segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Texto para rezar o evangelho de 03/03/13.



QUEM É O CULPADO?

“... pensais que eram mais culpados do que todos os habitantes de Jerusalém?” (Lc. 13,4)

No seu caminho de vida Jesus se depara com acontecimentos trágicos; algumas pessoas lhe dão a notícia de uma horrível matança de alguns galileus no interior do Templo.
O quê estas pessoas esperam de Jesus? Desejam que Ele se solidarize com as vítimas? Querem que Ele lhes explique qual é a culpa dos galileus para merecer uma morte tão violenta? Por que Deus permitiu aquela morte sacrílega em seu próprio templo? Para os judeus não há castigo sem culpa.
Esta é a nossa permanente tendência em buscar culpados pelas desgraças, sejam provocadas pelo próprio ser humano, pela força da própria natureza, pelas doenças inesperadas, acidentes, etc...

Jesus desmascara tal atitude e rejeita toda crença de que as desgraças são um castigo de Deus, ou que as pessoas, de uma maneira ou de outra são culpadas. Jesus não revela o rosto de um Deus “justiceiro” que castiga seus filhos e filhas, “distribuindo” enfermidades, desgraças ou acidentes... por causa de seus peca-dos. Ele não perde tempo com considerações teóricas sobre a origem última das desgraças, nem da culpa das vítimas ou da vontade de Deus. Ele convida as pessoas a dirigirem o seu olhar para o presente,  fazen-do uma “outra leitura” dos acontecimentos trágicos.
Certamente, a primeira coisa não é perguntar-nos onde está Deus, mas, onde estamos nós diante das calamidades e sofrimentos. A pergunta não é “por quê Deus permite esta terrível desgraça?”, mas “por que nós consentimos e não reagimos solidariamente diante de tantos seres humanos que são violentados, que vivem na miséria e fome, que são indefesos diante da força da natureza?

Aquele que acompanha Jesus no seu caminho de vida, também “vai sendo talhado” pelas cenas que con-templa, com o coração aberto à dor e à aflição da humanidade. Essa dor esvazia nossas auto-suficiências e purifica nossas auto-imagens narcisistas, humanizando-nos. Ao contemplar o amor redentor de Deus revelado em seu Filho Jesus, nós nos perguntamos onde está Ele quando acontecem desgraças.
Há aqui uma inversão de perguntas: Para responder à interrogação -“Onde está Deus nas situações de sofri-mento e morte?”-, Deus nos desafia a responder à sua própria questão: “Onde está você no meu sofrimento?”.
Na Quaresma, de modo especial, “descemos” com Jesus até às dores da humanidade.
A solidariedade com os pobres, a fidelidade à vida evangélica, nos fazem descer aos porões das contra-dições sociais e políticas, às realidades inóspitas, aos terrenos contaminados e difíceis, às periferias insa-lubres das quais todos fogem e onde os excluídos deste mundo lutam por sobreviver. Ali nos encontra-mos com o rosto Compassivo de Deus, identificado com todas as vítimas da história.
É o Deus que se identifica com a dor do mundo, com a marginalização dos excluídos e com a desgraça de todos os miseráveis da terra. Não podemos chegar ao Deus de Jesus pelo caminho largo e fácil do poder e da razão, senão pela senda escarpada e dura da solidariedade e da loucura da Cruz.
A questão determinante para os cristãos está em buscar a Deus e crer na sua transcendência a partir da solidariedade com as vítimas, com os crucificados deste mundo e com todos os que necessitam calor humano, compreensão, tolerância, companhia e carinho.

O tempo da Quaresma desperta em nós o sentido profundo da conversão, e isto não significa pedir contas a um “deus distante”, mas identificando-nos com as vítimas; não descobriremos Deus quando protestamos sua indiferença e frieza diante das desgraças, ou negando sua existência, mas colaborando de mil formas para “aliviar a dor humana”. Vamos então descobrir que Deus está nas vítimas, identificando-se e sofrendo com elas, defendendo sua dignidade eterna de filhos e filhas; vamos descobri-Lo presente naqueles que lutam contra tudo aquilo que desumaniza o ser humano.

