quinta-feira, 23 de maio de 2013

Amigos e amigas, próximo domingo é a festa da SS. Trindade. Segue uma sugestão para rezar e preparar-se para esta festa. Um abraço a todos Pe. Adroaldo sj



GLÓRIA À TRINDADE SANTA, GLÓRIA AO DEUS BENDITO

“Tudo o que o Pai possui é meu; por isso vos disse: Espírito receberá do que é meu e vos anunciará”

Nem sempre é fácil, como cristãos, relacionar-nos de maneira concreta e viva com o mistério de Deus confessado como Trindade. A festa da Trindade nos recorda que não se trata de entender, ou simples-mente de pensar e estudar o Mistério das Três Pessoas divinas. O decisivo é viver o Mistério a partir da adoração e da partilha fraterna.
A Trindade é Mistério para nós na medida em que nunca conseguiremos compreendê-lo e apreendê-lo pela razão. É o desconhecido que nos fascina e nos atrai para conhecê-lo mais e mais, e, ao mesmo tempo, desperta o assombro e a reverência. A Trindade é o mistério que liga e religa tudo, que deixa transbordar seu Amor criativo no coração de toda a humanidade e no universo inteiro.
O Mistério da Trindade sempre está aí (vivemos submergidos n’Ele), permanentemente nos esbarramos n’Ele (dentro de nós e na realidade) e buscamos conhecê-lo; mas ao tentar conhecê-lo percebemos que nossa sede e fome de conhecer  nunca se sacia. Por isso, diante da presença do Mistério Trinitário, afogam-se as palavras, desfalecem as imagens e morrem as referências. Só nos restam o silêncio, a adoração e a contemplação. “O ser humano que não tem os olhos abertos ao Mistério passará pela vida ser nunca ver nada” (Einsten)

A festa da Trindade nos mobiliza para uma nova maneira de viver e de se relacionar com o Deus de Je-sus,  cuja presença preenche o cosmos, irrompe na vida, habita decididamente no interior de cada pessoa e é vivido em comunidade. É preciso deixar claro que o Mistério da Trindade não é um enigma a ser decifrado, ou seja, como conjugar três “individualidades” em uma Unidade, mas é a proclamação de que Tudo é Relação. A Trindade não é uma especulação teórica sobre três pessoas “abstratas” em Deus, mas a maneira de ser de Deus, como Amor que se expande, em si e fora de si, de uma maneira “reden-tora”, inserindo-se na história da humanidade.
De Deus não sabemos nem podemos saber absolutamente nada. Temos que retornar à simplicidade da linguagem evangélica e utilizar a parábola, a alegoria, a comparação, o exemplo simples, como fazia Jesus. A realidade de Deus não pode ser compreendida, não porque seja complicada, senão porque é absolutamente simples; a nossa maneira de conhecer é que analiza e divide a realidade. Deus não é dividido em partes para que cada um delas possa ser analizada por separado.
A Trindade chega até nós, não cada uma das “pessoas” por separado.
Ninguém poderá encontrar-se só com o Filho, ou só com o Pai, ou só com o Espírito Santo. Nossa relação será sempre com o Deus UNO (“Deus é Um mas não está só”).
É necessário tomar consciência de que quando falamos de qualquer uma das Três Pessoas relacionando-se conosco, estamos falando de Deus. Nem o Pai só cria, nem o Filho só salva, nem o Espírito Santo só santifica. Tudo é sempre obra do Deus Uno e Trino.
Tudo em nós é obra do único Deus. Dizer que é preciso ter devoção a cada uma das pessoas, é uma “piedosa” interpretação do dogma. Quê sentido pode ter, dirigir as orações ao Pai crendo que é diferente do Filho e do Espírito?

