SAL E LUZ:
vida que se expande
“Vós sois o sal da terra”; “vós sois
a luz do mundo”
A proclamação das Bem-aventuranças desemboca nesta
constatação: quem as vive se converte automaticamente em “sal
da terra e luz do mundo”. Trata-se de duas imagens profundamente
eloquentes, que tem a ver com dois de nossos sentidos e que apontam para algo
que todos aspiramos: o sabor e a luz.
As parábolas não
precisam de explicação nem de comentário. Explicam-se por si mesmas. Exigem,
isso sim, uma resposta vital do leitor ou ouvinte.
Se nos deixamos
interpelar por elas, descobriremos uma nova dimensão da existência à qual somos
convidados. Podemos aceitar o desafio ou rejeitá-lo. A parábola nos coloca
frente uma alternativa: ou continuar como estávamos em nosso modo de viver, ou
aceitar essa nova maneira de assumir a vida que elas nos sugerem.
O texto do evangelho de hoje
constitui uma das mais claras afirmações evangélicas de que a missão dos
discípulos no mundo faz parte de sua própria identidade. Neles aparecem os
traços fundamentais que caracterizam essa missão. “Vós
sois” diz Jesus e não “vós deveis
ser”, ou “tendes que
converter em...”,ou “tendes o
sal”.
Eles são,
querendo ou não, pela força do chamado que lhes foi dirigido. Sois.
Esta palavra refere-se a toda sua existência. Quem segue Jesus Cristo,
afetado pelo seu chamado, fica plenamente convertido em sal da terra e luz do
mundo.
Devemos cair na
conta de que não nos é pedido para salgar ou iluminar, mas ser sal, ser luz. O matiz tem sua
importância. A missão fundamental de cada um está dentro dele mesmo,não fora. A
preocupação de cada um deve ser alcançar a plenitude humana. Se é sal, tudo o
que ele toca ficará temperado. Se é luz, tudo ficará iluminado ao seu redor.
Com demasiada frequência cremos ser sal e luz, mas sem dar-nos conta de que
temos perdido toda capacidade de salgar e iluminar, porque somos sal insosso e
luz extinta.
Embora o sal e a luz não tem nada
em comum, há um aspecto no qual coincidem. Nenhuma das duas é proveitosa por si
mesma. O sal sozinho não servepara a saúde, só é útil quando acompanha os
alimentos. A luz não é para ser vista; ela possibilita ter uma visão clara das
coisas.
O sal e a luz tem duas formas diferentes de realizar sua ação: o sal remete a
uma ação invisível; no entanto, próprio da luz é brilhar. De acordo com o
texto, as formas de presença significadas pela luz e pelo sal não se eliminam;
as duas são inseparáveis. Sal e luz são elementos expansivos; a importância não
está neles mesmos, mas na relação com a realidade onde se fazem presentes: o
sal realça o sabor dos alimentos; a luz revela a realidade escondida na
escuridão.
O
significado é tão simples como profundo: o sal serve para que os alimentos
tenham seu sabor; a luz serve para que se possa ver o que já existe. Ambos tem
uma só função: servir para que
outras coisas sejam válidas, para que sejam o que são. Ser sal e luz é
ressaltar e potenciar tudo o que é positivo na vida humana.
O simbolismo do sal aqui é extraordinário: ele não pode
salgar a si mesmo. Sua capacidade não lhe é útil para nada. Mas é
imprescindível para os outros. É para ser acrescentado a outro alimento, é para
ressaltar seu sabor. O humilde sal é feito para os outros, para que os outros
sejam eles mesmos. Ele garante o sabor, com a condição de que se dissolva.
O sal é um dos produtos mais simples, mas
também mais imprescindíveis para nossa alimentação. Suas propriedades são
principalmente duas: dá sabor à comida e conserva os alimentos.
O sal atua no
anonimato. Se um alimento tem a quantidade precisa, passa desapercebido,
ninguém se lembra do sal. Quando a um alimento lhe falta sal ou tem demasiado,
então nos lembramos dele. Não se pode comê-lo diretamente. Se não há comida, o
sal é simplesmente veneno. O que importa não é o sal, mas a comida temperada
com sal. Quando a comida tem excesso de sal se faz intragável. A dose tem que
estar bem calculada.
O tema da luz é muito frequente na Bíblia. Partindo de um dado experimental,
descobre-se sua importância para o desenvolvimento da vida. Não só porque a
luz é imprescindível para a vida, mas porque o ser humano não pode
desenvolver-se na escuridão. Daí que a luz tenha se convertido no símbolo da vida
mesma e de tudo o que a rodeia. Assim como a escuridão se converteu no símbolo
da morte e de tudo o que a provoca.
A
escuridão nos paralisa; tudo está aí, mas não podemos nem nos mover. A pequena
luz põe as coisas em seu devido lugar, nos faz capaz de contemplar a beleza
presente em tudo. É como o primeiro momento da Criação: “Faça-se a luz”,e a
partir daí o caos foi se transformando em cosmos.
Um pouco antes Mateus nos havia
dito que Jesus era“a luz que brilhou na Galiléia” (4,16). Agora,
afirma-se que
é luz todo aquele que encarna o
espírito das bem-aventuranças. Ou seja, somos luz, como Jesus, na medida em
que, esvaziando-nos de nosso eu, permitimos simplesmente que a luz “passe”
através de nós sem encontrar obstáculo.
“Deus é luz e nele não há treva alguma” (1Jo 1,5). Deus
revela, potencia, ilumina, dá sabor. A pessoa que vive descentrada de si mesma
torna-se um canal por onde passa a mesma luz divina. Não a impede, não a retém
e nem se apropria dela, mas permite que a Luz divina ilumine tudo.
Ser luz,
significa explorar nossas possibilidades humanas e espirituais e pôr toda essa
riqueza a serviço dos demais. Devemos ter cuidado de iluminar, sem deslumbrar.
Ninguém
é “a” luz,senão que tem um pouco de
luz. E todos compartilhamos mutuamente a luz que vem de Deus. Nossa pequena luz
reforça e ativa a luz presente no outro.
Não podemos esquecer outro
aspecto importante nas duas imagens usadas por Jesus. O sal, para salgar, tem que desfazer-se, dissolver-se, deixar de ser
o que era. A lamparina ou a vela produzem luz,
mas o azeite ou a cera se consomem.
No
último parágrafo da passagem evangélica de hoje há um ensinamento esclarecedor.
Como devemos ser sal e luz? “Para que
vejam vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai”. A única maneira
eficaz para transmitir a mensagem é a ação, são as obras. Uma atitude
verdadeiramente evangélica se transformará inevitavelmente em obras.
Texto
bíblico:Mt 5,13-16
mais profunda evidenciam a grande Luz que nos pre-cede, acompanha e segue
no percurso da vida”.
Deixemo-nos iluminar, levemos a Luz nas nossas pobres e frágeis mãos,
iluminando os recantos do nosso cotidiano.
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