“CREIO NA RESSURREIÇÃO DA COMUNIDADE”
“Oito dias
depois, achavam-se os discípulos, de novo, dentro de casa, e Tomé com eles” (Jo. 20,26)
Após
a execução de Jesus, os discípulos se refugiam em uma casa; anoitece em
Jerusalém e também em seus corações. Ninguém os pode consolar de sua tristeza e
desolação. Pouco a pouco, o medo vai se apoderando de todos; a única coisa que
lhes dá certa segurança é “fechar as portas”. Estão reunidos, escondidos,
polarizados na frustração, concentrados no doloroso, desconfiados de tudo e de
todos.
Na
comunidade reina um vazio que ninguém pode preencher; também eles estão
mergulhados na morte, literalmente vivendo numa “casa sepultura”: sem futuro,
sem sonhos...
Mas
é nesse ambiente carregado e pesado que Jesus, “ressuscitado de tanto viver”,
marca sua presença, despertando a vida e ressuscitando as esperanças de seus
amigos mais íntimos. E a primeira coisa que Ele faz é comunicar a sua paz à sua
comunidade. Nenhuma acusação por tê-lo abandonado, nenhuma queixa nem
reprovação. Presença calorosa, carregada de bênção e ternura. Sua presença
devolve a alegria, a capacidade de amar, a espontaneidade, a vitalidade, o
entusiasmo, a experiência incontida da luz que não se pode esconder.
Por
isso, a chave de todas as “aparições”, relatadas nos Evangelhos, é a que
Jesus faz à comunidade reunida. A experiência pascal dos seguidores de Jesus
demonstrou que é na comunidade onde se pode descobrir a presença do
verdadeiro Jesus. A comunidade é a garantia da fidelidade a Jesus e ao
Espírito. Mas, sobretudo, é a comunidade aquela que recebe a missão de anunciar
a Ressurreição.
O
evangelista João é aquele que mais desenvolve o relato da aparição aos apóstolos.
Com isso persona-liza em Tomé o tema da dúvida, que é capital em todos os
relatos das aparições. Separado da comunidade, Tomé não tem a experiência de
Jesus vivo. Ao integrar-se na comunidade agora ele pode experimentar o que os
outros lhe contaram e ele não acreditou. Mais uma vez se destaca a importância
da experiência partilhada em comunidade.
A
mensagem dos relatos das Aparições é muito clara: sem uma experiência pessoal,
vivida no seio da comunidade de fé, é impossível ter acesso à nova Vida que
Jesus anunciou antes de morrer e, após a Ressurreição, comunica-a a todo aquele
que se abre à sua mensagem.
O
evangelista João descreve de maneira insuperável a transformação que se deu nos
discípulos quando Jesus, cheio de vida, se faz presente em meio a eles. O
Ressuscitado está de novo no centro de sua comunidade de seguidores; eles
sentem Seu alento criador. Tudo começa de novo. Tal presença os liberta do medo
e da dúvida, os faz escancarar as portas e dar inicio o processo de
evangelização.
O
Ressuscitado se aproxima como Presença viva que dá Vida: deixa-se ver,
fala, interpela, corrige, ani-ma, comunica paz e alegria. Em uma palavra,
presenteia seu Espírito.
Outra
vez Jesus re-cria a comunidade que depois da Paixão estava se desintegrando; e
seus discípulos experimentam novamente o chamado e o envio, a serem testemunhas
e cúmplices do Espírito, porque vivem a certeza existencial de que o
Crucificado é o Ressuscitado, que a morte foi vencida, que Deus é o Senhor da
Vida. Impulsionados pela força do Espírito, seguirão colaborando, ao longo dos
séculos, no mesmo projeto salvador que o Pai confiou a Jesus.
A Ressurreição significa, pois, o amanhecer de uma
nova humanidade.
No
meio da noite, apesar da tormenta, seremos estrelas que iluminam, âncoras
centradas em Jesus e em seu Reino, barcas com velas soltas ao vento do Ruah,
vínculos que unem, pontes que se fazem lugar de encontro, testemunhas visíveis
do Deus Invisível, presenças de perdão e paz...
Portanto,
o que ocorreu com Jesus deve ser sempre luz e inspiração para a “nova
comunidade”, a Igreja.