A busca em apontar culpados nos limita, nos afunda, alimenta a irresponsabilidade que infantiliza, e nos faz cair no angustiante sentimento de culpabilidade e desespero; a atitude sadia é a da responsabilidade, como sentimento maduro de quem acolhe a vida com as diferentes situações que ela apresenta.
É a responsabilidade que desperta pesar e dor frente às situações de desgraças e calamidades; mas esse pesar doloroso não nos paralisa e nem nos afunda, mas nos mobiliza para a mudança.
É esta responsabilidade que podemos associá-la com a conversão, pedida pelo Evangelho de hoje. Porque o “perecer” de que fala não deve ser entendido em chave de ameaça, culpa ou castigo, mas simplesmente como a conseqüência de uma atitude e um comportamento desajustados.
Em outras palavras: se não somos responsáveis, ou se não respondemos humanamente aos diferentes desafios que a vida nos apresenta, estamos fechando as portas de saída, criando infelicidade para nós e para os outros, tornando a convivência impossível e destruindo o planeta; ou seja, estamos provocando nosso próprio desastre. É precisamente a isso que aponta a parábola da figueira plantada na vinha.

A “experiência de fé” constitui, muitas vezes o lugar onde a culpa pode nos armar as piores trapaças, impedindo a manifestação da força vital que há em nós.
Desse modo, a fé, em vez de libertar, converte-se num verdugo a serviço das forças de morte, traindo assim o que há de mais profundo em sua mensagem de liberdade.
A mensagem alegre do Evangelho se perverte e a vivência cristã deixa-se invadir por um mal-estar difuso, uma tristeza, uma angústia, um pesar... que muitas vezes tornam difícil reco-nhecer no anúncio de Jesus uma mensagem da Boa Nova.
Também a imagem do “Deus sempre maior”, do Deus vivo e prazeroso, do Deus livre e libertador, fica diminuída segundo o tamanho de nossa consciência e incons-ciência, marcadas pela culpabilidade.
Por obra e graça da culpa, “Deus” converte-se num Deus de morte, num Deus oprimido e opressor, num Deus “onivigilante”, que investiga morbidamente em nossa interioridade qualquer pensamento ou desejo. D’Ele nada escapa: tudo vê, tudo escuta, tudo controla... Um “deus” assim é inaceitável e insuportável.

“Assim como Deus nos libertou do pecado... torna-se urgente libertar Deus da culpa” (Dominguez Morano). Um “Deus de vida” nos foi revelado, mas nossa culpa o transformou num “Deus de morte”. “Libertar Deus da culpa” significa “deixar Deus ser Deus” em nossa vida. Poderíamos, assim, redes-cobrir e viver na presença de um Deus compassivo, um Deus festa, um Deus afeto, um Deus liberdade, um Deus criança...
Foi justamente para nos libertar do atoleiro da lei e da culpa que Cristo assumiu nossa condição humana. N’Ele, o Pai nos libertou da angústia da culpabilidade mórbida, para tornar possível em nós um encontro fecundo e transformador da vida. Libertados do “circulo infernal da culpa”,  agora sim, podemos aderir à novidade do Reino, na plenitude da alegria e da festa.

Texto bíblico:   Lc. 13,1-9

Na oração: Examinar com cuidado a origem e a finalidade dos sentimentos de culpa pode produzir
                     um grande avanço no caminho da saúde interior e espiritual. Esclarecer, desmascarar a culpa, pode ser muito libertador, pois fortalece nossa atitude esperançosa e nossa  relação com  Deus, com o mundo e com os outros revela-se mais transparente e otimista.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Convite

"Celebrar é próprio de nossa humanidade e nos aproxima
de nossa livre vocação à divindade; celebrar nos revela
Deus porque nos aproxima mais do melhor de nós
mesmos e nos remete ao encontro do outro que é
nosso irmão e, assim, do Outro que é nosso Deus;
celebrar é experiência de memória e de vida”.
 

Afirmando a dimensão celebrativa própria de sua identidade institucional, o Colégio Loyola, por meio da Diretoria de Formação Cristã, está ampliando as oportunidades para que nós, colaboradores e famílias, possamos celebrar a Eucaristia em Comunidade.
 
A partir deste mês, serão três celebrações semanais, de modo que possamos organizar nossa presença, considerando a dinâmica da rotina escolar. O objetivo é favorecer a participação de um número cada vez maior de pessoas.

As celebrações acontecem na Capela do Colégio Loyola e são abertas aos professores e demais funcionários das áreas pedagógica e administrativa, pais, alunos, antigos alunos e a quem mais possa interessar juntar-se a nós nesse movimento de ação de graças, característico de uma comunidade de inspiração inaciana.
 