O Deus de Jesus não é uma verdade para pensar mas uma Presença a ser vivida. Não é um idéia para quebrar nossa cabeça, mas a base e fundamento de nosso ser. O povo judeu não era um povo filósofo mas vitalista. A Trindade quer expresar o mistério da VIDA mesma de Deus que nos é comunicada.
Uma profunda vivência da mensagem cristã será sempre uma aproximação do mistério Trinitário.
Será, em definitiva, a busca de um encontro vivo com Deus. Não se trata de demonstrar a existencia da luz, mas de abrir os olhos para ver. O verdadeiramente importante foi sempre a necessidade de viver essa presença do Deus, comunhão de Pessoas, no interior de cada ser humano.
Quando nos abrimos à comunhão com a Trindade, Ela entra em comunhão conosco na forma sutil de um perfume. Não força, não invade, mas cria um ambiente agradável, perfumado, que nos eleva e nos suscita alegria interior. Tal como o perfume, a Trindade derrama sua Graça sobre toda a Criação e a humanidade inteira. Quê há de mais suave, reconfortante e realizador do que sentir a Trindade a partir do coração?

Jesus, o Mistério de Deus feito carne no Profeta da Galiléia, é o melhor e único ponto de partida para reavivar uma fé simples no Deus Comunidade de Pessoas. Ele quis trasmitir-nos que, para experimentar Deus, o ser humano precisa aprender a:
Olhar dentro de si mesmo (Espírito), olhar os outros (Filho) e olhar o transcendente (Pai).
Desde sua própria experiência de Deus, Jesus convita seus seguidores a relacionar-se de maneira confiada com Deus Pai, a seguir fielmente seus passos de Filho de Deus encarnado, e a deixar-se guiar e alentar pelo Espírito Santo.  Ensina-nos assim a abrir-nos ao mistério de Deus.
“Só n’Ele (Jesus Cristo) a Trindade se comunica a nós e somos revelados pela Trindade. Jesus é o Mestre porque é a voz da Trindade para nós e a nossa voz para a Trindade. Jesus Cristo é a porta através da qual a Trindade passa até nós e nós até a Trindade. Jesus Cristo é o caminho que nos leva à Trindade e através da qual a Trindade chega até nós. Jesus Cristo é a Vida, porque n’Ele a Vida da Trindade corre em nós e a nossa pobre vida corre na vida da Trindade eterna de Deus” (Bruno Forte).

O que os primeiros cristãos experimentaram é que Deus podia ser ao mesmo sempre e sem contradição:
Deus que está acima de nós (Pai); Deus que se faz um de nós (Filho); Deus que se identifica com cada um de nós (Espírito). Estão nos falando de um Deus que não se fecha em si mesmo, senão que se relaciona doando-se totalmente a todos e ao mesmo tempo permanecendo Ele mesmo. Um Deus que está acima do uno e do múltiplo.
Aproximar-se de Deus é descubrir a Trindade. E em cada um de nós a Trindade deixa-se refletir. Viver a experiencia do Deus Trino implica saber com-viver; fomos feitos para o encontro e a comunicação. Estamos falando de uma única realidade que é relação.

Portanto, Trindade é a glória de Deus que se expressa na vida da humanidade, em especial nos mais pobres e excluídos; é o Amor mútuo, a comunhão pessoal, de Palavra (Filho) e de Afeto (Espírito Santo). Assim é a Trindade na terra: quando todos os seres humanos compartilham a vida e se amam.
Não crê na Trindade quem simplesmente professa que há “em Deus três pessoas”, ou quem faz mecanicamente o sinal da Cruz, mas aquele que vive o impulso e a expansão do Amor Redentor, que se expressa como compaixão, reconciliação e compromisso. Crer na Trindade é amar de um modo ativo, como dizia S. Agostinho. Contempla-se a Trindade ali onde se ama e se compromete com a libertação do próximo. Estamos envolvidos pelo movimento do Amor sem fim que parte do Pai, passa pelo filho e se consuma no Espírito.
Só quem tem coração solidário adora um Deus Trinitário, pois no compromisso libertador torna-se presença trinitária.


