terça-feira, 26 de março de 2013

3 Textos para o Tríduo Pascal.



Amigos e amigas,
não fiquem assustados; estou enviando a vocês três anexos como subsídios para rezar cada um
dos dias do Tríduo Pascal.
Desejo a todos(as) uma intensa Semana Santa.
Um abraço
Pe. Adroaldo sj
 




EUCARISTIA: a mesa que nos humaniza

“Durante a Ceia... Jesus se levantou da mesa, tirou o manto... e começou a lavar os pés dos discípulos”.

“Não serás amigo de teu amigo até que tenhais comido juntos uma porção de sal”, diz um provérbio árabe. E isso supõe tempo compartilhado, conversação prolongada, confidências entre amigos...
Compartilhar a mesa é o grande símbolo da convivialidade, da reconciliação e da inclusão (Is. 25,6-8).
A imagem que Cristo escolhe para falar-nos daquilo que é central no Reino é a do banquete, uma refeição festiva. Seu gesto de compartilhar a mesa com as pessoas excluídas prefigurava e preparava a Eucaristia como culminação de algo que foi sendo gestado e vivido naquelas refeições onde os últimos eram aco- lhidos e tinham um lugar preferencial.

No tempo de Jesus, aceitar alguém na própria mesa de refeição tinha um sentido muito profundo: implicava uma comunhão de idéias, de mentalidade, de forma de agir, de sentimentos sobre as coisas e as pessoas.
Cabe aqui perguntar: quê sentido estavam dando os apósto-los quando compartilhavam a mesa com Jesus?
Basicamente significava que eles estavam de acordo com Jesus e queriam compartilhar sua forma de pensar e de agir. Caso contrário, não teriam participado da re-feição com Ele. O gesto ultrapassa evidentemente o fato de sentar-se juntos a uma mesma mesa e chegava até uma comunhão com o mais precioso que Jesus tinha em seu coração e em seu espírito, com seus sonhos e seus projetos.

A pedagogia de Jesus incluiu a “espiritualidade da mesa”. Ele, antes de fundar uma igreja, fundou a “mesa da vida” (mesa da Última Ceia): mesa da refeição como lugar de comunhão, fonte inesgotável de vida. A comunhão que faz sonhar com a mesa eterna no Reino e desafia seus participantes a viver a parti-lha como hábito e dinâmica que preserva e promove a vida.
O ritual da mesa rompe as distâncias e garante a proximidade, estabelece o estreitamento dos vínculos com o diferente. Junto à mesa, cada um se coloca diante do outro, não importando as diferenças de vida, opções, modos de ser... A comunhão supõe o rito da inclusão e da partilha. O simples gesto de passar ao outro um pedaço de pão é um gesto despojado de poder, de segundas intenções.
A espiritualidade da mesa exala gratidão  aos que dela se aventuram em assentar-se. Com isso ela nos interpela a vivermos uma espiritualidade da gratuidade e do serviço de uns para com os outros. Esta é a prova da autenticidade do verdadeiro seguimento de Jesus.

Esta foi a prática de Jesus que mais causou espanto e escândalo: a partilha nas mesas com pobres e pecadores. Literalmente, Jesus foi aquele que “virou mesas” de muitas pessoas e fundou uma outra mesa: mesa da partilha, da festa, mesa da fraternidade onde todos se sentem iguais... Mesa da vida.
Trata-se de uma mesa provocativa, questionadora, incômoda... que requer mudança de lugar, de menta-lidade, de atitude... Sair da própria mesa e caminhar em direção à mesa dos outros.
Comendo e bebendo com todos os excluídos, Jesus estava transgredindo e desafiando as formalidades do comportamento social e das regras que estabeleciam a desigualdade, a divisão, a exclusão...
Jesus revelava uma grande liberdade ao transitar por diferentes mesas; mesas escandalosas que o faziam próximo dos pecadores, pobres e excluídos... Ele não só transitou por outras mesas, mas instituiu a grande Mesa para a festa, a intimidade, a memória: a “mesa do Lava-pés e da Última Ceia”.
Ali, Ele “despoja-se do manto” (sinal de dignidade do “senhor”) e pega o avental (toalha, “ferramenta” do servo). Jesus está no meio dos homens como Aquele que serve.
“Despojar-se do manto” significa “dar a vida” sob a forma de serviço.
Jesus coloca toda a sua pessoa aos pés dos seus discípulos. O Criador põe-se aos pés da criatura para revelar como ela é amada e como deve amar.
“Levanta-se da mesa” – “senta-se à mesa”: movimento de partida e de chegada; mesa que projeta para
                                                                   o serviço e mesa que faz memória festiva, mesa do encontro.

