abertos à
surpresa do futuro.
Felizes
aqueles que se deixam rejuvenescer pelo Espírito e deixam pendurados no cabide
do esquecimento as velhas vestimentas cheias de remendo.
Felizes
aqueles que se deixam fascinar e refrescar pela brisa do Espírito, aqueles que
reconhecem nela a presença vivificante de Deus em suas vidas.
Felizes
aqueles que vivem com um espírito de solidariedade, empenho, ternura, cuidado e
consolo.
Felizes
aqueles que não deixam que o Espírito fique aprisionado, aqueles que cada dia
recriam as palavras e as intuições do Espírito, aqueles que se deixam habitar
pela liberdade radical do Espírito. (Miguel Mesa Bouzas)
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