segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Amigos e amigas, no próximo domingo iniciaremos mais um Ano Litúrgico (Ano C), que começa com o Advento, preparando-nos para as festividades do Natal.


ADVENTO, DEIXA-TE SURPREENDER

 

 “...levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima” (Lc 21,28)

 

Mais uma vez o Advento vem ao nosso encontro, e com ele o convite para continuar ampliando espaços para Deus em nossas vidas. Uma oportunidade para escutar de novo sua promessa: promessa de nova vida, de um novo ânimo, uma nova esperança.

Podemos acolher este tempo com a marca da rotina(mais um ano, repetir as mesmas palavras, a espera, o “vem, Senhor”...); ou mobilizando-nos e abrindo-nos à surpresa de Deus, que virá a nós como chamado, como possibilidade, como grito para despertar-nos...Que nos abramos ao novo!

 

O melhor do Deus que vem é que Ele se manifesta de maneiras inesperadas: desfaz certezas, rompe convenções, renova sonhos, não busca brilhos ou ornamentos, aplausos ou adesões forçadas. Sua chegada não exige cobranças nem condiciona com exigências desmedidas. A esperança abre passagem por onde menos esperamos. E Deus continua aparecendo onde e quando ninguém espera.

Para “conhecer” a realidade e a verdade do Advento precisamos de olhos novos e de um coração novo.

É necessário despertar aquela “sensibilidade” escondida e abafada pelo ativismo e pelo ritmo estressante de nossa vida. No Advento, toda a humanidade é atingida como que por um raio, é tomada de surpresa.

A sua noite, o seu silêncio, o seu sono, a sua rotina diária... é quebrada por uma novidade absoluta.

O Advento é, por sua própria natureza, uma surpresa que quebra a solidão das pessoas abandonadas a si mesmas, que irrompe no meio de uma vida sem sentido e sem direção, que traz luz para os ambientes fechados e frios.

 

A “sensibilidade” despertada pelo Advento recupera em nós o sentido da surpresa,recobra a atitude da expectativa, da novidade, do assombro...diante da vida. Porque é no traçado das horas e dos dias que Deus prepara sempre a sua novidade, a sua surpresa, o seu dom natalício.Tal surpresa faz brotar o entusiasmo para enfrentarmos os desafios da vida, despertando projetos arquivados, suscitandodinamis-mo novo no cotidiano pesado, fazendo-nos levantar de novo e retomar o caminho...

Precisamos conservar límpidos os olhos do espírito, prontos para perceber a maravilha que está ger-minando na nossa vida.O Advento quer reafirmar a possibilidade de uma alternativa, da chegada de um hóspede inesperado, porque é “boa nova”, é evangelho.

Por isso,o cristão não deve jamais cair na resignação, mas permanecer em vigília, na expectativa; ele deve ser também uma surpresa para os outros, com seu gesto de amor imprevisto, com sua palavra que reanima, com sua visita que consola, com sua atenção para com todos os que levam uma vida obscura e monótona.Ele olha o mundo com inteligência, sim, mas também com a simplicidade das pombas; sabe intuir obem secreto, também sabe apreciar a poesia da vida e da natureza.

 

No evangelho de hoje, Jesus dá por suposto a existência de situações desastrosas que nos sacodem, enchendo-nos de ansiedade e preocupação; mas, onde nós só vemos catástrofes, Jesus vê “sinais”. E a condição para descobri-los é erguer a cabeça, levantar os olhos, ir mais além do imediato que nos cega e nos prende em redes de desejos insatisfeitos, em obsessões por conservar modos de vida que considerá-vamos definitivos, em temores que embotam nosso coração impedindo o fluir da vida.

Curvados sobre nós mesmos, sem horizonte, sem poder olhar de frente, nem entrar em relação de reciprocidade, carregando durante longo tempo um peso excessivamente grande (culpa, ressentimento, vergonha), bloqueados, privados de nosso próprio potencial: este é o drama que nos desumaniza. Nossos corpos encurvados se fazem texto, linguagem, grito, petição... para serem endireitados.

Nesse contexto ressoa com força o apelo de Jesus: “levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima”.

 

Nosso corpo fala mais e com mais veracidade que nossas palavras, o que irradiamos revela algo sobre nós. E há corpos que em silêncio clamam por cura e cuidado. É preciso interrogar nossos corpos para que eles nos contem suas histórias guardadas: seus segredos, suas dores, suas vivências. Devemos ser capazes de lê-los e respeitá-los, para poder devolver-lhes sua harmonia e sua beleza originais.

É nosso próprio corpo posto de pé, é nossa própria vida circulando semataduras, é a libertação de nossas forças afetivas, a possibilidade de olhar outros olhos sem temor e de entrar em comunicação... que nos faz experimentar uma relação nova com a vida.

Aspiração, sede, ansiedade, expectativa, estar de pé: isso é o que nos invade quando sentimos que se aproxima algo que desejamos de verdade. Pois isso é o Advento: tempo para os grandes sonhos.

 

Só os medíocres ou os desesperados renunciam a sonhar.