O Lava-pés é gesto ousado que quebra toda pretensão de poder. Jesus viu claramente que o perigo mais grave que ameaça seus seguidores é a tentação do poder. Não há dúvida de que isso é o que causa o maior dano a todos, o que mais nos desumaniza.
Por isso, com esse gesto, Jesus expressa que nunca quis agir como o superior que se impõe com poder; do mesmo modo, viu em semelhante comportamento uma conduta radicalmente inaceitável entre seus segui-dores. A relação que se estabeleceu entre os discípulos e Jesus não foi a de submissão a um poder que manda e dá ordens, mas a do “seguimento” que brota da experiência de sentir-se atraído e seduzido pelo “modo de proceder” do mesmo Jesus.

“Tal Cristo, tal cristão”: na vivência do serviço evangélico, somos chamados a vestir o “avental de Jesus”
                                    “Vestir o coração” com o avental da simplicidade, da ternura acolhedora, da escu-
                                     ta comprometida, da presença atenciosa, do serviço desinteressado...
O que é “tirar o manto?” Para nós o “manto” poderia ser nossa máscara, nossa redoma, nossa capa de proteção que nos distancia dos outros...; é tudo aquilo que impede a agilidade e a prontidão no serviço... “Tirar o manto” é a atitude firme de quem se dispõe a “arrancar” tudo o que possa ser empecilho  para melhor servir; é mover-se, despojado, em direção ao outro; é optar pela solidariedade e a partilha; é reno-var a vontade de “incluir” o outro no nosso projeto de vida.

Precisamos “levantar-nos da mesa” cotidianamente. Há sempre um lar que nos espera, um ambiente carente, um serviço urgente. Há pessoas que aguardam nossa presença compassiva e servidora, nosso coração aberto, nossa acolhida e cuidado amoroso...
Ora, se não nos livrarmos do manto, tornar-se-á difícil realizar gestos ousados, criativos...
Sempre teremos “pés” para lavar, mãos estendidas para acolher, irmãos que nos esperam, situações deli-cadas a serem enfrentadas com coragem... A mesa da vida aponta para a direção da gratuidade, da ale-gria, do convívio, do amor e da comunhão. É preciso “sentar à mesa” para renovarmos as forças e redo-brarmos a coragem de  nos levantar e, na humildade, sem manto, servir com amor, do jeito de Jesus.
“Levantar-nos da mesa” – “sentar-nos à mesa”: movimento de partida e de chegada; prolongamento do gesto provocativo e escandaloso de Jesus.         Isso é viver a Eucaristia no cotidiano da vida.
Texto bíblico:  Jo. 13,1-17

Na oração: Não podemos esquecer que na origem daquilo que celebramos neste dia houve uma ceia de des-
                       pedida, e que somos convidados não a um espetáculo, nem a uma representação, nem a uma conferência, mas a uma refeição fraterna. E, para participar da refeição, a primeira exigência é “ter fome”.
- “De quê tenho fome? De quê tenho sede?”










                                                   AS MÃOS NA PAIXÃO DE JESUS

Há tantas formas de considerar os mistérios da Paixão e Morte de Jesus.
palavras que continuam chegando até nós com grande intensidade; há gestos que impressionam por seu significado; há olhares que calam fundo; há silêncios perturbadores; há lugares que nos surpreen-dem; há personagens...
Consideremos, desta vez, as mãos, que tanto expressam este mistério.
O coração é o lugar onde o ser humano se revela. As mãos são expressão daquilo que está presente no coração; um coração cheio de ternura, bondade, compaixão... se expressa através das mãos ternas, bondo-sas, compassivas, que praticam a partilha... Um coração cheio de violência, arrogância, ambições, malí-cias... se expressa através de mãos violentas, maliciosas, fechadas... As mãos... o espelho da alma.
O ser humano vale pelo que vale seu coração, isto é, por aquilo que deseja, busca e ama desde o mais profundo de si mesmo. É no coração – no mais íntimo de seu ser – que o ser humano acolhe ou rejeita Deus e os outros. É o coração transformado que dirige a mão santificada, delicada. É o coração agrade-cido que transforma as mãos em instrumentos de graça.