Horários da Eucaristia em Comunidade

2ª feira - às 19h15min
3ª feira - às 17h20min
5ª feira - às 12h45min
 
Cordialmente,
Colégio Loyola

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Sugestão do Padre Adroaldo para rezar o evangelho do 2o. dom. da Quaresma



TRANSFIGURAÇÃO: des-velar nossa interioridade

“... e subiu à montanha para rezar” (Lc. 9,28)

O relato da “transfiguração” se situa expressamente em um contexto de oração. É ali onde, através da luminosidade do seu rosto, Jesus deixa transparecer algo da sua verdadeira identidade.
Por isso, na transfiguração, a humanidade de Jesus é pura transparência de Deus. Ou seja, o que há de divino em Jesus está em sua humanidade. Só no humano transparece Deus.
A Transfiguração está nos dizendo quem era realmente Jesus e quem somos realmente cada um de nós. Ela nos revela também nossa identidade e nos faz caminhar em direção à nossa própria humanidade.
Por isso, uma pessoa transfigurada é uma pessoa profundamente humana. Tudo o que é autenticamente humano é transparência de Deus. Em outras palavras, a vivência do humano nos diviniza.
A transfiguração não é condição de um “iluminado”, mas a realidade de toda pessoa que é capaz de “sair de seu próprio amor, querer e interesse” (S. Inácio). Transfigurar é descentrar-se e expandir-se na direção do outro.
A Transfiguração possibilita cultivar um “olhar” que sabe ver em profundidade, descobrindo em cada ser humano, para além de suas aparências, um ser transfigurado, porque somos capazes de vê-lo em sua beleza e bondade originais; um olhar que sabe deixar-se impactar por tudo aquilo que nos cerca e é capaz de render-se diante do Mistério.

O Tabor não só é o lugar do encontro íntimo com o Senhor; implica também o encontro com o melhor de nós mesmos (nossa identidade); a Montanha nos “transfigura” , revelando nosso ser essencial; no silêncio do monte poderemos perceber quem “somos nós”.
“O evangelho é um itinerário para abrir com profundidade a interioridade humana” (Rovira Belloso) e nele vemos como Jesus promove o retorno ao interior; o mistério da transfiguração nos des-vela e nos move a ultrapassar nossas “falsas imagens” e encontrar-nos com a luz que nos habita. Podemos “entrar” dentro de nós mesmos porque em nós está a dimensão de eternidade, de transparência, de divino.
Transparente é um modo de ser; a transparência faz referência à luz, à vida interior, ao conhecimento próprio, ao desejo de deixar-se ver, à pureza de intenção, à simplicidade e ao deixar-se conduzir pelo mesmo Espírito de Jesus.

Jesus continua se “transfigurando” na montanha interior de cada um. Se com Cristo quisermos “subir” ao Tabor, temos primeiro que “descer” com Ele até às profundezas da própria realidade pessoal.
Nesse sentido, “subir” ao Tabor implica “descer” em direção à nossa própria humanidade; quem mergu-lha em sua condição humana e terrena e se reconcilia com ela, este sim, está subindo para Deus, faz a experiência do encontro com o Deus verdadeiro.
A espiritualidade cristã nos ensina o caminho através do qual descemos a uma dimensão mais profunda e assim chegamos à corrente subterrânea; aqui experimentamos a unidade de nosso ser; aqui é o lugar da transcendência, onde nossa transformação realmente acontece.
“Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas. É no “eu mais profundo”  que as forças vitais se acham disponíveis para ajudar a pessoa a crescer dia-a-dia, tornando-a aquilo para o qual foi chamada a ser.
É preciso “descer” até o fundo para descobrirmos uma nova fonte para a nossa vida; é “descendo” que poderemos revitalizar a vida que se tornara vazia e ressequida.
Se a nossa oração for um autêntico face-a-face com Deus, ela deverá fazer emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser. Deus libera em nós as melhores possibilidades, recursos desconhecidos ,riquezas, capacidades, intuições... e nos faz descobrir em nós, nossa verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis...

A experiência de Montanha, portanto, significa experiência de trans-figuração, ou seja, nos revela nosso ser essencial, nos faz ir além de nossa aparência para captar nossa riqueza interior, nosso eu original.
Tabor significa sair de nosso pequeno e limitado mundo cotidiano, de nossa visão estreita das coisas, da vida corriqueira do vale...; significa alargar nossa visão da realidade, abrir novos horizontes...
Por isso, a transfiguração no Tabor implica ter “mais janelas e menos espelhos!” em nossa vida interior.
No espelho nós nos vemos. E o que vemos não é o que somos, mas o que aparentamos ser. Dessa percep-ção não saímos. O horizonte perceptivo é mínimo, incapaz de ampliar nossa visão de mundo, da realidade e dos outros.
O Monte Tabor nos oferece janelas que permitem ampliar nosso horizonte. Através delas purifica-se o ar denso, pouco respirável que geramos fechados em nós mesmos. As janelas nos situam em comunhão com a natureza e a humanidade, sem a qual não existe pessoa humana. Servem para revelar aos outros algo que é nosso; elas apontam para a porta que se abre, para que os outros entrem em nossa vida.

