NATAL: conectar nossa vida com o
Mistério da Gruta de Belém
“Encontrareis um recém-nascido
envolvido em faixas e deitado numa manjedoura” (Lc 2,12)
Se a história da Encarnação
começa na Gruta, quer dizer que a fé
em Deus implica prestar atenção na manifestação do amor materno e na frágil
beleza do recém-nascido. É por esse caminho que podemos chegar à descoberta e à
experiência de Deus; é também por este caminho que podemos chegar ao
conhecimento de nós mesmos. No momento em que o Verbo de Deus assume um rosto,
todo ser humano chega à plenitude de sua realização: entra em comunhão com o
Infinito e recebe uma dignidade infinita.
As grutas sempre
despertaram fascínio nos seres humanos; possuem uma força atrativa e guardam
segredos em seu interior. Ao mesmo tempo simbolizam o desejo permanente de
retornar ao ventre materno, lugar de segurança, de aquecimento...
A contemplação do Nascimento
de Jesus nos impulsiona a fazer a travessia para o interior de uma Gruta: ali o
Grande Mistério se faz visível e revelador do sentido da existência humana.
“Conectar-se” com a Gruta
de Belém é despertar o que há mais “divino” em nós.
Trata-se de
“entrar” nela com suavidade, de percebê-la e fazê-la descer até o coração, de
convertê-la em matéria de consideração e oração silenciosa e surpreendida.
A contemplação
do Menino na Gruta revela que Deus assumiu a aventura humana desde seus começos
até seu limite (vida, amor e morte). Deus se fez “tecido humano”, revestiu o
ser humano de sua própria glória, plenificou-o de sentido e de finalidade. No
nascimento de Jesus é revelada a grandeza, a dignidade, o mistério inesgotável
do ser humano. Nossa humanidade foi divinizada pela “descida” de Deus.“Sendo rico,
Cristo se fez pobre para que nós participássemos de sua riqueza” (2Cor. 8,9).
Ao aproximar-nos da Gruta de Belém, com todos os nossos
sentidos abertos, começamos a intuir que tudo foi alcançado pelo amor encarnado
de Deus. Belém é Deus que entra em nossa própria casa.
Acolhido pela natureza, presente
na Gruta, Deus se deixou impactar por tudo aquilo que o rodeava. Tudo isso é
Deus na nossa carne quente e mortal. Um Deus que “adentrou” na humanidade e de
onde nunca mais saiu; um Deus que agora pode ser buscado em nossa interioridade
e em tudo o que é humano. Na pobreza, na humildade da própria história pessoal,
inserida na grande história da humanidade, torna-se possível acolher o dom do
amor de Deus visível na Criança de Belém.
“Não basta ajoelhar-se uma vez ao ano frente ao presépio para que a vida
humana seja inundada da vida divina; antes, é necessário que toda a vida esteja
em contato com Deus” (Edith
Stein)
Celebrar, louvar e reverenciar o
nascimento de Jesus, tem a ver também com poder honrar nossas raízes, despertar
nossa criança escondida em nosso interior.Jesus foi desalojado
de nossos natais. Daí a urgência em nos aproximar da realidade de Belém.
Deus aparece
como Menino mostrando-nos que a verdadeira dimensão do ser humano é “fazer-se
criança”. É preciso retornar à infância para entrar na gruta de Belém; é preciso
desbloquear em nós as fontes da inocência e da bondade. Dentro
de todos nós há um menino adormecido. O ser humano precisa despertar esse menino,
porque é o melhor que existe em cada um.
Sabemos
que somos habitados pelo Mistério e, portanto, compartilhamos o mais essencial
de nossas vidas, que se manifesta em forma de bondade, amor, compaixão...
Ao entrar na gruta
para contemplar o Menino-Deus, acessamos, ao mesmo tempo, o mais profundo do
coração humano, carregado de compaixão e generosidade. A bondade humana é uma
faísca que pode se atrofiar, mas jamais se apagar. São necessários alguns
momentos densos para que esta chama seja ativada. A vivência do Natal é um
deles.
Em Belém somos
pacificados de nossas ansiedades e pressas de fazer mais e de conseguir mais,
de nossa sede de poder e de acumular mais; e se permanecemos em silêncio ali,
diante do menino deitado no presépio, brotará em nós um desejo profundo de
sermos mais humanos; ao mesmo tempo, brotará um desejo de venerar cada
ser humano, de contemplá-lo em seu interior, esse lugar ainda não profanado em
cada pessoa, o lugar de sua infância e de sua paz.
Hoje, percebemos que o ser humano
tem perdido o contato e a comunhão com a própria interioridade,
recusando receber a seiva que a todos alimenta; ele está conectado com
tudo e com todos e, no entanto, tal conexão não lhe nutre, nem lhe oferece
sentido à sua existência. A compulsão dos meios eletrônicos que o ameaça de superficialidade,
de individualismo e de isolamento..., tem provocado nele toda espécie de
mal-estar, de doenças, de conflito e divisão, de insegurança, de ansiedade, de
solidão, de aridez existencial...
É aguda a consciência de uma
fragmentação do eu interior.
A verdadeira
nobreza do ser humano consiste nisto: há nele “algo” de interior, decorrente
desua profunda conexão com a Vida,de onde recebe a seiva
que o nutre e o faz entrar em relação com tudo e com todos; há nele uma força
latente, como uma energia fundamental, que o impulsiona a viver, que o ajuda a
crescer e a melhorar continuamente, aumenta a sua capacidade de resistência,
estimula-o a alcançar aquilo que é o sentido de sua própria existência: a
verdade, a liberdade, o bem, o amor...
Com a presença
desta força interior, a pessoa se sente guiada pelo seu
dinamismo, que lhe proporciona saúde física, lucidez mental e limpidez afetiva.
É esta força que comanda os melhores momentos da vida humana como um princípio
ativo, dinâmico, criativo... Taisforças primordiais, vitais,
presentes nas diferentes etapas do crescimento, são essenciais ao ser humano,
graças às quais ele se orienta diante das soli-citações da vida pessoal e das
múltiplas escolhas, constrói a sua vida pessoal, reforça as relações
comu-nitárias e sustenta o seu compromisso solidário no caminho em direção à
plenitude do seu ser.
Quando o acesso
à gruta interiorpermanece bloqueado, o ser humano perde a direção, seca a
criatividade e o gosto por viver, não faz progredir a sua potencialidade e
demite-se da própria vida.
Natal não só nos conecta
com o que há de mais divino em nós, mas nos conecta também com o divino presente em toda pessoa humana,
pois o Filho de Deus, com sua encarnação e nascimento, se uniu a todo ser
humano. Natal faz referência à nossa comum humanidade, ou seja, nos revela que
nossas vidas estão estreitamente interconectadas, e por causa desta conexão,
somos responsáveis uns pelos outros. Nós nos humanizamos através dos outros.
Precisamente porque cada um é parte inseparável do tecido da humanidade, o que
um faz ou deixa de fazer tem consequências nas vidas dos outros.
Texto bíblico:Lc. 2,1-14
Na oração:Na presença
do Menino Jesus tudo é ilu-
minado, tudo é aceito, tudo encontra
seu lugar, nada é recusado.
Tudo fica transformado pela
irradiação da luz que emerge a partir de dentro; e há muito mais lugar
do que poderíamos chegar a imaginar, muita dignidade e muita beleza. Diante de
tal luz nos fazemos “lugar puro”; e a vida inteira passa a ser presépio,
gruta, espaço sem limites onde acolher os outros.
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