Podemos fazer e dizer muitas coisas com nossas mãos. Admiramos as mãos dos artistas, as mãos curati-vas dos médicos, as mãos terapêuticas de quem transmite energia libertadora, as mãos de uma mãe que amassam o pão e acariciam, as mãos eloquentes dos mudos, as mãos calejadas do trabalhador, as mãos daqueles que abençoam, servem, partem e repartem...
As mãos estão sempre associadas à ação, como a cabeça à razão e o coração aos sentimentos.
As mãos, portanto, adquirem uma infinidade de formas: mãos que levantam para abençoar, mãos que baixam para levantar o caído, mãos que se estendem para amparar o cansado. São como as mãos de Deus que criam, que guiam, que salvam... Quando estendemos os braços e as mãos e tocamos o outro esponta-neamente descobrimos a compaixão e a riqueza que existe em todos nós.

Na contemplação do mistério da “Paixão de Jesus” consideremos a diversidade de mãos que aí se fazem presentes:
as “mãos limpas” dos líderes religiosos que não as usam para o serviço aos outros; são “mãos assépticas” porque não se “contaminam” no contato com as pessoas; são mãos que carregam julgamentos, traficam destruição, encarnam a falsidade e espalham o medo...
mãos dos soldados que prendem e golpeiam; mãos de Pilatos que se lavam para negar a infâmia; mãos de Judas que entregam; mãos que não podem resistir; mãos que empunham o chicote; mãos que trançam coroas de espinhos; mãos que batem, mãos rudes que espalham o terror; mãos de Simão que ajudam a carregar a cruz; mãos de Verônica que enxugam o rosto de Jesus; mãos cravadas no madeiro...
Onde está a diferença? Não está nas mãos, mas no coração!!!
É o coração petrificado que dirige a mão pesada e violenta. É o coração terno que dirige a mão santifi-cada. E minhas mãos?... De quem são? Para quê são?

1. Mãos fecundas“Enquanto ceavam, Jesus tomou o pão, pronunciou a benção, partiu-o e distribuiu-o aos discípulos” (Mt. 26,26)
São as mãos que tomam o pão para bendizê-lo, parti-lo e distribui-lo. Tomam o que é importante para fazê-lo chegar a quem dele necessita. As mãos que trabalham e que cuidam, que protegem e acariciam, que abraçam e curam. As mãos que escrevem e produzem, as mãos que se levantam para protestar contra o injusto. Mãos de artista, de artesão, de camponês, de médico, de operário, de mãe, de trabalhador, de amigo...
Quando? Em quê minhas mãos são fecundas?

2. Mãos covardes
                                  “Vendo Pilatos que nada conseguia, mas, ao contrário, o alvoroço aumentava, pediu água
 e, lavando as mãos, na presença da multidão, disse: ‘Não sou responsável pela morte deste inocente. É problema vosso” (Mt. 27,24)
São as mãos de quem se desinteressa. São lavadas; fecham-se; protegem-se para não se gastar, para não se implicar, para não se comprometer... Mãos de cristal, de porcelana, eternamente imaculadas por não terem vivido nada, ou incapazes de acolher algo.
Mãos que nunca tocaram a terra, o corpo alheio; mãos incapazes de sentir, de ferir-se, de gastar-se um pouco. Mãos lavadas em água, mas regadas em sangue invisível. Mãos que bofeteiam o inocente, ou que rasgam hipocritamente as próprias vestes, escandalizadas por uma verdade que assusta.
Mãos frias; mãos verdadeiramente mortas...
Quando? Em quê as minhas mãos são covardes?

3. Mãos servidoras
  “Ao saírem, encontraram um cirineu, de nome Simão. E o requisitaram para que carregasse a Cruz” (Mt. 27,32)
Mãos de quem estende uma mão, para ajudar a carregar as cruzes, para aliviar o peso dos ombros, para emba-lar os rostos golpeados. Mãos estendidas... para dar a mão, levantar o caído, sustentar o fraco, curar o enfer-mo, guiar o cego, compartilhar com o pobre, libertar o prisioneiro.
Onde há um necessitado... uma mão estendida.  Dar a mão... uma mão amiga. Sem paternalismo que alimen-ta o ego de quem dá e humilha a quem recebe.
As mãos... nunca para fazer o outro sofrer, mas fortes e libertadoras, criadoras de vida, mãos generosas que protegem e cuidam da vida ferida...
Quando? Em quê minhas mãos são servidoras?