Uma
Igreja desafiada a escancarar portas e janelas para anunciar a grande novidade:
há “sinais” de Ressur-reição perpassando todas as experiências humanas.
“A
igreja é chamada a sair de si mesma e ir para as periferias, não só
geográficas, mas também as periferias existenciais: as do mistério do pecado,
as da dor, as da injustiça, as da ignorância
religiosa, as do pensamento, as de toda miséria.
Quando
a Igreja não sai de si mesma para evangelizar torna-se autorreferencial e então
adoece.
A
igreja autorreferencial segura a Jesus Cristo dentro de si mesma e não o deixa
sair.
Há
duas igrejas: a igreja evangelizadora que sai de si; ou a igreja mundana que
vive em si, de si, para si” (papa Francisco).
Ressurreição, plenitude do mistério da
comunhão através dos gestos, da proximidade, do abraço...
“Estende a tua
mão e coloca-a no meu lado” (Jo. 2027).
A
cada abraço sentido, uma ressurreição também vivida!
Deixemo-nos
alcançar pela Ressurreição de Cristo permitindo que o nosso corpo seja um corpo
de res-suscitado. Então:
- nossos olhos não só ficarão
fascinados por perceber Sua presença, senão que, como os Seus olhos, olha-rão a
dor do povo, se converterão em lugar de encontro. Serão olhos que ao olhar
reconhecem e devol-vem dignidade, perdoam, animam, levantam, amam;
- nossos ouvidos escutarão a
brisa suave que descobre a presença do Mistério na cotidianidade da vida;
saberão distinguir, apesar dos ruídos, os gritos de dor e os cantos de alegria
do povo; saberão escutar respeitosos e atentos;
- nossa boca saberá falar e
calar como linguagem de amor; denunciará com valentia; cantará a boa notícia;
compartilhará com satisfação o que dá sentido à própria vida, e se fechará à
maledicência;
- nossas mãos serão capazes de
colaborar no nascimento da vida nova que ilumina por todos os rincões do mundo.
Serão mãos que compartilham, acariciam, curam, ajudam a demolir os muros da exclusão;
- nossos pés se converterão em
samaritanos e peregrinos, companheiros de viagem que não trilham os caminhos da
violência, mas abrem caminhos de paz. Serão pés dançantes, festivos, que sabem
desfrutar da vida simples, do prazer compartilhado;
- nosso coração será cada dia
mais amoroso, grande, sem mesquinhez, sem ressentimentos, casa aberta,
misericordioso, compassivo, será um coração de carne, não de pedra;
- nossas entranhas saberão estremecer-se
de dor e de prazer, não permanecerão indiferentes, serão entranhas sempre
fecundas, geradoras de vida nova para as gerações futuras;
- nossa pele será lugar de
contatos curadores, lugar para o encontro, nunca para a “alergia” dos outros.
A Ressurreição
acontece quando alimentamos a pequena chama que ainda fumega nos corações
desani-mados, mas esperançosos; quando acreditamos no ser humano e em suas
possibilidades de mudança; quando transformamos escuridão em luz, choro em
dança, sofrimento em crescimento.
Vivemos a Ressurreição
quando ajudamos os outros a encontrar razões para viver e lutar e alimentamos
os sonhos com dias melhores, com pão na mesa de todos e com dignidade
garantida.
A Ressurreição acontece nos
pequenos e simples gestos de partilha, de perdão sincero e de confiança alegre.
Ela está presente nos corações que mantêm viva a novidade da vida. E se dá na
capacidade de ver o mundo e as pessoas com olhar de misericórdia que reconstrói
a existência fragmentada.
Texto bíblico: Jo. 20,19-31
Na oração:
*
Preste atenção aos sinais de vida ao seu
redor: gestos simples, iniciati-
vas de pessoas e
comunidades, posturas éticas e coerentes na política e na Igreja, solidariedade,
perdão, acolhimento, voluntariado, cuidado de pessoas e do meio ambiente,
etc...
*
Faça, diariamente, uma “leitura orante” dos
acontecimentos da vida. Quê mensa-
gem de Ressurreição você encontra neles? Quê
apelos você reconhece nessas ex-
periências?
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