A subida ao Tabor nos potencia, libera energias e recursos escondidos, torna-nos criativos, coloca-nos em movimento, tirando-nos de nossa acomodação...
“Subir” ao Tabor é deixar-se conduzir pela presença do Espírito de Jesus para “descer”  com mais vigor e ânimo ao vale do cotidiano e ao compromisso para com a prática do bem e da justiça.

Texto bíblico:  Lc. 9,28-36

Na oração:  A oração cristã é o caminho interior do Ta-
                      bor que faz a pessoa chegar até o próprio “eu original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside não só o lado mais positivo de si mesma, mas o próprio Deus. Este é o nível da graça, da gratuidade, da abundância, onde a pessoa mergulha no silêncio, à escuta de todo o seu ser.
Para realizar-se e desenvolver toda a sua potencialidade, busque, na oração, cavar mais profundamente, até atingir as raízes de seu ser, o núcleo original de sua personalidade. É no mais profundo de sua interioridade que você escutará o Senhor. Deixe-se invadir pela luz e pela vida d’Aquele que armou sua tenda entre nós”. 

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Segue uma sugestão para aprofundar o "mistério" das tentações de Jesus... e nossas. Um abraço a todos pe. Adroaldo sj



TENTAÇÕES: há coisas que são mentira, mas que aparecem como
                           verdadeiras; aí se enraíza seu atrativo”

“Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e, no deserto, era guiado pelo Espírito” (Lc. 4,1)

O batismo é um evento de primeira importância na vida e na missão posterior de Jesus.
Nesse momento Ele fez a experiência de sua vocação, deu-se conta perfeitamente da missão que o Pai lhe confiava e acolheu-a com todas as suas conseqüências.
Ora, aquela missão comportava, de fato, não só um fim, que havia de realizar (a salvação e a libertação total da humanidade) senão, também, um meio, ou seja, um caminho e uma maneira de proceder, tendo em vista alcançar aquele fim. E esse meio ou esse procedimento era, essencialmente, a solidariedade com todos os pecadores e excluídos da terra, a ponto de morrer com eles e por eles.

Aqui é decisivo compreender que o meio – ou o como – da missão de Jesus é tão importante como o fim mesmo dessa missão. Isso, por uma razão muito simples: o ser humano pode ser enganado mais facilmen-te no que diz respeito ao meio ou ao “como” que no tocante ao fim mesmo da missão.
Daí a relação tão profunda e estreita que os evangelhos estabelecem entre o batismo de Jesus e as tentações no deserto que o mesmo Jesus sofreu.
As tentações, na realidade, são o prolongamento do relato do batismo; e isso se vê claramente por uma série de detalhes que os Evangelhos apontam: é o Espírito, que pousou sobre Jesus no batismo, Aquele que O leva “imediatamente” ao deserto; a primeira tentação faz referência direta ao título “Filho de Deus”, proclamado no batismo... Desde o início, Jesus aparece como o homem que “se deixa conduzir”, a partir do centro, pelo Dinamismo divino – isso é o Espírito – precisamente porque não está aferrado ou identificado com seu eu. É o homem des-centrado em quem o Espírito pode expressar-se com liberdade.

Não podemos esquecer que o tentador não propõe a Jesus que se afaste de seu fim, ou seja, de seu projeto messiânico de salvação (“Se és o Filho de Deus...), senão que, na realidade, o que ele faz é oferecer a Jesus alguns meios determinados para realizar a salvação.
De fato, os meios que o tentador apresenta são os meios, humanamente falando, mais eficazes que nin-guém poderia imaginar: possibilidade de transformar as pedras em pão, o prestígio indiscutível de quem salta do alto do templo, sustentado pelos anjos e, para culminar, todo o mundo a seus pés.
Quem resiste a um homem com tais meios?
Todos serão atraídos porque, em definitiva, terá entre suas mãos o poder total e o domínio absoluto.
Eis aqui a intuição e a genial proposta do tentador: salvar e libertar toda a humanidade, mas mediante o poder, o prestígio e a dominação. O tentador não pretende que Jesus se afaste de seu fim, senão que procure atingir esse fim, usando os meios que são exatamente o oposto da solidariedade.