Texto bíblico:  Jo. 16,12-15

Na oração: No interior de cada um, a Trindade está atuando, está convidando a que ponha em movimento
                     toda a capacidade de admiração e quer ensinar a ler e interpretar Sua presença em todas as coisas.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Amigos e amigas, próximo domingo é festa de Pentecostes. Segue uma sugestão para preparar-se e viver esse Mistério de uma maneira mais intensa.Um abraço a todos. Pe. Adroaldo sj


PENTECOSTES: o Sopro integrador que tudo movimenta

 

“Soprou sobre eles e lhes disse:’Recebei o Espírito Santo’” (Jo. 20-22)

 

O têrmo “espírito”, nas tradições religiosas mais antigas, aparece vinculado ao vento, à respiração e à energia. “Ruah” em hebraico; “pneuma” em grego; “spiritus” em latim; “qi” (ou “chi”) em chinês; “prana” em sânscrito... Todos eles são termos que fazem referência a “alento vital”, “sopro de vida”, “energia”... e guardam uma estreita relação com a própria respiração.

A partir do simbolismo apresentado pelas etimologias, podemos falar do Espírito como do Alento último de tudo o que é, como da Energia primeira que tudo  move e da qual são criadas todas as coisas, como do Dinamismo vital que torna possível a vida e a expressão da mesma em infinitas formas...

A partir desta perspectiva, em tudo o que vemos, também estamos “vendo” o Espírito em ação; além disso, o reconhecemos como nosso núcleo mais íntimo, a Identidade mais profunda. E nos vem à memó-ria as sábias palavras de Teilhard de Chardin: “Não somos seres humanos vivendo uma aventura espiri-tual, mas seres espirituais vivendo uma aventura humana”.

Só assim pode-se captar adequadamente o que é a evolução em toda sua profundidade: o Espírito dorme nos minerais, desperta nos vegetais, sente nos animais e ama nos humanos. Ou, dito de outra forma: o Espírito dorme na pedra, sonha na flor, desperta no animal e sabe que está desperto no ser humano.

Tudo se move e se renova. Move-se o sol, a lua e a terra, o átomo e a estrela. Move-se o ar, a água, a chama, a folha. Move-se o sangue, o coração, o corpo, o espírito. Tudo se move, nada se repete. Tudo é calma e dança, quietude em movimento. O que não se move, morre; mesmo no que morre tudo se move. Move-se o Espírito de Deus, energia do amor, verdor da Vida. Move-se Deus, o Mistério que tudo move e impulsiona ao amor, à verdade e à beleza.

 

Como um vento irresistível que impulsiona a história do mundo a partir de dentro ou como um barco que infla suas velas e começa a navegar, arrastado por algo invisível e poderoso: é essa presença mobilizadora que chamamos “o Espírito”, o “Vento de Deus”. E o vimos “soprar” criativamente no mesmo Jesus; e o vimos soprar poderosamente na primeira comunidade cristã, sobretudo a partir daquela formidável manhã de Pentecostes; e continuamos vê-lo soprar no amor e no entusiasmo de tantas pessoas criativas que sustentam o mundo e nos fazem manter a fé e a esperança.

 

Deixemo-nos levar por esse Vento que sopra em cada um de nós, esse Sopro em nós, maior do que nós, que gera harmonia e nos faz conectar com todos os viventes; o Espírito é a força que nos aproxima uns dos outros e que exerce seu dinamismo criador transformando em “cosmos” o que antes era “caos”.

Na medida em que o alento divino da “Ruah” envia seu sopro vital, somos seres animados, viventes, criativos. Vivemos com esse energia que nos foi dada e nos dinamiza com sua força. Vivemos sustentados por essa força que desperta em nós as grandes inspirações e intuições adormecidas.

O vento, o ar, o Espírito sopra onde quer e nenhum de nós pode nem se atreve a querer controlar, dominar ou possuir essa Energia, pois somos vivificados por ela. A “ruah” é fonte de vida e vivificação. Nascer é ser dado à luz pelo Espírito. É receber o Sopro: um Sopro de muitas formas, cores, sabores e intensidades. Sopro de compaixão e ternura, sopro de igualdade e diferença, de justiça e paz. Morrer é devolver o sopro vital; morremos para o Espírito para sermos aspirados pelo Espírito na Ressurreição.