Pois bem, se o desânimo nos assalta, é tempo novo para levantar a cabeça, olhar ao longe, bem para fora, bem para dentro. Deixar que ressoe como uma promessa a Voz de um Deus que atravessa o tempo para dizer-nos:“aproxima-se vossa libertação”.

Mergulhados naquilo que é margem, passageiro, na superfície das coisas, perdemos de vista o essencial e caímos na resignação. Perdida a capacidade de maravilhar-nos, o Advento esvazia-se e torna-se mais um tempo litúrgico rotineiro.

 

Poderíamos dizer que o Advento nos apresenta uma “espiritualidade do despertar”. Se estamos ador-mecidos ou anestesiados, sem nos encantar com a maravilha e o desafio de estarmos vivos, precisamos despertar. Despertar para a gratuidade da vida, para o chamado à convivência e comunhão, despertar para uma presença misericordiosa. Jesus vem despertar-nos e ativar nossa esperança.

É preciso saber olhar, abrir os olhos, ler a vida e despertar-nos para aquilo que acontece à nossa volta.


O chamado original a “despertar” reveste-se de uma profundidade muito maior, que conecta com aquela palavra com a qual Jesus inicia sua atividade pública: “convertei-vos”. Na realidade, trata-se de um novo modo de olhar ou de conhecer, de um “conhecer mais além da aparência”.

Quê significa “despertar”? Em quê sonhos estamos mergulhados? Como dar-nos conta de que estamos “adormecidos”? Há algo que possamos fazer?... Todas estas questões são evocadas pelo convite que aparece na boca da Jesus: “Estai sempre despertos”.

A pessoa desperta é aquela que experimentou intensamente a vida e, graças a isso, vive ancorada, enraizada e conectada com a sua verdadeira identidade, ao seu eu original e universal.

 

Se há uma palavra que perpassa todas as tradições religiosas, essa palavra é “despertar”, não no sentido individualista e moralizante, ou seja, manter um adequado comportamento moral para, desse modo, alcançar a salvação.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Texto bíblico:Lc 21,25-28.34-36

 

Na oração:Quando foi Deus, para você, o Deus inesperado?”

Em quê se concretiza para você a promessa de Deus? Quê espera ou deseja de verdade? Qual é a boa notícia na qual você acredita?Como vive você este Advento? Quê há, em sua vida, de busca, sonho, aspiração, desejo... em sintonia com Deus?

 

 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015


A ESPERANÇA DE VIVER O PRESENTE DE MANEIRA CRIATIVA

 

“O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13,31)

 

Estamos chegando ao final de mais um “ano litúrgico” (este é penúltimo domingo), e a liturgia nos propõe leituras que, fazendo referência aos “últimos tempos”, querem nos convidar à “vigilância” e a atenção ao tempo presente.

O Evangelho de hoje é parte do cap. 13 do Evangelho de Marcos, que contém um breve “apocalipse”, ou seja uma revelação, um des-velamento, um des-nudamento dos múltiplos véus que revestem o palco, lúdi-co e trágico, da encenação do drama humano, com suas contradições, incertezas, promessas e esperanças.

Devido às imagens que este gênero literário utiliza, com frequência atribui-se ao termo “apocalipse” um significado de “catástrofe” ou “destruição”. A realidade, no entanto, é diferente. Etimologicamente “apo-kalypsis” significa “destapar o que está escondido”, “tirar o véu”, “des-velar”, ou seja, “re-velação”.

À mesma raiz pertence a palavra “eucalipto”, cujo significa etimológico é: “eu-bem”; “kalypsis- escondido”, fazendo referência ao fato de que tem perfeitamente escondidas suas minúsculas sementes.

 

Assim pois, etimologicamente, “apocalipse” equivale a “verdade” (“aletheia”=sem véu). E, como consequência, o escrito apocalíptico pretende “retirar o véu” que nos impede reconhecer as coisas como são, ou seja, revelar-nos o que se encontra por debaixo da superfície, em um nível mais profundo. É como se o autor quisesse nos dizer: “as coisas não são o que parecem ser”.

Em cada momento histórico o texto do Apocalipse é lido e interpretado em função dos acontecimentos. Este gênero literário é uma luz que nos ajuda a “ler” a realidade (interior e exterior), desvelando tudo o que acontece nela e assim poder assumir uma atitude mais coerente com a proposta do Evangelho.

Assim, pode-se “ler” esse texto como se escutasse um sonho revelador.

O Apocalipse, portanto, é um empenho da comunidade cristã em dar sentido a tudo o que está aconte-cendo e assim reencontrar sua dignidade no coração das situações mais difíceis.

 

A revelação que ocorre no interior de cada um e na realidade que nos envolve é o des-velar (tirar o véu) de uma Presença. No centro de nossa solidão e de nosso exílio  não estamos sozinhos, mas temos a visão de Alguém, que vem ao nosso encontro.

