terça-feira, 26 de junho de 2012

Próximo domingo, mais uma festa: agora de São Pedro e São Paulo.


AUTORIDADE A SERVIÇO DA VIDA

“Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que tu ligares na terra...” (Mt. 16,19)

O texto nos ajuda a ler nossa vida. Afirma-se nossa identidade; e a identidade de uma pessoa é dada por aquilo que é sólido, consistente... no seu interior, que não se desfaz com as adversidades do mundo no qual vivemos (crises, fracassos...).
Toda pessoa possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo e pessoal.
 “Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas.
A própria interioridade é a rocha consistente e firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem, para encontrar segurança e caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis golpes da luta pela vida. É no “eu mais profundo”  que as forças vitais se acham disponíveis para ajudar a pessoa a crescer dia-a-dia, tornando-a aquilo para o qual foi chamada a ser.
A oração é a chave interior que faz a pessoa chegar até o próprio “eu original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside não só o lado mais positivo de si mesma, mas o próprio Deus. Este é o nível da graça, da gratuidade, da abundância, onde a pessoa mergulha no silêncio, à escuta de todo o seu ser.

Temos em nossas mãos as chaves da vida. O que fazemos com elas: podemos abrir ou fechar, ligar ou desligar, atar ou desatar.... Ter a chave da vida: abrir ou fechar as portas do futuro, das relações, dos sonhos, da missão... Dar direção à vida. Atar e desatar os nós da vida.... Aqui está o grande desafio: abrir-se ou fechar-se. Abrir-se à vida, ao novo, ao outro, ao desafiante ou diferente... ou fechar-se...
Deus confiou e colocou em nossas mãos a chave da vida. Ele não impõe, não obriga. Corre o risco de criar-nos livres. Aqui está a grande-za do ser humano: optar por uma vida aberta ou fechada, ser nó ou desatar, ligar ou desligar, expandir ou retrair...
Sempre há o perigo de construir, dentro de nós, um condomínio onde portas se fecham, chaves se perdem, segredos são esquecidos... e, com isso, mergulhamos na mais profunda solidão.



Pior ainda é quando confundimos o “poder das chaves” com a “chave do poder”. Quem tem a chave tem o poder.
 “Ter poder”: esta expressão ecoa forte no coração humano. O poder deslumbra, ofusca e pode facilmente se tornar o centro da identidade de uma pessoa.O poder é objeto de desejo de extraordinária magnitude e fascínio para o ser humano. Seu brilho encanta e seduz; sua proposta é extremamente atraente; para muitos, ele é a suprema ambição. Não há ser humano que não tenha sido tentado pelo canto desta sereia.
O coração humano sofre ao ver-se dominado por este desejo de poder que intoxica suas aspirações mais profundas de comunhão e solidariedade. A vida se torna uma arena de disputas. Talvez não exista relação mais ambivalente que aquela existente entre a pessoa e o poder. Os relacionamentos são balizados, tanto no espaço institucional como nos encontros interpessoais, pela disputa do poder; o exercício do poder se expressa nas atitudes de dominar, manipular, subjugar e definir tudo segundo os próprios interesses.
A perversidade do coração humano encontra no exercício do poder o campo mais propício para a reve-lação de suas mazelas, autoritarismos, vaidades... Em nome do poder gera-se a morte, a divisão, a solidão.

