JESUS
TRANSGRIDE NOSSOS ESQUEMAS
“...
os publicanos e as prostitutas vos precederão no Reino de Deus”(Mt 21,31)
No Evangelho de hoje, Jesus, com sua original
sabedoria, nos oferece uma outraperspectiva de vida.
Sem dúvida alguma, Jesus era um provocador, no sentido etimológico da
palavra, (pro-vocar: chamar para frente, desinstalar), que obrigava a ver as
coisas a partir de uma perspectiva diferente da que era
habitual.
Ele é Aquele que vê mais além da
realidade: descobre vida onde os outros só vêem morte; desvela possibilidades
onde os outros se deparam com o impossível; descobre sementes de futuro
escondidasonde ninguém vê mais saída; vê santos onde todos só vêem pecadores...
Jesus é Aquele que vê bondade presente no fundo do coração, inclusive daqueles
que eram condenados como “publicanos e prostitutas”; sabe ler nos gestos mais
simples a grandeza de um coração capaz de amar, de mudar, de ser melhor.
Mas, custa-nos muito
modificar nossa perspectiva; estamos acostumados a um modo fechado de viver,
com umas viseiras (a dos “sacerdotes e anciãos do povo”) que não nos permitem
captar a vida em sua ple-nitude e riqueza; com isso nos instalamos no já
adquirido e conhecido e atrofiamos em nós o dinamismo que busca abrir a mente e
alargar o coração à realidade que nos cerca.
Ver as coisas“por
uma outra perspectiva” é muito mais divertido.
O “avesso”
revela que o mundo poderia ser diferente.
Dizem que, ao pintar
uma paisagem, ospaisagistas a olham
dobrando-se e pondo a cabeça entre as pernas abertas, por mais incômodo que
seja a postura, porque assim se libertam da visão “oficial” do conjunto que
to-dosvêemde pé, e descobrem novos ângulos,
perspectivas não usuais e a surpresa do novono molde antigo.
Também aqui os hindus
conhecem e praticam a sabedoria ancestral da postura do “pinheiro”, com a cabeça
para baixo e as pernas para cima, mudando de direção as correntes metabólicas
do corpo e olhando ao mesmo tempo o “mundo ao avesso”.
Isto acaba sendo a maneira de ver as coisas pelo direito. É o segredo da arte, da vida e
das decisõesbem tomadas. Um enfoque novo sempre proporciona um
ponto de referência melhor para uma avaliação independente, seja de linhas e
cores, seja de opções e valores de vida.
Um ponto de vista novo,
limpo e original é uma grande ajuda para uma vida sadia.
O que Jesus pretende
na pequena parábola de hoje é dar-nos um novo
ponto de vista,um novo ângulo,
uma nova perspectiva, fazendo-nos
ver a realidade do outro como se fosse pela primeira vez, com um olhar límpido e um juízo desinteressado.
Os “sacedotes e anciãos do povo” são os
“profissionais” da religião: aqueles que disseram um grande “sim” ao Deus do
templo, os especialistas do culto, os guardiães da lei. Não sentem a
necessidade da conversão e não se abrem à novidade trazida por Jesus.
Os “publicanos e prostitutas” são
aqueles que disseram um grande “não” ao Deus da religião, aqueles que se
colocaram fora da lei e do culto. No entanto, seu coração se manteve aberto à
conversão e acolheram a novidade de Jesus.
“Sacerdotes e anciãos do povo” x “publicanos
e prostitutas”: revelam o lugar e o modo de viver de cada grupo na
estrutura religiosa do tempo de Jesus. Mas podemos ir além: tais grupos estão
presentes, e em constante conflito, em nossa própria interioridade.
Como integrá-los e como conviver com eles
para que nossa vida sejacriativa e expansiva?
Nesse sentido, esta
pequena parábola nos capacita a considerar nossa vida sob outra perspectiva.