Mas Jesus rejeita a tentação do poder, porque para Ele, não há outro meio de salvação e libertação que a solidariedade até a extrema radicalidade.
A tríplice tentação condensa as “pulsões” mais importantes que o ser humano experimenta e que, quando alimentadas, podem afastá-lo do melhor de si: o ter, o poder e o prestígio (fama). Nesse sentido, Jesus não vive para seus interesses, mas em docilidade à Vontade de Deus; Jesus não é um Messias que se impõe pelo poder nem pelo êxito; a única força que o move é a fidelidade ao Pai e à missão.

Hoje estamos condenados, pelos meios de comunicação, a alcançar o sucesso custe o que custar, doa a quem doer, impedidos de realizar gestos de gratuidade e solidariedade. A Ética e a Moral são apenas con-ceitos idealistas que não correm mais nas nossas veias.
Por que ser transparente num mundo de pessoas opacas e “brilhantes”, que só querem ofuscar os outros com tanto brilho individual? A ideologia da vaidade é aquela que responde por essa ânsia de tudo ganhar, de comparar-se com os outros num ritmo frenético.
Como recuperar os sonhos e utopias quando precisamos manter nossos rostos com aparência de jovens enquanto nossos espíritos estão carcomidos pela angústia e pela não-superação dos fracassos que são sinais das nossas tentativas de avançar cada vez mais?
“Esta fome de prazer, de posse e de poder, esta sede de reconhecimento pelo êxito e admi-ração, esta é a perversão do homem moderno. Este é seu ateísmo. E assim o homem se con-verte num desgraçado e altivo semi-deus” (Moltmann).



As “tentações de Jesus” constituem a melhor mediação que dispomos para uma aproximação ao espaço de nosso próprio coração. E o coração é lugar onde se encontram dois dinamismos, dois impulsos:
 a) impulso para “ir além de si mesmo” – impulso de vida
 b) movimento de retração-medo-apegos – impulso de morte
Aqui, trata-se da consciência da presença destas duas forças opostas (uma de alargamento ou expansão de si mesmo em direção aos outros, à criação, a Deus; e outra de fechamento, resistência e medo).
O tempo Quaresmal ajuda a des-velar (tirar o véu, pôr às claras...) os dois dinamismos, as duas tendências, dois impulsos... que se fazem presentes em nosso interior. Não se trata de alimentar uma luta entre eles, como um combate entre o bem e o mal; tampouco se trata de uma leitura moralista diante da presença das chamadas “tentações” (tendências, impulsos, inclinações... presentes em todos nós).
O seguimento de Jesus não é luta interna que desgasta, levando ao sentimento de impotência e desânimo. O combate dualístico (entre o bem e o mal) desemboca no puritanismo, no farisaísmo, no legalismo, no perfeccionismo, no voluntarismo... onde o centro sou “eu”.
A questão de fundo é saber qual dos dois dinamismos eu alimento; é aqui que entra a liberdade (ordena-da) para deixar-se conduzir pelo Espírito. O centro é o Espírito.
Trata-se de sermos dóceis para deixar-nos conduzir pelos impulsos do Espírito, por onde muitas vezes não entendemos e não sabemos.

Não é possivel conseguir uma situação de paz e reconciliação interna se não se parte de uma escuta muito atenta das vozes que ressoam em nosso interior, atraindo para direções contrárias. O engano acontece quando nosso coração se apega “pulsionalmente” aos dinamismos de morte (riqueza, poder, prestígio) até depender deles; nesse caso, eles deixam de ser mediações do Reino para converter-se em ídolos do próprio coração. Deles se espera a salvação, e não de Deus.
Não será através do voluntarismo que poderemos calar essas vozes, negar oposições internas existentes, conci-liar diplomaticamente os impulsos e os movimentos que se opõem em nosso interior ou reconciliar as desavenças íntimas existentes. O decisivo é “deixar-se conduzir”  pelo Espírito. Aqui não há engano.

Texto bíblico:  Lc. 4,1-13

Na oração: A oração sobre as “tentações de Jesus” nos ajuda a tomar consciência das alianças e cumplicidades nas
                   quais podemos cair em nossas relações com o mundo e com aqueles elementos que de modo mais decisivo põe em perigo nossa liberdade: as riquezas, o poder, o  prestígio. É uma espécie de "embriaguez existencial" na qual a alteridade desaparece, a abertura a Deus se atrofia e a gratidão frente aos bens se esvazia.
- Rezar minhas “pulsões desordenadas”.