“Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho
único...”
(Jo 3,16)
Ao
longo do percurso litúrgico, a Igreja quis, em sua sabedoria, reservar um dia
especial para que dedi-cássemos a glorificar a Trindade Santa. E que, nesse dia nos voltássemos a ela, não a
partir de nossas misérias, necessidades e petições, mas que dirigíssemos para
esse Mistério o olhar de nossa admiração, gratuita e livremente, a fim de
contemplar os segredos de sua beleza, bondade, amor..., assim como o fazemos,
por exemplo, ao contemplar a vastidão dos céus ou o jogo de cores e luzes de um
pôr-do-sol.
A revelação da Trindade nunca
poderá ser apreendida ou controlada por nós, pelo nosso rigor verbal nas
formulações dogmáticas sobre Deus e seu ser. A Trindade não é uma simples
doutrina a ser acolhida, ou uma verdade a ser pensada, mas uma Presença a ser
vivida, com espanto e admiração. É encantador contemplá-la, dobrando-nos em
reverência, deixando-nos impactar por tão grande e tão profundo mistério, tão
belo e inefável dom que a teologia tentou expressar em palavras, mas sentiu-se
impotente.
Trata-se de uma experiência
contemplativa silenciosa, que ativa em nós uma sensibilidade intensa, capaz de
nos despertar para entrar em sintonia com fluxo trinitário que atravessa toda a
realidade, nos envolve e faz de nosso coração sua morada.
Se conseguirmos viver isso, com
delicadeza, humildade e esvaziamento de nós mesmos, poderemos, então, perceber,
que a Trindade de Deus não é uma experiência reservada apenas a uns poucos e
privilegiados místicos, nem tampouco um complexo dogma teológico que só os
especialistas, através de suas especulações racionais, conseguem se aproximar.
Afirma-se
que o dogma da Trindade é o mais importante de nossa fé católica, pois
estamos diante do maior Mistério que os olhos não viram, os ouvidos não
escutaram, nem a mente conseguiu compreender... Nada do que podemos definir,
pensar ou dizer sobre a Trindade é adequado a seu Ser mais íntimo.
O mais urgente neste momento para o
cristianismo, não é explicar melhor o dogma da Trindade, e menos ainda, uma
nova doutrina sobre Deus Trino. Seria, em definitiva, a busca de um encontro
vivo com Deus, a perfeita comunidade. Não se trata de demonstrar a
existência da luz, mas de abrir os olhos para ver.
Tudo o que “sabemos” da Trindade pode ser um
estorvo para viver sua presença vivificadora em nós. Ca-
lar sobre Deus, é sempre mais exato que falar.
Dizem os orientais: “Se
tua palavra não é melhor que o silêncio, cala-te”. O decisivo é viver o Mistério da Trindade
a partir da adoração e da partilha fraterna.
Grandes teólogos fizeram profundos estudos
sobre a Trindade, tratando de pensar conceitualmente o mis-tério de Deus. No
entanto, eles mesmos dizem que, para “saber” de Deus, o importante não é
“refletir” muito, mas “saber” algo do Amor.
O dogma da Trindade, portanto, nos liberta do “Deus
poder” e nos lança nos braços do Deus Amor.
O
mistério de Deus Uno e Trino é fruto da experiência de revelação
progressiva na história da Salvação, culminando na revelação que Jesus nos fez.
“Deus
é UM, mas não está jamais só”. Deus não é um ser isolado, distante da Criação,
solitário. É um Deus comunitário,
família, sociedade, fraternidade, etc... Por isso, o auge de toda a revelação
bíblica é esta: “Deus é Amor”, ou seja, Deus não é uma realidade fria e
impessoal, um ser triste, solitário e narcisista. Não podemos imaginá-lo como
poder impenetrável, fechado em si mesmo. Em seu ser mais íntimo, Deus é amor,
vida compartilhada, amizade prazerosa, diálogo, entrega mútua, abraço, comunhão
de pessoas. O amor trinitário de Deus é amor que se expande e se faz presente
em todas as criaturas. E o Amor nunca é solidão, isolamento, mas
comunhão, proximidade, diálogo, aliança...
O Deus revelado por Jesus é Amor
e aproximar-nos do Deus Amor é descobrir a Trindade.