 

Como Sopro, o Espírito é o grande multiplicador do melhor de cada um, o portador das “células-tronco” de nossa vida interior. Ele nos faz fortes em nossa fraqueza e nos faz amadurecer quanto mais nos huma-nizamos. Seu modo de nos proteger é abrindo-nos; seu modo de nos defender é desarmando-nos e que-brando nossa rigidez. Soltar as asas nos momentos mais petrificados e pesados de nossa vida é sinal de sua silenciosa Presença. De imediato, nos sentimos livres do peso que fomos arrastando durante tanto tempo e, por uns instantes, nos atreveremos a “viver no Vento”.

Trata-se de sermos dóceis para deixar-nos conduzir pelo Sopro do Espírito, por onde muitas vezes não entendemos e não sabemos. Como nosso Mestre interior, nos ensinará a deixar-nos conduzir para a bon-dade, para a doação, para o perdão e a alegria.

Em outras palavras: “viver segundo o Espírito” não se define como um combate, como luta para debilitar o “eu”, mas como experiência para ativar o impulso para o “mais” e “ordenar” os dinamismos humanos em direção a um horizonte de sentido: o Reino.

“Deixar-se conduzir pelo sopro do Espírito”, portanto, em duas direções: a) para a própria interiori-dade, ativando as “beatitudes originais”, reacendendo a força dos desejos, despertando a inspiração para a criatividade... b) para a universalidade: abertura e acolhida da realidade, para ser “sal e luz do mundo”.

 

Em muitas situações de nossa vida precisamos sentir por onde sopra o vento, ouvir de onde vem sua voz quando não sabemos como aceitar as sombras e as vozes do medo que vão se ampliando dentro de nós.

A missão do Espírito não é ajudar a nos “livrar” daquilo que imaginamos que torna sombria nossa exis-tência e nos atemoriza (feridas, rejeições, ressentimentos...); é próprio de Sua presença reunir, integrar, conciliar, pacificar, conduzir-nos a um “lugar interior”, a um centro de calma, onde tudo tem seu lugar, onde tudo encontra seu espaço.

As angústias mais radicais do ser humano são acolhidas e transformadas pelo Sopro do Espírito: um sopro vital que possibilita a vitória da esperança contra o desespero, da comunhão contra a solidão, da vida contra a morte.

Seu trabalho de transformação e de re-criação nos ensina a fazer amizade com as dimensões não integra-das de nossa vida, da realidade, dos outros, das quais nos tínhamos distanciado, das quais nos sentíamos separados. Sua discreta presença alentadora nos move a acolher em nós nosso potencial de ternura, de cuidado e de resistência diante de todas aquelas situações e forças que desintegram a vida.

 

Essa é a terra propícia onde atua o Espírito. Onde há mais carência, vulnerabilidade, pobreza... há mais criativas possibilidades. Nenhuma situação pode afastar-nos de Seu Sopro; pelo contrário, maior desampa-ro, maior proximidade; maior sofrimento, maior unção. Toda terra baldia é boa para o Espírito.

Ele vem com um “sim” ousado e forte que re-cria de novo nossa história, estabelecendo o “cosmos” (har-monia e beleza”) em nosso “caos” existencial. Como “línguas de fogo”, Ele desce para encontrar-nos e despertar nossa vida; com seu toque, uma identidade nova ressurge.

Portanto, viver uma “vida segundo o Espírito” significa romper nossa estreiteza de vida, superar nossos medos e entrar no seu movimento criativo em direção a largos horizontes: tal dinamismo nos manterá “despertos” e dará sabor à nossa existência.


 

Texto bíblico:  Jo. 20,19-23

 

Na oração: Felizes aqueles que se reunem em torno ao Sopro

                    do Espírito para deixar-se transformar cada diapor Ele.

Felizes aqueles que se deixam conduzir pela luz do Espírito e não lhe põem travas, obstáculos ou impedimentos.

Felizes aqueles que reconhecem suas fragilidades e se deixam fortalecer pelo Espírito de Deus.