Nenhum exercício do poder é evangélico. Não há nada mais contrário à mensagem de Jesus que o poder. Jesus não transfere “poder” a Pedro; reforça nele a liderança para o cuidado e o serviço aos outros. Nenhum ser humano é mais que outro, nem está acima do outro. “Não chameis a ninguém de pai, não chameis a ninguém chefe, não chameis a ninguém senhor, porque todos vós sois irmãos”. A única autoridade que admite é o serviço.
Jesus não exerceu poder porque o poder nunca é mediação para a libertação do ser humano (seja poder político, religioso, ou qualquer outra expressão de poder).
Jesus despoja-se do poder; Ele tem autoridade: “ensinava-lhes com autoridade e não como os escribas”.Sua autoridade é  caminho para o serviço e a promoção da vida.
Por isso a autoridade de Jesus não tem nada a ver com o poder que domina ou a liderança que se impõe.
Jesus tem “autoridade”  porque o “centro” está no outro; Ele veio para servir.
Quem tem “poder”, ao contrário, o centro está em si mesmo; por isso é que toda expressão de poder é violenta, exclui, decide pelo outro...
A palavra “autoridade” vem do verbo latino “augere”, que significa literalmente: aumentar, acrescentar, fazer crescer, dar vigor, robustecer, sustentar, elevar, levantar o outro, colocá-lo de pé, impulsioná-lo para frente... É a qualidade, a virtude e a força que serve para apoiar, para alentar, para ajudar as pessoas a serem elas mesmas, para fazê-las crescer, desenvolvendo suas próprias potencialidades.
“Autoridade” significa recuperar a autoria, devolver a autonomia àquele que está impedido de op-tar e de fazer seu caminho. Nesse sentido, a autoridade nunca é perigosa para a pessoa, jamais é impo-sição ou atentado contra sua legítima autonomia ou liberdade. A autoridade é essencialmente amor.

Também o exercício da autoridade deve ser medido pela palavra e pela obra de Jesus Cristo. E não pode ser de outra maneira, já que, se a origem da autoridade na Igreja é divina, também deveria ser “divina” o modo de exercê-la. Se toda autoridade provém de Cristo, deveria ser exercida à maneira como Cristo a exerceu, e isto vale tanto para aqueles que detém uma autoridade instituída como para aqueles que, devido às suas qualidades e carismas, exercem, de fato, autoridade de serviço nas comunidades cristãs.
Neste “como” se exerce e deve ser exercida a autoridade na Igreja está o desafio que as comunidades cristãs devem assumir.
O Evangelho de hoje é claro quanto à maneira como se deve exercer a autoridade: a partir do serviço. Aquele que serve não domina, convertendo-se no centro, mas anima e integra o diferente. Aquele que serve, despoja-se de seus interesses privados e investe sua vida em benefício de todos.
Isto significa que todos aqueles que exercem a autoridade hão de voltar sempre ao manancial de onde brota o autêntico ser da Igreja, que é a palavra e a ação de Jesus. Não deve existir autoridade na Igreja que esteja por cima da ação do Espírito; ela não deve buscar outra coisa a não ser a vinculação de todos os membros da Igreja no amor e no serviço mútuo. Uma autoridade que se desvincula do “carisma de autoridade” do Espírito tende sempre a converter a instituição em um fim, esquecendo que só pode ser justificada na medida em que serve à obra do Espírito.
A autoridade deve ser exercida no marco da visão de Igreja que o Vaticano II nos deixou, ou seja, potenciar a comunhão. É urgente que o exercício da autoridade na Igreja vá assumindo os traços característicos de uma Igreja de comunhão, se queremos ser fiéis ao “modo de proceder” de Jesus.

Texto bíblico:  Mt. 16,13-19

Na oração: Muitos caminhos conduzem à própria interioridade. A oração é a chave de acesso; ela é esse silen-
cioso exercício de deixar que Deus me habite para que eu possa abrir as portas do coração e jane- las da mente àqueles com quem me encontro.
                Onde o Deus de Jesus tem liberdade de atuar, ali desaparece todo resquício de poder que desunamiza.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Próximo domingo é festa do nascimento de S. João Batista. Segue uma ajuda para rezar o sentido desta festa.


