JESUS: A FORÇA E A SEDUÇÃO DE SUAS PALAVRAS
“...não sou
digno de que entres em minha casa, mas dize uma palavra e o meu servo
ficará curado”
O centurião romano atribui força e eficácia à palavra de Jesus. Por sua experiência do mundo militar ele sabe que
tal “palavra” realiza o que expressa, independentemente da presença de quem a
profere; por si só a palavra tem uma
força expansiva e um dinamismo criativo.
De fato, no princípio não está o silêncio de uma noite primordial, mas
a Palavra criadora de Deus, inau-guradora
da Criação. Deus comunica sua Palavra e o que Ele diz é Criado. O mundo foi criado porque foi dito: “Que exista a luz!
E a luz começou a existir”. A Criação é um acontecimento que surge da Palavra.
“No princípio era a Palavra”, diz o
prólogo de S. João. Deus é Palavra
e, em Jesus, ela se faz carne.
Chegada a plenitude dos tempos, Deus disse sua Palavra
definitiva e insuperável em Jesus.
Ele, em sua vida e
missão, prolonga a Palavra criativa
de Deus; começa a
falar uma Palavra sedutora a partir da margem geográfica,
cultural, religiosa e econômica.
A partir
das periferias do mundo surge um canto de vida nova, a sabedoria
oculta a muitos sábios e expertos. É uma sabedoria que vem de Deus,
desconcertando a sabedoria exibida a partir do centro.
Suas palavras revelam
uma força ressurreicional,
que é o sentido belo do viver; através delas Jesus põe em movimento a
realidade, reconstrói pessoas feridas em sua dignidade, comunica saúde onde há
enfermidade, faz emergir a vida onde impera a morte.
Na Bíblia, “uma palavra é sempre mais que uma palavra”. Ela é acontecimento relacional na vida
origi-nal de cada um; no interior de quem a escuta, ela é vida, movimento...
ela tem um sentido particular, único...; não há começo nem fim, mas movimento
permanente, interação sempre mais profunda...
Jesus, no encontro com a realidade, extrai palavras
significativas, previamente cinzeladas e incorporadas no seu interior, onde
elas revelam dinamismo, sentido e alteridade; sua palavra brota de uma
vida inte-rior fecunda e conduz a uma vida comprometida.
“Nós somos palavra”. A palavra
adquire a sua força vital no interior da relação dialogal, na singu-laridade de
cada um, no seu ritmo, no seu tempo... Quando não
existe a troca de palavras, ditas e ouvidas, a vida é mutilada nas suas
expressões mais vitais, as espirituais.
As palavras pesam. Talvez porque sejam a
mais genuína invenção humana.
Nosso mundo está repleto de “palavras”. Em todos os lugares
aonde vamos somos cercados por elas:
palavras
murmuradas com suavidade, proclamadas em altas vozes ou berradas irritadamente;
palavras
faladas, recitadas ou cantadas; palavras em discos, em livros, em
muros ou no céu; palavras de muitos sons, muitas cores ou muitas formas; palavras
para serem ouvidas, lidas, vistas ou olhadas de relance; palavras que oscilam, se
movem devagar, dançam, pulam ou se agitam.
Palavras,
palavras, palavras! Elas formam o piso, as paredes e o teto de nossa
existência.
A palavra pode ferir ou curar, construir
ou destruir, distanciar ou aproximar... Proferida no calor aquecido por mágoas
ou ira, penetra como flecha envenenada. Obscurece a vista e instaura a solidão.
Mas a palavra também salva. Uma expressão de carinho, alegria, acolhimento ou amor, é como
brisa suave que ativa nossas melhores energias. É extraordinário perceber como
as palavras ditas com cuidado e amor (pedagogia de Jesus) produzem
efeitos benéficos para o ser humano. Essas palavras são bem-aventuradas,
pois são capazes de fazer crescer, sustentar, edificar as pessoas para o
convívio social, humano-afetivo, espiritual. São palavras que trazem luz
e calor, infundem confiança e segurança.