Felizes aqueles que vivem a novidade radical do Espírito, para não perpanecer nunca ancorado no passado, mas viver a realidade do presente e estar abertos à surpresa do futuro.

Felizes aqueles que se deixam rejuvenescer pelo Espírito e deixam pendurados no cabide do esquecimento as velhas vestimentas cheias de remendo.

Felizes aqueles que se deixam fascinar e refrescar pela brisa do Espírito, aqueles que reconhecem nela a presença vivificante de Deus em suas vidas.

Felizes aqueles que vivem com um espírito de solidariedade, empenho, ternura, cuidado e consolo.

Felizes aqueles que não deixam que o Espírito fique aprisionado, aqueles que cada dia recriam as palavras e as intuições do Espírito, aqueles que se deixam habitar pela liberdade radical do Espírito.      (Miguel Mesa Bouzas)

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Amigos e amigas, próximo domingo é a festa da Ascensão. Segue uma sugestão para ajudar a viver mais intensamente este mistério. Um abraço a todos Pe. Adroaldo sj



ASCENSÃO: A HUMANIDADE EM DEUS

“E enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu” (Lc. 24,51

Ressurreição, Ascensão, sentar-se à direita de Deus, envio do Espírito Santo , são todas realidades pascais.
O Mistério Pascal é tão rico e tão denso que não podemos abarcá-lo somente com uma imagem; por isso precisamos desdobrá-lo para poder experiênciá-lo de uma maneira mais profunda.
Celebrar a Ascensão de Jesus não significa, para os cristãos, algo diferente que celebrar sua Ressurreição. São só diferentes nomes para referir-se à mesma realidade: que, ao morrer, tanto Jesus como nós, mergu-lhamos na Vida de Deus.
Lucas, em seu Evangelho, põe todas as aparições e a Ascensão no mesmo dia. No entanto, nos Atos dos Apóstolos, ele fala de quarenta dias de permanência de Jesus com seus discípulos, provavelmente como um modo de indicar que eles haviam recebido a formação necessária para levar adiante a missão (“qua-renta dias” com o mestre era o tempo que o discípulo precisava para alcançar uma preparação adequada).

A fé na Ascensão não é aceitar que uma pessoa “subiu” aos céus. É aceitar que Jesus é o sentido de tudo, a revelação de Deus e do sentido da existência: Ele é o Senhor.
A Ascensão de Jesus não significa evasão aos céus - “Homens da Galiléia, por que estais aí a olhar o céu?” (At. 1,11) – mas imersão na vida. Aquele que Vive não escapou do mundo; sua Ascensão significa sua extensão e presença no universo inteiro, plenificando tudo em todos; Ele agora assume todos os rostos, identifica-se com toda a humanidade e continua a caminhar pelas Galiléias dos excluídos, das periferias, dos pobres... Acampa junto aqueles que vivem às margens.
O movimento desencadeado por Aquele que Vive é um movimento que reúne para dar vida, para restaurar vínculos rompidos,  libertar as ataduras que escravizam...

Nos relatos da Ascensão, normalmente nos preocupa muito saber o lugar de onde Jesus subiu aos céus e para onde Ele foi; mas o que importa é que nosso destino é Deus e Jesus revela a grandeza do ser huma-no capaz de alcançar a divindade.
Pela sua Ascensão, Jesus Cristo acolheu tudo quanto é humano e desta maneira o redimiu.
Ele “subiu” ao céu porque “desceu” às profundezas da terra. E assim também nos mostrou o caminho. Não podemos subir ao céu se não estiverrmos dispostos a descer com Cristo ao nosso “húmus”, às nossas sombras, à condição terrena, ao inconsciente, à nossa fraqueza humana.
Nós “subimos” a Deus quando “descemos” à nossa humanidade. Este é o caminho da liberdade, este é o caminho do amor e da humildade, da mansidão e da misericórdia; é o caminho de Jesus também para nós.
O coração, a quem não é estranho nada do que é “humano”, alarga-se, enche-se do amor de Deus, que transforma todo o humano. O caminho da humildade é o caminho da transformação.
Ao fazer, junto com Jesus Cristo, o caminho da “descida”, o ser humano vai ao encontro de sua realidade e coloca-se diante de Deus para que Ele transforme em amor tudo quanto existe nele, para que ele seja totalmente perpassado pelo Espírito de Deus.