CHAMADOS PELO NOME, NO FLUXO DA VIDA

“João é o seu nome” (Lc. 1,63)

Esta frase é uma mensagem da gratuidade e bondade de Deus. João é um nome muito especial. Nele são guardadas muitas e importantes lembranças. De fato, o nome “Yohanan” significa “Deus se mostrou misericordioso”. João é um dom gratuito de Deus, pois está além dos cálculos humanos; por isso, pertence plenamente a Deus. Nem sempre Deus elege o tradicional, o velho costume, o caminho trilhado. Agora nasce um tempo novo: o Espírito vai por caminhos novos, que nem sempre são fáceis de conhecer.
É Deus quem toma a iniciativa e chama pelo nome. O “nome” encerra toda a verdade da pessoa e, ao mesmo tempo, todo o mistério da sua relação direta com Deus.
Na Bíblia, o nome é algo dinâmico, é um programa de vida. A troca de nome implica uma missão que deve ser realizada pela pessoa (Gen, 17,5; Jo. 1,42).
Um nome novo: uma aventura que começa; uma história a ser construída.
O nome é ponto de partida e de chegada na relação com Deus.

Quando Deus nos chama à vida, Ele não revela logo tudo o que quer: apenas pronuncia o nome.
A Palavra de Deus pronunciada sobre cada um de nós revela a nossa verdadeira e plena identidade.
É preciso crescer na consciência de que o próprio nome tem uma história e manifesta uma identidade única, irrepetível, original. O nome próprio está relacionado com nossa realidade pessoal, responsável, criativa e livre. Essa identidade vai sendo elaborada ao longo de nossa história pessoal com os avanços e recuos, vitórias e fracassos, as alegrias e os sofrimentos... que vão pontilhando nossa existência e formando esse ser único  que somos nós.
Cada um de nós descobre ser chamado em nossa vida. O fato de sentir, em nossos desejos, que estamos insatisfeitos, cultivar aspirações sempre novas, procurar entender quem somos, o que devemos fazer, o que nos torna realmente felizes..., no fundo é um contínuo chamado pelo nome.
Deus pede a cada mergulhar no “fluxo da vida”, evitando deixar que uma só das Suas palavras, do Seu chamado, possa cair no vazio.
A dinâmica da relação com Deus passa através da minha história, das minhas alegrias, dos meus sofri-mentos, e das minhas perguntas: “Quem sou eu?”, “O que quereis de mim?”.
Não posso permanecer indiferente. É preciso ter coragem de perguntar: “Quem me chama?” e “a quê me chama?”; pedir ajuda para conseguir entender, reconhecer, descobrir o próprio nome.
Deus, no momento em que me chama pelo nome, me revela a mim mesmo.
Assim, meu nome se torna a minha própria vida, o meu patrimônio existencial, a minha realidade.

A palavra “nome”, na linguagem bíblica, significa aquilo que torna a pessoa única.  O nome é um sím-bolo que exprime a individualidade de cada um. No nome está toda a pessoa. O nome é a pessoa.
Interessar-se por conhecer o nome é interessar-se pela pessoa; é o primeiro passo para o encontro pessoal; é pelo nome que nos identificamos.
Os orientais, por exemplo, não dizem o seu nome a qualquer um. Só aos amigos, aos seus mais íntimos.
Conhecer o nome de alguém, para eles, é conhecer a pessoa toda. Fazer saber o seu nome é prova de amizade.
Cada um de nós tem um nome, que é próprio, não comum. É de uma pessoa. Ele expressa o nosso ser,  indica alguma coisa a realizar, uma vocação, um apêlo a responder.. Somos chamados. É isso que signi-fica ter um nome.
Nós realizaremos nossa vocação, sendo nós mesmos, com nosso modo de ser, nossas possibilidades, nossa originalidade. Ninguém a realizará por nós. Ser fiel ao nome é ser fiel à própria vocação.

