“DEUS ME LIVRE DE SER NORMAL”
“Avança para
águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca” (Lc. 5,4)
Vivemos
em “mundos-bolha”. É difícil sair do terreno conhecido, dos mares rasos. Tudo
parece conspirar para que as pessoas se mantenham dentro dos limites
politicamente corretos. Debaixo das expressões “transgressor”,
“alternativo”, “diferente” se
esconde um forte e constrangedor convencionalismo.
Quê
significa hoje “lançar
as redes em águas mais profundas?”
Está difícil encontrar algo que soa verdadeiramente diferente: sair de
nossas seguranças para adentrar-nos no mar aberto; sair dos espaços onde nos
sentimos fortes para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis;
sair do inquestio-nável para enfrentarmos o novo...
É
decisivo estar dispostos a abrir espaços em nossa história a novas pessoas e
situações, novas vivências, novas experiências... Porque sempre há algo diferente
e inesperado que pode enriquecer-nos...
A vida
está cheia de possibilidades; inumeráveis caminhos que podemos percorrer;
pessoas instigantes que aparecem em nossas vidas; desafios, provocações,
aprendizagens, motivos para celebrar... lições que aprenderemos e nos farão um
pouco mais lúcidos, mais humanos e mais simples...
Há uma “normalidade doentia”
instalada no nosso interior, reprimindo nosso nobre potencial e condici-onando-nos
a levar uma vida sem meta, sem significado, sem vigor, sem criatividade, sem
entusiasmo...
“Ser
normal é ser doente”
(Kierkegaard). “Normalidade
doentia” é a vida
pequena, mesquinha, atrofia-da..., é sempre fazer as mesmas coisas e não
imaginar que elas poderiam ser realizadas de uma forma diferente; é a doença de
praticar o que todos praticam sem refletir, sem questionar se existiria outra possibilidade
de fazer. Faz as coisas de
forma repetitiva, utilizando baixo potencial criativo.
Na pessoa “normal”
predomina o dinamismo do medo e não do desejo.
A necessidade de mudanças gera
insegurança, obscuridade no seu horizonte... Tende a ser uma pessoa medíocre,
nada arrojada e sem desejos de romper seu estreito e limitado mundo.
Nem
tudo na vida pode ser diferente, novo, rompedor. Mas existe o perigo de que
tudo na vida seja convencional, rotineiro. Uma pessoa pode construir uma vida
encapsulada em espaços feitos de hábitos e seguranças, situações estáveis,
convivendo com pessoas que pensam e vivem do mesmo modo...
Com
isso, ela acaba estabelecendo fronteiras vitais e sociais impermeáveis ao diferente.
Se isto acontece, termina tendo perspectivas pequenas, visões incompletas,
horizontes atrofiados e, provavelmente, igno-rância sobre um mundo amplo,
complexo e cheio de ricas possibilidades.
Somos “seres
de travessia”; é próprio do ser humano ousar, romper, ir além... No
entanto, não temos rotas formatadas; “ir em direção às águas mais profundas” é um bom momento para arriscar a viver
uma experiência trans-formadora, aproximando-nos do diferente: abrir portas de
mundos que desconhecemos; viver situações às quais não estávamos acostumados;
sentir coisas que nunca havíamos sentido; conhecer lugares e pessoas que
tornarão mais autêntica nossa travessia...
“Nós
não nascemos humanos; nós nos tornamos humanos”, através de um investimento em nosso
potencial de despertar e de auto-realização.
Nesse sentido, é normótica
uma pessoa estagnada em seu processo de humanização, que não ativa seu
potencial de inteligência e imaginação, de consciência ética, de transparência
e integridade, que enterra seus talentos que lhe foram confiados...
Uma pessoa se humaniza quando
abandona os trilhos “normais” previsíveis e penetra em trilhas criativas e
inusitadas. O imenso desafio da existência humana implica na ousadia de
transgredir, consciente e responsavelmente, as amarras da normalidade, romper
as velhas rotinas consagradas e se aventurar no mar aberto da vida. Neste caso,
a pessoa realmente saudável é a que expressa um certo desajustamento justo, uma
rebeldia criativa, um impulso mobilizador...
“Dá-me,
Senhor, capacidade e valentia para deixar o terreno conhecido, para sair do já
sabido, para aprender cada dia aquilo que possa se tornar novidade,
surpreendente, diferente” (oração Magis)
Jesus é o homem integrado, livremente
tem acesso ao seu oceano interior e deixa emergir as ricas possibi-lidades,
criatividades, inspiração... Ele traz o “novo” das profundezas do
seu ser: novo ensinamento, novo olhar sobre a vida, nova atitude, novo
compromisso...
Ao mesmo tempo, com sua presença
instigante, Ele desperta, ativa e faz vir à tona o que há de mais hu-mano
nas pessoas. No caso dos pescadores, homens rudes mas que carregam uma nobreza
interior, Jesus os desafia a serem mais humanos. “Farei de vós pescadores
de homens”. “Pescar
homens” é trazer à tona
o que de humanidade está escondido ou atrofiado em cada pessoa.
O apelo a lançar “redes em
águas mais profundas” é ocasião para motivar a buscar a inspiração no oceano
interior. Jesus convida aqueles pescadores, instalados numa maneira tradicional
de pescar, a serem criati-vos na arte de pescar: sair da
rotina, da maneira tradicional de pescar, buscar o novo e o diferente nas profundezas
do mar... Isso dá medo, mas faz a pessoa
deslocar-se para o desconhecido, sair das margens conhecidas e seguras.
Do mar da Galiléia ao mar da vida: este
é o movimento que Jesus desencadeia em todos nós. Ele desafia a
que cada um mergulhe mais a fundo no oceano do coração e alí busque o humano
que está escondido: novos sonhos, novas possibilidades, nova inspiração, novo
sentido para a existência...
Para isso é preciso vencer o medo que atrofia tudo o que é humano em
nós. Alargar nossos espaços interiores, sermos mais ousados e sonhadores,
romper com o “normótico” e tradicional, ativar e des-velar o que está
escondido. Assim, com nossa presença humanizadora, seremos capazes de pescar o “humano”
que também está presente no outro.
Texto
bíblico:
Lc. 5,1-11
Na
oração: Pedro e seus companheiros
queriam algo novo; no entanto, romper
com a normalidade na arte de pescar estava para além de suas possibi-lidades.
Foi necessário que Alguém de fora os incitasse ao abandono daquele modo arcaico
de pescar.
Diante de Deus, considerar algumas posturas que
poderão ser desenvolvidas, para eliminar o “vírus” da normalidade:
- você tem uma curiosidade
sadia diante do novo e do desconhecido?
- você age com otimismo lúcido,
enfrentando as situações desconhecidas
de forma auto-motivada?
- você tem o hábito da interrogação?
Grandes oportunidades podem ser descobertas quando se apren-
de a fazer perguntas, principalmente a si mesmo.
S. Inácio, antes de fazer qualquer
coisa, tinha o hábito de se perguntar:
O quê eu vou fazer? por quê vou
fazer? para quem vou fazer? como vou fazer?
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