Em Deus o Amor não é uma
qualidade como em nós, mas sua essência. Se Deus deixasse de amar um só
instante, deixaria de ser Deus. O movimento que parte do Pai, passa pelo Filho
e se consuma no Espírito é um movimento de Amor sem fim. Amor expansivo que
envolve o mundo todo, segundo o relato do evangelho deste domingo.
Nesse sentido, “saborear o mistério da Trindade”
nos sensibiliza e nos capacita para nos aproximar do nosso mundo, com uma visão
mais contemplativa. O “subir” até Deus passa pelo “descer”
até às profundezas da humanidade.
Como “contemplativos na ação”, movidos por um olhar novo, entramos em comunhão com a
realidade tal como ela é. É olhar o
mundo como “sacramento de Deus”; um olhar
capaz de descobrir os sinais de esperança que estão surgindo; um olhar afetivo, marcado pela ternura,
pela compaixão e gerador de misericórdia; um olhar gratuito e
desinteressado, “janela da alma”, que nos expande numa atitude acolhedora de
tudo que nos rodeia; um olhar que
rompe distancias e alimenta encontros instigantes.
Precisamos
retornar às palavras de Jesus, que ora ao Pai por seus discípulos:
“Não te peço que os
tires do mundo, mas que os defendas do maligno” (Jo. 17,15).
Ser cristão
é ser presença diferenciada e inspiradora no mundo. O mundo da globalização
é a realidade que agora nos cabe transformar. O Evangelho não nos ensina doutrinas,
mas um modo original de estar no mundo, à maneira de Jesus. Nossa vida deve ser um espelho que, em todo momento, deixa
transparecer o mistério da Trindade.
Somos desafiados a “viver uma vida no mundo e no coração da
humanidade” (P.
Kolvenbach).
Se o ser
humano é o caminho para Deus, o ponto de encontro
do ser humano com Deus está no mundo. Este
princípio cristão significa que o encontro
do ser humano com Deus se dá no campo da cultura, das relações, do diálogo
inter-religioso... enfim, uma espiritualidade
enraizada na realidade do mundo. Um mundo configurado pela ciência e pela
tecnologia: este é o cenário em que o cristão está chamado a encontrar-se com
Deus, re-criando um novo tipo de humanismo de acordo com o nosso
tempo.
Num mundo
em que a competência se degenera em competitividade sem limites, em que o
individualismo
e a falta
de solidariedade criam novas fronteiras e exclusões, em que a cultura da
indiferença, do preconceito e da suspeita é fonte das mais variadas formas de
violência..., é preciso recuperar o discurso e a prática do “ser-para-os-outros”,
o saber e a autoridade como serviço, solidariedade, compaixão, partilha, perdão, gratuidade,
compromisso,
dom
de si mesmo, amor...
O
surpreendente é que nós fomos criados à imagem do Deus Trindade; todos
carregamos em nosso interior a “faísca amorosa” da Trindade Santa. É fácil
perceber isso: sempre que sentimos necessidade de amar e ser amados, sempre que
sabemos acolher e buscamos ser acolhidos, quando desfrutamos compartilhando uma
amizade que nos faz crescer, quando sabemos doar e receber vida, estamos saboreando
o “amor trinitário” de Deus. Esse amor que brota em nós provém d’Ele.
Nesse sentido, o melhor caminho para nos aproximar do misté-rio
do Deus Trindade não são os tratados teológicos que falam dele, mas as experiências
amorosas que compartilhamos na vida. Só encontramos o Deus Trino com o coração. “Só cora-ções solidários adoram um Deus
Trinitário”.
Texto
bíblico: Jo 3,16-18
Na oração: Quando
nos abrimos à comunhão com a Trindade,
Ela
entra em comunhão conosco na forma sutil de um perfume. Não força, não invade,
mas cria um ambiente agradável, perfumado, que nos eleva e nos suscita alegria
interior. Tal como o perfume, a Trindade derrama sua Graça sobre toda a Criação
e a humanidade inteira. Quê há de mais suave, reconfortante e realizador do que
sentir a Trindade a partir do coração?
- A
oração é o momento privilegiado para abrir-se ao dinamismo do amor trinitário;
deixe-se empapar por esta presença perfumada.
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