Um nome, quando ouvido pela primeira vez, é apenas um “nome”. Mas, na medida em que se convive com a pessoa, o nome se torna a essência da pessoa, revela algo de essencial. No nome se espelha a experiência de uma força e de uma vontade. Pronunciado o nome, evoca-se a profundidade, o ser.
O nome é referência reveladora da verdade da pessoa. É a porta de entrada de cada história particular.
Nos nossos encontros, no primeiro dia, carregamos todos um crachá com o nome. Nós chegamos e procuramos a pessoa pelo nome escrito no crachá, até encontrá-la. Na hora em que a encontramos, nós não olhamos mais o crachá, mas levantamos a cabeça e olhamos o rosto. E o nome que, antes, era só um nome, torna-se agora a janela de um rosto, a revelação de uma pessoa. Na medida em que se aprofunda a convivência com a pessoa, maiores serão o significado e a densidade do nome dela.
Quando um nome é pronunciado, ou invocado, a “energia potencial” existente é transformada em “energia vital”. Basta dizer o nome e uma realidade pessoal se coloca diante de todos.
nomes que geram recordações, saudades, reavivam sentimentos, atualizam propósitos, despertam compromissos. Esta é a razão quando se diz que alguém “tem nome”, ou seja, uma pessoa “de nome”.
Por outro lado, “sujar o nome” significa prejudicar o caminho de alguém, com maledicências e mentiras. Zelar pelo próprio nome é abrir caminhos para encontros que efetivem a experiência de pertença e de sólida referência a Deus. Honrar o próprio nome é tornar-se servidor, pela conduta, da experiência da fé.

É preciso cair na conta de que tenho um nome, sou pessoa única e com características muito particulares. Eu tenho uma dignidade imensa: sou imagem e semelhança de Deus.
Com essas características eu devo me colocar a serviço dos outros. Meu nome secreto, Deus o conhece!... “Eu darei... um nome novo, que ninguém conhece senão aquele que o recebe” (Apc. 2,17).
Deus sabe o meu nome: “Eu te gravei na palma de minha mão” (Is. 49,16).
Deus nunca pode olhar Sua mão sem ver o meu nome. E o meu nome quer dizer: “EU mesmo”
Deus garante a minha identidade: posso ser eu mesmo.
Deus investiu-se a Si mesmo em cada um de nós. Colocou-se no coração de cada um de nós.
Ter recebido um nome de Deus significa tomar um lugar na história, uma missão a cumprir.



Texto bíblicoLc. 1,57-66

Retorna ao preciso momento em que Deus-Pai te criou e escuta, o nome que Ele pronunciou sobre ti. Como te chamou neste momento?
Agora, sabendo o que Deus-Pai pensa de ti, poderias descobrir o teu nome? a tua identidade?
                Quais os teus “sinais digitais divinos”?
Que resposta darias de ti mesmo, agora, se um repórter te entrevistasse e te perguntasse: “Quem és tu?”
O que colocarias na tua carteira de identidade que te diferenciasse de todas as outras pessoas?
Quais seriam os teus sinais digitais mais originais?
                    Ser “João” é ser graça amorosa de Deus na vida e na história de tantas pessoas.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Texto para o Evangelho do próximo domingo.


A PALAVRA LAVRA E SEMEIA

“”Anunciava-lhes a Palavra por meio de muitas parábolas...” (Mc. 4,33)

Retomamos o tempo litúrgico chamado “Tempo comum”. Cada tempo, cada dia, cada mês... com sua originalidade, novidade e surpresa, chamando-nos a fazer a travessia para descobrir o sentido da existência escondido na apressada rotina do cotidiano.Vivemos no tempo e desejamos a eternidade.
    Para compreender o tempo de cada coisa e dar respostas ao que a vida pede e espera de nós, a liturgia nos faz mergulhar na luz da Palavra. A Palavra se faz tempo e se aproxima de nós, criando pontes, horizon-tes, chegando a lugares jamais imaginados ou tocados por nós.
É no encontro com a Palavra revelada que brotam palavras criativas, carre-gadas de esperança e de sentido.
Por que será que o Criador usou da Palavra para dar início à Criação?
Quê mistério e força contém a palavra para merecer tanta exclusividade dian-
te da Encarnação do Filho de Deus? (“E a Palavra se fez carne...” – Jo, 1,14).