Sabemos que Deus nos fala não só através da Bíblia, da Igreja, dos acontecimentos, da Criação... mas também através de nós mesmos, daquilo que nós pensamos e sentimos, através de nosso corpo, de nossos sonhos, e ainda através de nossas feridas e de nossas fraquezas...
O “subir”  até Deus passa pelo “descer”  até às profundezas da nossa própria realidade pessoal.
Se com Cristo quisermos subir ao Pai, temos primeiro que descer com Ele à terra, afundar os pés na nossa própria condição humana.
Toda pessoa possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo e pessoal.
“Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas. É preciso “descer” até o fundo para descobrirmos uma nova fonte para a nossa vida; é “descendo” que poderemos revitalizar a vida que se tornara vazia e ressequida.
Nós somos o solo, o húmus, onde Deus, com mãos criativas, vai nos modelando e nos fazendo mais humanos. À medida que nos aceitamos e nos acolhemos como húmus, mergulhamos na graça de Deus.
Quem “desce” até sua própria realidade, até os abismos do inconsciente, até a escuridão de suas sombras, até a impotência de seus próprios sonhos, quem mergulha em sua condição humana e terrena e se recon-cilia com ela, este sim, está subindo para Deus, faz a experiência do encontro com o Deus verdadeiro.

A vida cristã não é “subida” para fora da realidade, mas “descida” para o mais profundo da mesma.
Entramos no movimento da Ascensão quando amamos, servimos, cuidamos...; nós nos elevamos quando lutamos por uma causa, investimos a vida num projeto.
Ao deixar-nos conduzir pelo Espírito, rompemos com nossos lugares estreitos, vivemos a expansão de nós mesmos, tornamo-nos universais....
Essa ascensão não pode ser feita às custas dos outros, mas servindo a todos. Como Jesus, a única maneira de alcançar a plenitude é descendo para o mais profundo. Aquele que mais “desceu” é Aquele que mais alto “subiu”.
Entender a “subida” de Jesus como uma subida física é muito atraente. Os dirigentes judeus preferiram um Jesus morto. Muitos de nós preferimos um Jesus “nos céus”. Em ambas situações seria uma estratégia para tirá-lo de nosso meio.
Descobri-lo dentro de nós e nos outros é muito exigente e comprometedor. É muito mais cômodo conti-nuar “olhando para o céu” e não sentirmos implicados com aquilo que está acontecendo ao nosso redor. Por isso, Ascensão é missão; é “descer” da montanha para as periferias da nossa Galiléia (periferias existenciais, sociais, religiosas...) e ali prolongar a atividade libertadora de Jesus.
A Ascensão ocorre toda vez que, vivendo o Presente, transcendemos os limites temporais e nos experi-mentamos “ser em Deus”. Nestes momentos, nos alcança a Plenitude e saboreamos a Alegria.
Ao mergulhar na realidade, interna e externa, nos esbarramos n’Ele, o Ressuscitado.



Textos bíblicos:  Atos 1,1-11 Lc. 24,46-53

Na oração:  A espiritualidade cristã nos ensina o caminho através do
                     qual descemos a uma dimensão mais profunda e assim chegamos à corrente subterrânea; aqui experimentamos a unidade de nosso ser; aqui é o lugar da transcendência, onde nossa transformação realmente acontece.
Para realizar-nos e desenvolver toda a nossa potencialidade, busque-mos, na oração, cavar mais profundamente, até atingir as raízes de nosso ser, o núcleo original de nossa personalidade. É no mais íntimo de nós que rezamos ao Senhor. É no mais profundo de nossa interioridade que escutamos o Senhor. Deixemo-nos invadir pela luz e pela vida d’Aquele que armou sua tenda entre nós”.