“Todas as vezes que fizestes isso a um
dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes”- Mt 25,40
A festa de Cristo
Rei culmina o ano litúrgico, e é hora de nos sentar para “julgar” (melhor,
para “discernir”), o sentido e a marcha da nossa vida, a partir da consciência
de humanidade que carregamos dentro de nós.
O evangelho deste domingo, de discernimento e
salvação, é a parábola do “juízo final”,
onde Jesus se revela plenamente identificado com todo ser humano, sobretudo com
aqueles que são vítimas de estruturas de morte, violência e exclusão.
A parábola do “juízo universal” não
pretende nos oferecer uma visão antecipada de um imaginado “final do mundo”,
como alguns fundamentalistas nos querem fazer crer. Trata-se de uma parábola e,
portanto, não cabe aqui uma leitura literalista; ela nos fala do nosso “modo de
proceder”, aqui e agora, inspirado no modo de ser e de agir de Jesus. Em outros
termos, os textos sobre o juízo final não pretendem transladar o leitor ao
espetáculo do futuro. Foram escritos para despertar nossa responsabilidade no
presente, para promover o melhor que há em nós e afastar tudo o que nos
desumaniza.
Na parábola, fala-se de seis
situações de necessidades básicas. Não são casos irreais. São situações que
acontecem em todos os povos e em todos os tempos. Em toda parte, há famintos e
sedentos, há imigrantes e desnudos, enfermos e encarcerados.
Em cada pessoa que sofre, Jesus vem
ao nosso encontro, nos olha, nos interroga e nos inspira a prolongar a Sua
atuação em favor dos excluídos. Nada nos aproxima mais d’Ele que aprender a
olhar detidamente com compaixão o rosto dos que sofrem e ativar nossa
sensibilidade solidária, que se visibiliza em ações concretas. Em nenhum outro lugar
poderemos reconhecer com mais verdade o rosto de Jesus.
Portanto, o relato deste domingo fala muito mais
do presente que do futuro; ele ajuda
a nos examinar, ou seja, a situar-nos no horizonte da identificação com Jesus e
sua relação com os mais pobres e excluídos. Trata-se de um exercício de discernimento,
para verificar qual “espírito” está nos movendo e para onde nos impulsiona:
“espírito” de compaixão, solidariedade, compromisso...? ou “espírito” de
auto-centramen-to, de preconceito, de indiferença...? O exame aqui não é para
alimentar um auto-controle obsessivo, ou auto-vigilância medrosa, nem
auto-policiamento que atrofia. É preciso nos situar diante d’Aquele que é nossa
referência última (Jesus Cristo) para ativar em nós uma sensibilidade que
quebra toda distância e nos impul-siona a deslocar junto àqueles que são os
“des-locados” do mundo, vítimas de estruturas sociais de morte.
Toda a cena do juízo final se
concentra em um diálogo longo entre o juiz, o “Filho do Homem”, e dois grupos
de pessoas: aqueles que aliviaram o sofrimento dos mais necessitados e aquele
que, insensíveis, negaram-lhes ajuda.
Ao longo dos séculos, os cristãos
viram neste diálogo fascinante “a melhor recapitulação do Evangelho”, “o elogio
absoluto do amor solidário” ou “a advertência mais grave contra aqueles que
vivem refugiados falsamente na religião”. O decisivo diante de Deus não são as
“práticas religiosas” que alienam, mas os gestos humanos de ajuda aos
necessitados. Tais ações podem brotar do coração de uma pessoa que crê em Deus
ou do coração de um ateu que atua em favor daqueles que sofrem.
Aqueles que ajudaram os
necessitados que foram encontrando em seu caminho não o fizeram por motivos
religiosos. Não pensaram em Deus nem em Jesus Cristo. Simplesmente buscaram
aliviar um pouco o sofri-mento que há no mundo. Agora, convidados por Jesus,
entram no Reino de Deus como “benditos do Pai”.
O critério decisivo, segundo Jesus, não passa
pela religião, como talvez o leitor do evangelho esperaria encontrar, ou como o
fizeram crer, muitas vezes, quando se dizia que a “pessoa religiosa se salvará”.