“Nós somos palavras”. Temos respirado e respiramos palavras desde que nascemos. Basta abrir a boca que as palavras jorram. Povos de todos os tempos e lugares sempre chamaram a atenção para o vínculo que existe entre as palavras e a vida.
Conhecemos expressões comuns que demonstram a força e o peso da palavra: “as tuas palavras me fizeram bem”, “me fizeram pensar”, “me feriram”, “me ajudaram a ver as coisas de maneira diferente”, “eu esperava essas palavras”, “eu precisava daquela palavra”, “nunca me esqueci das tuas palavras”, “agradeço pelo que você me disse”, “bastou-me aquela palavra”, “a tua palavra foi diferente”...
Muitas vezes, o presente mais precioso que podemos dar a uma pessoa é o de uma “palavra diferente”.
O futuro de uma amizade rica e enriquecedora depende daquela palavra.

As palavras promovem a circulação dos pensamentos e sentimentos com os quais as pessoas revelam a si mesmas, se expõem e se propõem ao encontro, dando a cada uma a possibilidade de semear em outros aquilo em que ela crê e ama. Um “falar-semear” que é o sentido belo do viver.
A amizade, o amor e todos os sentimentos fortes, tem necessidade de palavras. Esta é a nossa vida.
Somos feitos para a comunhão, para unir as nossas vidas. É graças à força das palavras que derrotamos o silêncio angustiante da solidão, derretemos o gelo da indiferença, aprendemos a partilhar o ser e o ter.
De modo particular os poetas, os amantes, os místicos e os filósofos perceberam, desde sempre, a força e a sedução da palavra.
Não possuímos nada que tenha, ao mesmo tempo, o poder e a leveza das palavras.
As palavras podem mudar a vida, para o bem ou para o mal. Há palavras que ferem e há palavras que curam. Há uma palavra que constrói e uma que destrói, uma palavra que comunica calor e luz, outra que semeia frieza, uma que infunde confiança, outra que o arrasa...
As palavras nos tocam e nos modelam; às vezes, elas nos tocam como brisa suave, às vezes como punhais, mas sempre nos deixando marcas profundas de estímulos ou de desânimo: sentimentos de a-legria ou tristeza, de paz ou guerra, de tranqüilidade ou inquietação, de fé ou descrença, de amor ou ódio... Sinceras ou falsas, pensadas ou espontâneas... são um de nossos maiores tesouros.
Há uma palavra pela qual tudo começa e re-começa, outra pela qual tudo termina, deixando o silêncio atrás de si. Depois de certas palavras, não resta mais nada a dizer.
Todos conhecemos pessoas destruídas pelas palavras, como também pessoas reconstruídas, recriadas pelo toque das palavras. A palavra tem uma força ressurreicional.
Todo encontro com o nosso semelhante revela a nossa relação com as palavras, as boas e as más, as que unem e as que dividem, as que consolam e as que amedrontam, as que curam e as que matam.
“Morte e vida estão em poder da língua” (Prov. 18,21).

As palavras perdem força e criatividade quando não nascem do silêncio. O mundo está repleto de “papos” vazios, confissões fáceis, palavras ocas, cumprimentos sem sentido, louvores desbotados e confi-dências tediosas. Vivemos cercados de “palavras vãs”, condenados a uma civilização que teme o silêncio Fala-se muito para dizer bem pouco. Jornais, revistas, tevê, outdoors, celular, redes sociais... há demasiado palavrório. Carecemos de poesia.
“Sim, senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que contam, as que sobem e baixam...
Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as...
Amo tanto as palavras... As inesperadas... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem... Vocábulos amados...
Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho...
Persigo algumas palavras. São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema...
Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as...
Deixo-as, como estalactites em meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda... Tudo está na palavra” (Pabro Neruda)

