EVANGELIZAR NOSSA INTERIORIDADE PARA SERMOS
MAIS HUMANOS
“Se um reino
se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se” (Mc. 3,24)
Segundo
a tradição bíblica, o que mais nos desumaniza é viver com um “coração
fechado” e endurecido, um “coração de pedra”, incapaz de amar e de
crer. Quem vive “fechado
em si mesmo”, não pode acolher o Espírito de Deus, não pode
deixar-se guiar pelo Espírito de Jesus.
Quando
nosso coração está “fechado”, nossos olhos não vêem, nossos ouvidos não ouvem,
nossos braços e pés se atrofiam e não se movimentam em direção ao outro; vivemos
voltados sobre nós mesmos, insen-síveis à admiração e à ação de graças. Quando
nosso coração está “fechado”, em nossa vida não há mais compaixão e passamos a
viver indiferentes à violência e injustiça que destroem a felicidade de tantas
pessoas. Vivemos separados da vida, desconectados. Uma fronteira invisível nos
separa do Espírito de Deus que tudo dinamiza e inspira; é impossível
sentir a vida como Jesus sentia.
Num
coração petrificado o Espírito não tem liberdade de atuar; dessa
resistência à ação do Espírito bro-tam as doentias divisões internas.
São os dinamismos “dia-bólicos” (aquilo que divide) que se
instalam em nosso interior, atrofiam nossas forças criativas e nos distanciam
da comunhão com tudo e com todos.
O
ser humano vive tencionado entre dois pólos, entre luz e escuridão,
entre céu e terra, entre fragmen-tação e unidade, entre espírito e instinto,
entre solidão e vida comum, entre medo e desejo, entre proximi-dade e
distanciamento, entre amor e ódio, compreensão e incompreensão, razão e
sentimento...
A
pessoa “dividida”, por não ter um horizonte de sentido que a
atraia, fixa-se no cenário externo, agarra-se ao mundo circundante, apega-se às
coisas, na ilusão de alcançar uma segurança almejada.
A
pessoa foge de si mesma, tem medo de encontrar-se. Por isso, acompanha o ritmo
dos outros, repete a linguagem dos outros, adota os critérios dos outros..., e
acaba sendo influenciada e dominada por pres-sões e hábitos externos.
O
ser humano “dividido” é desfalcado, despojado de seu conteúdo
humano, espoliado de sua densidade antropológica, assaltado por dentro. A “divisão”
corrói a interioridade da pessoa
e dissolve aquilo que é mais nobre em seu interior. Longe de uma humanidade
dinâmica, operante, ousada... o que a pessoa deixa transparecer é uma
humanidade neutra, apática, estagnada; é humanidade lenta, demorada, afogada na
“normose”, estacionada na repetição dos gestos e dos passos. Ela gira em torno
de si mesma e não consegue fazer um salto libertador. Isso tudo leva a pessoa a
debilitar-se, provocando a redução da vitalidade humana em vez de favorecer o
crescimento pessoal.
Só
quando dizemos sim a esta tensão básica de nossa vida é que conseguimos
superar a divisão interna.
Viver
humanamente consistirá em deixar o Espírito circular livremente
por todos os cômodos de nossa morada, arejando-os, ventilando-os, religando-os,
dando-lhes vida, reorientando-os. A missão do Espírito é ajudar-nos a fazer a
travessia, o mergulho interior, tanto nas sombras como nas zonas de luz, até ao
centro de nós mesmos.
O
Espírito procura entrar para fecundar, recolocar em ordem, restaurar, unificar.
Agrada-lhe reunir, integrar, conciliar, pacificar,
conduzir-nos a um “lugar interior”, a um centro de calma, onde tudo tem seu
lugar, onde tudo encontra seu espaço. Soltar as asas nos momentos mais
petrificados e pesados de nossa vida é sinal de sua silenciosa Presença.
Portanto,
viver uma “vida segundo o Espírito” significa, antes de tudo, chegar à
compreensão e integra-ção das polarizações internas, dos dinamismos opostos,
dos movimentos contraditórios... que nos mantêm “despertos” e que dão calor e
sabor à nossa existência.
“Deixar-se
conduzir pelo Espírito” em duas direções: a) para a própria interioridade,
ativando as “beatitudes originais”, despertando os impulsos para o “mais”,
reacendendo a força dos desejos, a inspi-ração para a criatividade...
b)
para
a universalidade: abertura e acolhida da realidade, para ser “sal e luz
do mundo”.
É
preciso superar a “divisão” do ser humano para recuperar a
densidade humana interna. Para isso, ele precisa “re-ordenar-se”,
repensar a interioridade perdida, reconquistar a autodeterminação.
A
finalidade da evangelização das profundezas é colocar Deus em seu
devido lugar em nossa vida. É retornar a Ele, vivendo plenamente a própria
humanidade e deixando-se vivificar pelo Espírito. Trata-se, dessa maneira, de
experimentar a salvação em todas as zonas do próprio ser, de recompor-se,
reajustan-do-se às leis fundamentais da vida.
É
indispensável “unificar-se” por dentro e descobrir que a pessoa pode
inventar-se a cada dia, a cada passo, conduzindo conscientemente a vida em
direção à plenitude e não arrastá-la pelo chão.
Pessoa
“dividida” é massa anônima empurrada pela multidão. Quem está “unificado”
tem a coragem de redefinir-se,
de eleger, de assumir-se; é alguém preparado para dar um salto arrojado e
criativo.
O seguimento
de Jesus não é luta interna que desgasta, levando ao sentimento de
impotência e desâni-mo. O combate dualístico (entre o bem e o mal) desemboca no
puritanismo, no farisaísmo, no legalismo, no perfeccionismo, no voluntarismo...
onde o centro é o “eu”.
A
questão de fundo é saber qual dos dois dinamismos nós alimentamos (para
o “mais” ou para o “me-nos”); é aqui que entra a liberdade (ordenada) para
deixar-nos conduzir pelo Espírito. O centro é o Espí-rito. Trata-se de
sermos dóceis para deixar-nos conduzir pelos impulsos do Espírito, por onde
muitas vezes não entendemos e não sabemos. Como nosso Mestre interior, nos
ensinará a deixar-nos conduzir para a bondade, para a doação, para a
reconciliação e a alegria.
Sua discreta presença nos move a acolher
em nós nosso potencial de ternura, de cuidado e de resistência diante de todas
aquelas situações e forças que desintegram a vida e nos dividem por dentro.
Em
outras palavras: “viver segundo o Espírito” não se define como um
combate, como luta para debilitar o “eu”, mas como experiência
para ativar o impulso para o “mais” e “ordenar” os dinamismos humanos em
direção a um horizonte de sentido: o Reino.
O decisivo é abrir nosso coração. Por isso, nossa primeira
invocação ao Espírito deve ser esta:
“Dá-nos um coração novo, um coração de carne,
sensível e compassivo, um coração transformado por Jesus”.
Textos
bíblicos:
Gen. 3,9-15
Mc. 3,20-35
Na oração: Para realizar-se e desenvolver toda a sua poten-
cialidade, busque, na oração, cavar
mais profun-
damente, até atingir as raízes de seu ser, o núcleo original de
sua personalidade. É no mais íntimo que se reza ao Senhor. É no mais profundo da interioridade que se escuta o Senhor.
Deixe-se invadir pela luz e pela vida d’Aquele que “armou sua tenda entre nós”.
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