As palavras
jamais deixam as coisas como estão. Elas não se limitam a transmitir uma
mensagem; elas tem uma força operativa, desencadeiam um movimento... Quando
falamos algo acontece, muda alguma coisa dentro de nós e ao nosso redor.
Aparentemente nada mudou; mas é possível que tudo tenha muda-do. A palavra
foi além de sua vibração sonora. Ela contribui para criar o clima, o ar que
respiramos... um ambiente que nos plenifica, nos nutre, favorece o encontro e o
compromisso e abre possibilidade de viver
Às vezes temos a sensação de que
as palavras nos saturam: nas aulas,
na televisão, nos jornais, nas litur-gias, na Internet... Sem dúvida, em nossa
sociedade pós-moderna, a palavra cada vez tem menos rele-vância, cada
vez é menos significativa. Esvaziamos as palavras, adocicamo-las, manipulamo-las
ou as submetemos a uma violenta perda de significados segundo nossa
conveniência. E S. Inácio, nos Exercícios Espirituais, nos diz que “o amor consiste mais em obras do que em palavras”.
É verdade, mas pôr o amor nas
obras não impede pô-lo também nas palavras,
e isso implica compro-meter-nos a cuidar da qualidade das palavras. “Cuidar a
palavra é cuidar o mais específico do ser huma-no, enquanto que é através dela
que se expressa nosso mistério” (Melloni,
sj).
O fato é que há palavras que, mesmo que não sejam
necessárias, tem uma força enorme. Podemos pôr muito amor nas obras e também
empapar nossas palavras desse mesmo amor, porque nas palavras nos dizemos e nas obras nos realizamos.
Chegamos,
assim, ao “interno conhecimento” da palavra, à reverência para com
a palavra, por ser ela expressão externa da palavra interior escutada
no silêncio, por ser palavra “dirigida” a Alguém.
Talvez o que mais nos falte hoje
em dia seja dirigir nosso olhar sobre “a palavra”, prestar atenção à
pala-vra mesma a partir da nossa interioridade.
“Como os filólogos nos advertem, as palavras
estão grávidas de significados existenciais.
Nelas, os seres humanos acumularam infindáveis
experiências, positivas e negativas, experiênci-as de busca, de encontro, de
certeza, de perplexidade e de mergulho no Ser.
Precisamos desentranhar das palavras sua riqueza
escondida” (L. Boff)
Nesse
sentido, o silêncio é a arte de
cinzelar palavras. Talhada pelo
silêncio, mais significados elas possuem. O silêncio não é o contrário da palavra.
É sua matriz, lapidador de palavras sábias.
O tagarela
cansa os ouvidos alheios porque seu matraquear de frases ecoa sem consistência.
Já o sábio
pronuncia a palavra como fonte de
água viva. Ele não fala pela boca, e sim do mais profundo de si mesmo. Sabem os
místicos
que, sem calar o palavreado crônico, é impossível ouvir, no segredo do coração,
a Palavra de Deus que neles se faz
expressão amorosa e ressonância criativa.
No processo da oração, temos a oportunidade de
aproximar a palavra à experiência, para resgatá-la da
insignificância, do anonimato, fazê-la inédita, consciente e podê-la assim
confrontar com a Palavra que, feito
carne, entrou em nossa experiência histórica.
A palavra recém saída do forno da experiência está viva, quente...
transforma a vida.
Textos bíblicos: Lc. 7,1-10
Na oração: Cave palavras nas minas
do seu silêncio, palavras
carregadas de sentido e de ânimo.
Silêncio para
poder dialogar com seu eu profundo, para ver o que há atrás de suas palavras,
de seus sentimentos, de suas intenções... Silêncio para tentar ir ao coração de
sua verdade. Pois somente no silêncio poderão germinar as palavras-vida.
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