No evangelho de hoje, Marcos afirma que “Jesus anunciava a palavra usando muitas parábolas...); Lucas completa: “as pessoas ficavam admiradas com as palavras cheias de encanto que saíam da bo-ca de Jesus”. Com exemplos tomados da experiência dos camponeses, Jesus desperta nas pessoas a espe-rança e o sentido da própria existência: o decisivo é semear a Palavra que abre novo futuro e que anima. “Palavra viva” que carrega dentro de si uma força transformadora que já não depende mais do semeador.
Tal situação nos ajuda a considerar o mistério escondido naquela palavra que sai de nossa boca e de nosso coração de forma afirmativa, redentora... bendita. Quando assim conseguimos comportar com nossas palavras, estamos contribuindo, literalmente, para a “edificação humana” do outro.
É extraordinário perceber como as palavras ditas com cuidado e amor (pedagogia de Jesus) produzem efeitos benéficos para o ser humano. Principalmente nos primeiros anos de vida.
Como é importante para um adulto, um dia criança, ter escutado palavras ordenadoras de emoções, de auto-estima! Essas palavras são bem-aventuradas, pois se tornam capazes de fazer crescer, sustentar, enfim, edificar pessoas mais saudáveis no convívio social, humano-afetivo, espiritual.

Formados e purificados pela própria Palavra no forno do silêncio, estaremos prontos para proferirmos palavras benditas, palavras que possuem um magnetismo especial, que libertam, acalentam, invocam emoções. Certas palavras nos acompanham durante muito tempo. Todos nos lembramos de palavras proferidas por pessoas especiais em momentos de dificuldade, que nos deram luz e força.
Portanto, na oração, cave palavras nas minas do seu silêncio, palavras carregadas de sentido e de ânimo; deixe que o Espírito lhe diga a “palavra” misteriosa, a “palavra diferente” reveladora de sua verdadeira identidade. Palavra divinizada que favorece o encontro, a proximidade e a acolhida mútua.

Para muitos místicos, as “palavras reveladas” são música. Eles as usam como quem toca um instru-mento, porque elas são belas, pelo prazer que elas são e despertam no leitor-orante.
Fernando Pessoa diz que a poesia é uma rede de palavras por cujas fendas se ouve uma melodia que faz chorar. Todo dizer poético aspira por um silêncio de palavras, para que a música seja ouvida.
Podemos falar, então, do prazer do texto. O profeta Ezequiel “comeu” a Palavra e afirma: “eu comi e pareceu doce como o mel para o meu paladar”.
Como polpa de uma fruta madura na boca, basta provar o sabor da Palavra, antes mesmo de conhecer o seu misterioso sentido. É o Espírito que nos diz a “palavra” misteriosa.
Porque não sabemos o que dizer, na oração deixamos o Espírito gemer em nós com suspiros profundos.

Texto bíblicoMc. 4,26-34

Na oração: Percorrer as palavras proferidas, normalmente, ao longo do dia: são palavras que elevam? curam?
                       animam? Palavras marcadas pela esperança? Palavras carregadas de sentido? Palavras criativas?

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Prezados pais e mães de aluno do Colégio Loyola,

Neste mês de Junho, a Associação de pais do Loyola – APL  promove a  Campanha de Arrecadação de Armação de Óculos  para posterior trabalho social voluntário, atendendo crianças e adultos carentes de Cascavel, com apoio do Padre Onofre juntamente com Andréia Gil Bichara, ex-aluna do Loyola e médica oftalmologista, que fará as consultas.
 Periodicamente os óculos de graus são substituídos por outros, em razão de estética ou mesmo de necessidade, e a maioria das pessoas abandonam as antigas armações no fundo das gavetas, embora estejam em boas condições de uso. 
Você também pode fazer sua parte, doando ou pedindo aos amigos e familiares.

