A HUMANIDADE DE
DEUS-PAI
“Quando ainda estava longe,
seu pai o avistou e sentiu compaixão” (Lc. 15,20)
Toda
a parábola acontece entre dois pólos: distanciamento
e proximidade.
No início, parece que só o filho mais novo estava longe do
pai e da sua casa: lá, numa situação de extrema miséria e morte, ele sente
saudades da casa do pai, espaço do amor e da vida que ali reinavam.
Mas,
a volta do filho “distante” ressalta, inesperadamente, a distância do filho mais
velho, o “justo”, que sempre esteve em casa e que servia ao pai de modo
irrepreensível. Na realidade, porém, também ele vivia, sem se dar conta, como
estranho e... distante.
Para
ambos os filhos torna-se necessário percorrer uma estrada exigente e árdua de “retorno”, não só para a redescoberta
do próprio pai, mas também, da própria dignidade e da verdade sobre si mesmo.
O
filho “perdido”: o filho mais novo,
decidido a uma realização pessoal e autônoma, distancia-se daquela
casa, onde tudo
parecia ser muito tranquilo e monótono.
Contudo, no momento em
que se encontra em estado de completo abandono, com a ameaça da morte diante de
si, volta, em seu coração, a lembrança de casa e a saudade da segurança, que lá
podia encontrar com abundância.
Enquanto estava
mergulhado nas trevas da morte, a luz da vida, finalmente encontra espaço nele.
Então a lembrança se torna decisão; a decisão... caminho,
retorno... aproximação. No momento de maior distanciamento e solidão, esse
filho se dá conta, em seu íntimo, da ternura e do amor do pai.
O
filho “fiel”:
podemos
deduzir que sua vida está voltada ao sacrifício, ao trabalho duro e às
privações.
Não é um homem qualquer;
viveu a virtude da obediência ao máximo grau. Cresceu sem alegrias: ele mesmo
lamenta de não ter jamais recebido um cabrito para fazer festa com os amigos.
O acontecimento da
volta do irmão o surpreende enquanto está no campo, cumprindo seus deveres;
fica desnorteado com a manifestação de amor do pai para com o filho mais novo.
O “justo” petrificado
por saber-se perfeito está impedido de experimentar a compaixão.
Dado o seu legalismo, era incapaz de considerar a
existência além da lógica do prêmio e do castigo.
O comportamento
comovente do pai não o toca nem por um instante; pelo contrário, a conduta do
pai provocou um golpe profundo na sua vida: quê sentido tem a vida, a dedicação em cumprir a lei?
O
clima de festa que encontra em casa
no seu retorno do trabalho o fere e o surpreende. Exatamente naquele instante
em que descobre o outro lado do rosto do seu pai, aquele verdadeiro, ele
entende não só ser “filho, mas
também ser convidado a ser autêntico “irmão”.
Ele, que sempre fizera todas as coisas, fora “justo”, tinha “servido” seu
pai por tantos anos, compreende que, para entrar no senhorio do amor, para entrar na festa da vida e viver na verdadeira
comunhão com o próprio pai, deveria dar um passo difícil – inaceitável para
ele: acolher como “irmão” aquele
filho de seu pai, que desperdiçara a própria herança com as prostitutas.
No
final, aquele filho, que sempre estivera ao lado de seu pai e nunca fizera nada
de errado, compreende que a única coisa justa era entregar-se ao amor. O que torna a vida verdadeira,
não são quantas e quais coisas se faz, mas o espírito profundo que
sustenta cada passo e motiva cada opção.
Só o amor, e não a dedicação forçada do
servo, pode dar sentido, sabor e valor à vida.
Aquele
pai procurava encontrar com seus filhos,
não com os servos.
O
pai “desconhecido”:
O que chama a
atenção no início da parábola é o silêncio do pai. Nenhuma obser-vação,
nenhum “mas”, nenhum obstáculo, nenhuma indicação para que o filho caçula evite
os perigos, não se perca no caminho. É o primeiro silêncio enigmático. E o
silêncio faz parte da pedagogia do pai, pois ele não é um pai que “programa” os
seus filhos e permite que cada um amadureça, se torne adulto, corra seus
próprios riscos, invente a própria vida, aprenda com os fracassos... filhos
capazes de escolher sozinhos. Para quê serve a vida se não para se decidir, a
todo instante, como viver!
A pedagogia do pai não
se baseia no poder, na obediência, nos costumes, em prêmio e castigo.
A figura do pai, que no início
da parábola ficara completamente na penumbra, de poucas palavras, inerte e até
frágil, agora aparece movida por uma atividade marcada pela compaixão. A
escandalosa humani-dade do pai
deixa-se transparecer nas cinco ações que revelam atitudes, disposições,
estados de alma:
“Estava
ainda ao longe, quando seu pai viu-o,
encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos”.
Da
sua fragilidade o pai pressente a chegada do filho. É um ancião, mas, solícito,
põe-se a correr ao encontro; encontra-se longe, mas tem um olhar profundo. É a
humanidade do pai que “vê”, não a razão. Em vez de
manifestar ressentimento, sente-se comovido, tem compaixão; carinhoso, cobre
aquele filho com uma superabundância de abraços e beijos.
Quando finalmente, teve diante de si o
culpado, não o julgou. A humanidade
do pai não condena, mas é a condição para o perdão. Pronto e decidido,
prepara uma festa digna de um rei, com uma sequência insistente de ordens aos
empregados.
O filho
“perdido” foi reencontrado, o pai “abandonado” volta a conviver. Seu
filho redescobre o verdadeiro valor da vida e o pai revela o seu verdadeiro rosto: recupera o filho que pensava
“morto” e o reveste de dignidade. No amor, portanto, se manifesta o
verdadeiro rosto paterno e tudo se torna uma extraordinária explosão de vida.
Na parábola, o pai aparece
sempre como alguém que contraria as expectativas dos ouvintes, que vai contra
as expectativas de quem está habituado à lei do “olho por olho, dente por
dente”.
O pai, ao ouvir a confissão do
filho, se abstém de condenar e exagera no perdão. Não permanece frio, como
costuma acontecer com uma pessoa que se sente ofendida. O pai adota uma atitude
de aceitação total. Dá ao filho aquilo de que ele mais precisa: roupa
(para recuperar sua condição nobre), anel (para lembrar a sua
condição de filho) e sandálias (para não sentir-se escravo, mas
livre).
O Pai faz a
festa para o filho perdido e reencontrado. Mas ama também aquele que ficou em
casa, ao seu lado, e que deixou seu coração endurecer. Ele vai ao seu encontro,
vai para pedir que participe da alegria do reencontro. Não o deixa na sua solidão
e na sua rejeição. Não acusa seu pecado. O Pai vai procurar aqueles que tem um
coração de pedra, egoístas e invejosos.
O fato miraculoso não
está só em que o pai não renegou o filho mais moço, e sim que tenha sido
compreensivo com um homem tão duro, frio e rígido como o filho mais velho, e
que continua a chamá-lo de “filho”. É essa a pedagogia do pai: ensinar a
ver as coisas não a partir do moralismo da perfeição, mas da com-paixão.
Texto
bíblico:
Lc. 15,11-32
Na oração: todos nós
deixamos transparecer as marcas de cada um dos personagens da parábola.
Considerar, diante de Deus,
quando vivemos atitudes do filho mais novo, do mais velho e do pai.
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