Deste modo, a religião se convertia em salvo-conduto para a “vida eterna” e a
pessoa “religiosa” costumava adotar uma postura auto-satisfeita e não isenta de
um certo sentimento de superioridade.
No entanto, a mensagem de Jesus é completamente
clara neste ponto: o critério de salvação não é religioso, mas ético; não tem a
ver com crenças mentais, mas com entranhas compassivas. A religião
verdadeira é aquela que é mediação para ajudar a viver hoje o que Jesus viveu
no seu tempo. Afinal, somos seguidores(as) de uma Pessoa e não de uma religião,
doutrina, rito...
Só quem tem um coração compassivo é
capaz de viver a ajuda e o serviço a partir da gratuidade. Não faz isso para conseguir
algo em troca, nem sequer apresenta uma motivação religiosa: “Senhor,
quando foi que te vimos...?” De igual modo, aqueles que, a
partir de uma opção religiosa esvaziada de compromisso, procuram querer agradar
o Senhor, são repreendidos com dureza por não tê-Lo reconhecido na pessoa dos
mais necessitados.
Para Jesus, uma humanidade constituída
por nações, instituições ou pessoas comprometidas em alimentar
aos famintos, vestir aos desnudos,
acolher aos imigrantes, atender aos enfermos e visitar aos presos, é o
melhor reflexo do coração de Deus e
a melhor concretização de seu Reino.
Cada grupo se dirige para o lugar
que eles mesmos escolheram. Uns reagiram com compaixão diante dos necessitados;
outros viveram indiferentes diante de seus sofrimentos. O que vai decidir sua
sorte não é sua religião nem sua piedade. Simplesmente, uns viveram movidos
pela compaixão, outros não.
A parábola deste domingo, portanto, em um
primeiro nível de leitura, contém uma mensagem revolucionária e subversiva para
o mundo religioso: ela vem nos dizer que existe um caminho para nos encontrar
com Deus que não passa pelo Templo. O verdadeiro “templo” é o outro, sobretudo os carentes e marginalizados. Esta é,
sem dúvida, uma das maiores novidades de Jesus.
O “castigo” ou a “vida eterna”
(plena) não é obra de um “deus exterior”, mas o resultado de uma deter-minada
maneira de viver, fechada na ignorância de quem somos ou, pelo contrário,
lúcida e desperta.
O “inferno” não é um lugar ao qual
Deus nos condena, mas uma situação onde nós mesmos nos “fechamos”. É o que na
Bíblia se chama “o endurecimento do coração”, que se opõe à bondade e se
petrifica na maldade. Não é Deus que nos envia ao inferno, mas o endurecimento
do coração que nos fecha e nos isola.
Precisamente por isto, para ler corretamente o
texto do juízo final, é preciso começar por destruir a imagem de um Deus
vingador que castiga com as penas do inferno. É fundamental salientar que, em
Jesus Cristo, Deus se revela com um amor extremo, incondicional e sem medida.
Muitos textos dos evangelhos contradizem
a representação de um Deus que sanciona com pensas eternas.
A justiça vingativa ou vindicativa,
que se poderia qualificar também como punitiva ou repressiva, responde o mal
com o mal; sanciona o mal com um mal equivalente; tal justiça acrescenta o mal
ao mal.
Mas, esta justiça não é a de Deus;
esta justiça aparece transformada pela justiça restauradora, pela graça de um
amor incondicional, sempre oferecido, que abre um futuro sempre novo.
Esta é a lógica da justiça divina
restauradora e re-criadora. Visto assim, o último juízo é, verdadeiramente, uma
Boa Notícia para todos “os benditos do Pai” e “os herdeiros do Reino”.
Texto bíblico: Mt
25, 31-46
Na
oração: A
experiência cristã entende a com-
paixão como hábito do coração; por isso,
ela deixa de ser “ocasional” e passa a
ser um “estilo de vida”, fundado no modo de viver de Jesus
Cristo; significa deixar-se afetar pelo “mundo
do sofrimento e da
injustiça e não ficar indiferente”.
-
Seu modo de viver o Seguimento de Jesus tem a marca da compaixão ou se restringe
a “praticas religiosas tóxicas”, auto-centradas na mera obser-vância de leis,
ritos, doutrinas...?
-
Rezar as “obras de misericórdia”, presentes no evangelho deste domingo.
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