4. Mãos transpassadas
                                             “Então o crucificaram. E repartiram as suas vestes, lançando sorte sobre elas para sa-
                                              ber com o que cada um ficaria” (Mc. 15,24).
Mãos transpassadas por cravos, por cansaços. Mãos que se erguem ao céu em súplica muda. Mãos que buscam algo com o qual saciar a fome dos filhos. Mãos que já não tem forças para sustentar nada.
Mãos que se apertam, desesperadas, em gesto de impotência.
Mãos que procuram ocultar os soluços quando não se pode mais. Mãos feridas, chagadas, atravessadas por cravos invisíveis. Mãos presas com cadeias de ódio, de exclusão, de rejeição. Mãos que batem em portas fechadas, desesperadas.. Mãos muito abertas, esperando ser acolhidas. Mãos já inertes pela derrota.
Quando? Em quê minhas mãos são transpassadas?

Uma mão esconde entre suas linhas a espes-sura profunda e o valor impenetrável de uma vivência única e irrepetível; exprime autorida-de, elegância, dignidade, credibilidade, ben-
ção...
Uma mão se faz encontro. Vai aproximando, oferecendo, interrogando, esperando, indi-cando, saudando, acolhendo, bendizendo... Uma mão se abre, se oferece, se doa...
Ponha um pouco de amor em tuas mãos e tudo o que tocares tornar-se-á benção.




O INCÔMODO SILÊNCIO DO SÁBADO SANTO

Normalmente o Sábado Santo não merece maior atenção de nossa parte; acabada a Sexta-feira Santa já pensamos no Domingo da Ressurreição. No entanto, o Sábado Santo reivindica uma reflexão e um lugar na nossa vida espiritual.
O Sábado Santo é um dia de penumbra: entre a sombra da Sexta-feira e a luz do Domingo. É o dia da ambigüidade, do luto e da possível boa notícia, da espera e da esperança.
É o dia dedicado à solidão de Maria, o “dia não-litúrgico”. É o dia em que Jesus “desce” à morada dos mortos, na obscuridade mais absoluta. Ali não há visão de Deus; por isso, a Escritura a chama “inferno”.
É o dia do ocultamento de Deus, do silêncio de Deus Pai, da grande solidão de Jesus, do Filho perdido na obscuridade, na “terra de ninguém”. Jesus no túmulo simboliza o silêncio, a volta ao mais íntimo de si mesmo, abraçando a solidão sem se sentir solitário.

Um Silêncio entendido como  outra forma de presença de Deus.
O silêncio de Deus deve ser respeitado, pois a Deus lhe dói a morte de seus fiéis (Sl. 116,15): o Pai não estará fazendo luto por seu Filho e por suas criaturas?
* Não será que o silêncio do Sábado Santo supõe o direito de Deus se calar?
* Quê Deus não tem direito de guardar silêncio?
* Quem somos nós para exigir de Deus que nos esteja falando continuamente?
Se não oramos a partir desse silêncio, é porque ainda não mergulhamos no mistério do Amor compassivo.
Muitas vezes negamos a Deus o que de mais humano há em nós: o poder fazer comunidade compassiva e solidária, compartilhando a dor e o luto.
O Pai está de luto; toda a natureza, em silêncio, acolhe a semente do Corpo do Verbo, na esperança de germinar Vida plena. O Sábado Santo, portanto, não é o mutismo de Deus, mas seu Silêncio, ou seja, a ação oculta de Deus estendida no tempo; morte e ressurreição são simultâneas no presente de Deus, mas no acontecer humano só podem ser sucessivas.
Deus nos fala em sua mudez. O silêncio do Senhor nos move a procurar, a escutar, a enxergar...

Além disso, através da passagem do Sábado Santo realiza-se uma transformação radical de nossa imagem de Deus: não como um Ser Onipotente insensível, que desconhece a dor, senão como Amor vulnerável e vulnerado, que assume como Seu o sofrimento da humanidade.
Para que haja uma nova revelação  de Deus, deve haver “interrupção”, “silêncio”, da antiga.
O Sábado Santo nos faz “morrer” a uma imagem de Deus para abrir-nos a outra nova dimensão e compreensão de seu Mistério. Atravessada a prova dessa “ausência”, seremos levados à Outra Margem, na qual nossa relação com Deus ficará purificada e aprofundada.

Sábado é o dia da paciência, o dia da esperança freada, o dia em que a esperança é acrisolada pelo fogo.
“O Sábado Santo é aquele intervalo único e irrepetível na história da humanidade e do universo em que Deus, em Jesus Cristo, compartilhou não só nosso morrer, mas também nosso permanecer na morte. A solidariedade mais radical” (Bento XVI).
Quem não experimenta isso, permanece no sábado da sepultura, o sábado que não teria nada de “santo”; seria o sábado do castigo e do enterro daquele que por culpa se viu privado de vida. O desconcerto diante da sexta-feira santa pode ser tal que não fica esperança, nem razão para a missão.