As doações deverão ser feitas na sala da APL até o dia 12 de Julho.
Maiores informações entrem em contato: 31 3337-7700 // 9614-6870 ou por email contatodospais@aployola.com.br

‘”Aquele que tem caridade no coração tem sempre qualquer coisa para dar”.

Santo Agostinho



Atenciosamente;
Licínio Andrade Gonçalves
Pai Voluntário na APL

terça-feira, 5 de junho de 2012

Texto para o próximo domingo.


EVANGELIZAR NOSSA INTERIORIDADE PARA SERMOS MAIS HUMANOS



“Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se” (Mc. 3,24)



Segundo a tradição bíblica, o que mais nos desumaniza é viver com um “coração fechado” e endurecido, um “coração de pedra”, incapaz de amar e de crer. Quem vive “fechado em si mesmo”, não pode acolher o Espírito de Deus, não pode deixar-se guiar pelo Espírito de Jesus.

Quando nosso coração está “fechado”, nossos olhos não vêem, nossos ouvidos não ouvem, nossos braços e pés se atrofiam e não se movimentam em direção ao outro; vivemos voltados sobre nós mesmos, insen-síveis à admiração e à ação de graças. Quando nosso coração está “fechado”, em nossa vida não há mais compaixão e passamos a viver indiferentes à violência e injustiça que destroem a felicidade de tantas pessoas. Vivemos separados da vida, desconectados. Uma fronteira invisível nos separa do Espírito de Deus que tudo dinamiza e inspira; é impossível sentir a vida como Jesus sentia.

Num coração petrificado o Espírito não tem liberdade de atuar; dessa resistência à ação do Espírito bro-tam as doentias divisões internas. São os dinamismos “dia-bólicos” (aquilo que divide) que se instalam em nosso interior, atrofiam nossas forças criativas e nos distanciam da comunhão com tudo e com todos.



O ser humano vive tencionado entre dois pólos, entre luz e escuridão, entre céu e terra, entre fragmen-tação e unidade, entre espírito e instinto, entre solidão e vida comum, entre medo e desejo, entre proximi-dade e distanciamento, entre amor e ódio, compreensão e incompreensão, razão e sentimento...

A pessoa “dividida”, por não ter um horizonte de sentido que a atraia, fixa-se no cenário externo, agarra-se ao mundo circundante, apega-se às coisas, na ilusão de alcançar uma segurança almejada.

A pessoa foge de si mesma, tem medo de encontrar-se. Por isso, acompanha o ritmo dos outros, repete a linguagem dos outros, adota os critérios dos outros..., e acaba sendo influenciada e dominada por pres-sões e hábitos externos.

O ser humano “dividido” é desfalcado, despojado de seu conteúdo humano, espoliado de sua densidade antropológica, assaltado por dentro. A “divisão”  corrói a interioridade da pessoa e dissolve aquilo que é mais nobre em seu interior. Longe de uma humanidade dinâmica, operante, ousada... o que a pessoa deixa transparecer é uma humanidade neutra, apática, estagnada; é humanidade lenta, demorada, afogada na “normose”, estacionada na repetição dos gestos e dos passos. Ela gira em torno de si mesma e não consegue fazer um salto libertador. Isso tudo leva a pessoa a debilitar-se, provocando a redução da vitalidade humana em vez de favorecer o crescimento pessoal.



Só quando dizemos sim a esta tensão básica de nossa vida é que conseguimos superar a divisão interna.

Viver humanamente consistirá em deixar o Espírito circular livremente por todos os cômodos de nossa morada, arejando-os, ventilando-os, religando-os, dando-lhes vida, reorientando-os. A missão do Espírito é ajudar-nos a fazer a travessia, o mergulho interior, tanto nas sombras como nas zonas de luz, até ao centro de nós mesmos.

O Espírito procura entrar para fecundar, recolocar em ordem, restaurar, unificar.