No texto evangélico de hoje nos é revelado, através de sinais (abalos celestes e terrestres, tribulações...), que esta ordem das coisas (o “mundo”) vai ser renovado em profundidade. Tudo desmorona à nossa vol-ta, tudo vai desaparecer; mas o que o texto parece resgatar é a contundente confiança na afirmação e na promessa de Jesus: “O céu e a terra passarão, mas minhas palavras não passarão”. As Palavras do Fi-lho do Homem constituem o nosso rochedo, são a nossa força. É um convite a nos re-centrar.

Quando somos transtormados pelos acontecimentos e somos levados pelas nossas emoções, pelas nossas reações, pelos nossos medos, é preciso voltar ao centro.

O ciclone tem uma violência enorme e gira velozmente, mas seu centro é calmo, imóvel.

É preciso voltar ao centro do ciclone onde está o “Filho do Homem”, onde está o coração, onde está o Cordeiro. Esta vida nova está no centro da situação que vivemos, no centro desse mundo que é o nosso.

É a partir do interior que algo pode mudar.

 

Nesse sentido, o gênero “apocalíptico” vem nos dizer que, para além daquilo que possa ocorrer na super-fície da história pessoal e coletiva, há uma Realidade estável que nos sustenta e que podemos experimen-tá-la como “rocha firme” sobre a qual firmar nossos pés. A velha ordem virá abaixo para ser substituída por um mundo novo que será inaugurado pela presença do Filho do Homem, reunindo toda a humani-dade (“os quatro cantos”) e estabelecendo o “Reinado de Deus”.

Trata-se de um anúncio esperançador e certo. Esperança representada pela imagem da figueira que, carregando-se de brotos, anuncia a primavera. Esse é o nosso destino: caminhamos para uma Primavera que não conhecerá ocaso.

Na realidade, os discursos apocalípticos, a pesar de sua aparência, são sempre um chamado à esperança,

que não é uma projeção para um determinado futuro, que serve para fugir do presente ou para poder “suportá-lo”; nem pode ser entendida como mera “expectativa” que nos afasta do presente, senão que nos faz ancorar nele, ou seja, viver na Plenitude do que é, no Presente pleno e com sentido.

 

A esperança, talvez mais do que qualquer outra inclinação ou disposição, está bem no cerne do ser humano e de sua existência, fazendo-o viver e dando sentido à aventura de sua existência. Basta pensar no que significa o desespero, a ausência de horizonte, a falta ou a perda de todo projeto possível, para com-

 

preender que a esperança emerge das profundezas do ser humano. Sem esperança , ele não pode viver.

O ser humano é ser “esperante”.

Segundo Rubem Alves, a esperança é o oposto do otimismo. Otimismo é quando, sendo primavera do lado de fora, nasce a primavera do lado de dentro. Esperança é quando, sendo seca absoluta do lado de fora, continuam as fontes a borbulhar dentro do coração. Otimismo é alegria “por causa de”: coisa humana, natural. Esperança é alegria “apesar de”: coisa divina. O otimismo tem suas raízes no tempo. A esperança tem suas raízes na eternidade.

 

A esperança carrega uma força misteriosa, um sopro criador, um alento espiritual que nos leva a olhar tudo com fé e encantamento; é um princípio vital, expresso na sábia e verdadeira constatação de que “enquanto há vida há esperança”. Mesmo diante de intransponíveis situações, vislumbramos possibilida-des de saída, achamos possível ser de outro modo, inventamos e reinventamos alternativas, recusamos a possibilidade de as realidades nos dominarem e, sem cessar, sonhamos com o mais e o melhor.

A esperança é gestora do futuro e rompedora da dureza do existir.

Paulo Freire insistia que não se pode confundir esperança do verbo “esperançar” com esperança do verbo “esperar”. Esperançar é se levantar, é ir atrás; esperançar é construir e não desistir. Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo.

 

Uma das coisa mais perniciosas que vivemos no atual momento é o esvaziamento da esperança, que se expressa no desalento, desânimo ou até na covardia tolerante.

Michelângelo dizia que “Deus concedeu uma irmã à recordação, e chamou-se esperança”.

A esperança, portanto, é como esse impulso que desafia o presente imediato, sempre curto e sem raízes no futuro; é ela que nos permite escrever nossa história com mais criatividade e ousadia, nos abre à inven-ção de possibilidades que nos fazem viver, corrige o passado e nos faz recomeçar, mantém a coragem de ser, transforma em nós o ser de puras exigências e de simples necessidades em seres capazes de dom e de desejo. Na esperança, encontramos a abertura e a amplitude de nossa vida.

Não basta esperar, é preciso uma paixão de esperança, a qual somente é possível se conduz para um horizonte plenificante, para um além da vida do dia-a-dia.


Texto bíblico:  Mc 13,24-32

 

Na oração: Como se situa diante dos desafios que é

                    chamado a assumir? Não se sente cansado por já ter vivido tantas mudanças?

- Você se arriscaria por um novo começo?

- Ou talvez desanimado porque as coisas não aconteceram como havia previsto? Ou, ao contrário, cheio de energia, entusiasmado por ser protagonista de uma época considerada de graça e de bênção?

- Quê esperanças você carrega no coração?