Nesta última forma de solidariedade se completa a humanização de Jesus. E o ator dessa humanização total foi o Espírito Santo. A morte de Jesus esteve cheia de Espírito Santo.
“Quer dizer que Deus, ao fazer-se homem, chegou ao ponto de entrar na solidão extrema e absoluta do homem, onde não chega nenhum raio de amor, onde reina o abandono total sem palavra alguma de consolo: os infernos. Jesus, permanecendo na morte, ultrapassou a porta desta solidão última para guiar-nos também a nós a ultrapassá-la com Ele.
Todos temos sentido alguma vez uma sensação espantosa de abandono. Isto é o que mais tememos da morte. Como os meninos, nos dá medo ficarmos sozinhos na escuridão. Só a presença de uma pessoa que nos ama nos dá segurança. Pois bem, isto é o que ocorreu no Sábado Santo: no reino da morte ressoou a voz de Deus. Aconteceu o inimaginável: que o Amor penetrou “nos infernos”: na obscuridade extrema da solidão humana mais absoluta. Também nós podemos escutar a voz que nos chama e a mão que nos toma e nos tira para fora. O ser humano vive porque é amado e pode amar. E se no espaço da morte penetrou o amor, então chegou ali a vida. Na hora da extrema solidão, nunca estaremos sozi-nhos” (Bento XVI, discurso de 2 de maio de 2010)
Deus se revela não só na Palavra, também em seu Silêncio, em seu ocultamento.
Quando Deus cala e faz calar, fecha-se os lábios, entra-se no mistério, na mística.
Também a vida cristã participa da obscuridade deste dia. Ela se sente chamada a morrer a si mesma cada dia: “viver é dizer constantemente adeus” (Card. Danneels); ela não quer ter medo da morte, porque, caso contrário, teria também medo da vida.
Isaac o sírio dizia que os verdadeiros sábios são aqueles que “aspiram a vida dentro da morte”. Aqui a-contece o paradoxo na vida espiritual: quanto mais se “sobe”, mais  se “desce”. Para renascer a uma espe-rança viva, teremos que passar pela experiência de “descida ao inferno”, à escuridão, à terra de ninguém.
Mas não podemos esquecer que o ocultamento de Deus é experimentado no contato  com a dor e a morte dos outros. A esperança cristã nos leva a com-padecer e com-morrer. Com eles permanecemos na morada dos mortos e “descemos aos infernos”. Mt. 25 nos apresenta os que sofrem como manifestações terrenas da proximidade de Deus. É aqui onde tem lugar o seguimento. É seguimento no espírito da com-paixão. Seguir a Jesus até o inferno, a obscuridade, pois Deus habita em uma luz inacessível (1Tim. 6,16).

O Sábado Santo é também um dia inquieto. No sábado santo da sociedade pós-moderna, somos terra de penumbra. Nela se antecipa a esperança do dia de Páscoa.
“Nossa época se converteu sempre mais em um Sábado Santo: a obscuridade deste dia interpela a todos aqueles que se perguntam pelo sentido da vida, e de maneira especial nos interpela a nós que cremos. Também a nós nos afeta esta obscuridade” (Bento XVI).
Como as mulheres, nos deslocamos para o sepulcro, levando aromas. As orações são aromas que o Espíri-to recolhe em sua taça. A esperança é aroma que faz esquecer a putrefação do cadáver.
Na noite do sábado santo nos propomos dormir pouco e levantar-nos muito cedo, porque algo vai aconte-cer. A Luz está para chegar. O Espírito ficou sem palavra, mas já sussurra. A voz do silêncio já geme; nele vislumbra-se a chegada da Vida. Algo grandioso se prepara.
Da escuridão da morte do Filho de Deus brota a Luz de uma esperança nova: a luz da Ressurreição  reflete-se no rosto de Maria. Nossa amizade e devoção a Maria da esperança, a transparência feminina do Espírito, nos mantém no ritmo da espera.
Aproximam-se os rumores de ressurreição. É Páscoa.
Não basta re-nascer; é preciso assumir nossa condição de responsáveis de uma Nova Vida.

Textos bíblicos:  Mc. 15,42-47   Jo. 19,38-42

Tarde de silêncio:  recordar os grandes silêncios da vida (perdas, fracassos, crises...) onde não há razões, não
                                    há uma lógica... mas no silêncio profundo, algo novo começa a germinar...









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