Agrada-lhe reunir, integrar, conciliar, pacificar, conduzir-nos a um “lugar interior”, a um centro de calma, onde tudo tem seu lugar, onde tudo encontra seu espaço. Soltar as asas nos momentos mais petrificados e pesados de nossa vida é sinal de sua silenciosa Presença.

Portanto, viver uma “vida segundo o Espírito” significa, antes de tudo, chegar à compreensão e integra-ção das polarizações internas, dos dinamismos opostos, dos movimentos contraditórios... que nos mantêm “despertos” e que dão calor e sabor à nossa existência.

“Deixar-se conduzir pelo Espírito” em duas direções: a) para a própria interioridade, ativando as “beatitudes originais”, despertando os impulsos para o “mais”, reacendendo a força dos desejos, a inspi-ração para a criatividade...

b) para a universalidade: abertura e acolhida da realidade, para ser “sal e luz do mundo”.



É preciso superar a “divisão” do ser humano para recuperar a densidade humana interna. Para isso, ele precisa “re-ordenar-se”, repensar a interioridade perdida, reconquistar a autodeterminação.

A finalidade da evangelização das profundezas é colocar Deus em seu devido lugar em nossa vida. É retornar a Ele, vivendo plenamente a própria humanidade e deixando-se vivificar pelo Espírito. Trata-se, dessa maneira, de experimentar a salvação em todas as zonas do próprio ser, de recompor-se, reajustan-do-se às leis fundamentais da vida.

É indispensável “unificar-se” por dentro e descobrir que a pessoa pode inventar-se a cada dia, a cada passo, conduzindo conscientemente a vida em direção à plenitude e não arrastá-la pelo chão.

Pessoa “dividida” é massa anônima empurrada pela multidão. Quem está “unificado”  tem a coragem de redefinir-se, de eleger, de assumir-se; é alguém preparado para dar um salto arrojado e criativo.



O seguimento de Jesus não é luta interna que desgasta, levando ao sentimento de impotência e desâni-mo. O combate dualístico (entre o bem e o mal) desemboca no puritanismo, no farisaísmo, no legalismo, no perfeccionismo, no voluntarismo... onde o centro é o “eu”.

A questão de fundo é saber qual dos dois dinamismos nós alimentamos (para o “mais” ou para o “me-nos”); é aqui que entra a liberdade (ordenada) para deixar-nos conduzir pelo Espírito. O centro é o Espí-rito. Trata-se de sermos dóceis para deixar-nos conduzir pelos impulsos do Espírito, por onde muitas vezes não entendemos e não sabemos. Como nosso Mestre interior, nos ensinará a deixar-nos conduzir para a bondade, para a doação, para a reconciliação e a alegria.

Sua discreta presença nos move a acolher em nós nosso potencial de ternura, de cuidado e de resistência diante de todas aquelas situações e forças que desintegram a vida e nos dividem por dentro.



Em outras palavras: “viver segundo o Espírito” não se define como um combate, como luta para debilitar o “eu”, mas como experiência para ativar o impulso para o “mais” e “ordenar” os dinamismos humanos em direção a um horizonte de sentido: o Reino.

O decisivo é abrir nosso coração. Por isso, nossa primeira invocação ao Espírito deve ser esta:

  “Dá-nos um coração novo, um coração de carne, sensível e compassivo, um coração transformado por Jesus”.


Textos bíblicos:  Gen. 3,9-15   Mc. 3,20-35



Na oração:  Para realizar-se e desenvolver toda a sua poten-

                    cialidade, busque, na oração, cavar mais profun-

damente, até atingir as raízes de seu ser, o núcleo original de

sua personalidade. É no mais íntimo que se reza ao Senhor. É no mais profundo da interioridade que se escuta o Senhor. Deixe-se invadir pela luz e pela vida d’Aquele que armou sua tenda entre nós”.