Provavelmente, a parábola – em linha
com a sabedoria de Jesus – está nos convidando a que sejamos capazes de
reconhecer e abraçar o “publicano” e a “prostituta” que cada um de nós carrega
em nosso interior. O sentido seria o mesmo que aquela outra parábola que fala
do “fariseu” e do “publicano”: até que não reconheçamos o nosso publicano
interno não poderemos estar reconciliados.
Simbolicamente, “publicano” e “prostituta”
é aquela dimensão nossa que temos reprimida e oculta, nossa própria sombra. É claro que, enquanto não a
reconhecermos, projetaremos nos outros o que em nós mesmos rejeitamos. Só quando abraçamos nossa
“negatividade”, nos humanizamos, porque nos abrimos à humildade. E só então
pode emergir a bondade e a compaixão para com os outros.
Os “sacerdotes” e os “anciãos”
– escravos de sua própria imagem de “observantes religiosos” – eram incapazes
de reconhecer e aceitar seu “publicano” e sua “prostituta” – presentes em todos
nós. Isso os incapacitava para amar os outros – publicanos e prostitutas – e
para entrar no Reino.
Quanto mais nos reconciliamos com nossa debilidade
e fragilidade, mais próximos estaremos da verdade.
Uma coisa parece clara: abraçar nossos próprios
“publicano” e “prostituta” nos permitirá abraçar qualquer pessoa que cruze
nosso caminho, sem necessidade de impor-lhe nenhuma etiqueta prévia.
Dito de outro modo: ao reconhecer e
aceitar nossa própria sombra (tudo
aquilo que em algum momento tivemos que negar, ocultar, reprimir...) crescemos
em unificação e harmonia interior, desaparecem os juízos e preconceitos e
entramos em um caminho de humildade e graça.
A aceitação da sombra
(“publicano-prostituta”) nos faz descer do falso pedestal ao qual nos havia
feito subir o “sacerdote que nos habita” e nos permite crescer em humildade e
em humanidade.
Para Jesus, a conversão
significa mover-nos em direção à nossa fragilidade, aos limites, às sombras...
Ao reconhecer-nos fracos e limitados, nós nos
abrimospara Deus e para os outros; sentimo-nosnecessita-dos de salvação.Só a aceitação de nossa
verdade completa conduzir-nos-á no caminho da libertação.
E a verdade é que em cada um jazem unidas a luz
e a sombra, o sacerdotee o publicano.Em cada san-to dorme um pecador, e não
reconhecer isso conduz ao farisaísmo e ao moralismo; mas em todo pecador dorme também um santo, e não percebê-lo supõe um
empobrecimento humano, desesperança e vazio.
Somente quando integrarmos e
nos reconciliarmos com os aspectos nossos que tínhamos negado ou até rejeitado
– a sombra - , poderemos alcançar a paz e a harmonia estáveis. Portanto, nossa grande tarefa não consiste em
sermos “perfeitos”, mas “completos”. Na medida em que somos mais “completos”,
por-que aceitamos de maneira integral nossa verdade, tornamo-nos mais
compassivos e humanos.
Quem se identifica com “ideais”muito elevados,
quem se exalta a si mesmo na busca da “perfeição”, mais cedo ou mais tarde
terá de confrontar-se com suas “sombras”, será forçado a tomar
consciência de sua condição humana e terrena, de seu “húmus”.
Quem “desce” até sua própria realidade,
até os abismos do inconsciente, até a escuridão de suas sombras, até a
impotência de seus próprios sonhos, quem mergulha em sua condição humana e
terrena e se reconci-
lia com ela, este sim, está “subindo” para Deus, faz
a experiência do encontro com o Deus
verdadeiro.
Texto bíblico:Mt 21,28-32
Na oração:
“Em você há
uma luz capaz de espantar as trevas
dos acontecimentos mais dramáticos; você é
portador de uma força que pode sustentá-lo em
experiências exigentes. Em sua fraqueza há
algo divino. O que a terra seca tem
a oferecer? Nada, quando abandonada às suas próprias limitações. Mas ela não
desespera. Mesmo sob a pobre forma de deserto, continua guardiã de tesouros
insuspeitos”(Frei
Cláudio V. Balen).
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