segunda-feira, 22 de setembro de 2014

JESUS TRANSGRIDE NOSSOS ESQUEMAS “... os publicanos e as prostitutas vos precederão no Reino de Deus”(Mt 21,31



JESUS TRANSGRIDE NOSSOS ESQUEMAS

“... os publicanos e as prostitutas vos precederão no Reino de Deus”(Mt 21,31)

No Evangelho de hoje, Jesus, com sua original sabedoria, nos oferece uma outraperspectiva de vida.
Sem dúvida alguma, Jesus era um provocador, no sentido etimológico da palavra, (pro-vocar: chamar para frente, desinstalar), que obrigava a ver as coisas a partir de uma perspectiva diferente da que era habitual.
Ele é Aquele que vê mais além da realidade: descobre vida onde os outros só vêem morte; desvela possibilidades onde os outros se deparam com o impossível; descobre sementes de futuro escondidasonde ninguém vê mais saída; vê santos onde todos só vêem pecadores... Jesus é Aquele que vê bondade presente no fundo do coração, inclusive daqueles que eram condenados como “publicanos e prostitutas”; sabe ler nos gestos mais simples a grandeza de um coração capaz de amar, de mudar, de ser melhor.


Mas, custa-nos muito modificar nossa perspectiva; estamos acostumados a um modo fechado de viver, com umas viseiras (a dos “sacerdotes e anciãos do povo”) que não nos permitem captar a vida em sua ple-nitude e riqueza; com isso nos instalamos no já adquirido e conhecido e atrofiamos em nós o dinamismo que busca abrir a mente e alargar o coração à realidade que nos cerca.
Ver as coisas“por uma outra perspectiva” é muito mais divertido.
O “avesso” revela que o mundo poderia ser diferente.
Dizem que, ao pintar uma paisagem, ospaisagistas a olham dobrando-se e pondo a cabeça entre as pernas abertas, por mais incômodo que seja a postura, porque assim se libertam da visão “oficial” do conjunto que to-dosvêemde pé, e descobrem novos ângulos, perspectivas não usuais e a surpresa do novono molde antigo.
Também aqui os hindus conhecem e praticam a sabedoria ancestral da postura do “pinheiro”, com a cabeça para baixo e as pernas para cima, mudando de direção as correntes metabólicas do corpo e olhando ao mesmo tempo o “mundo ao avesso”.
Isto acaba sendo a maneira de ver as coisas pelo direito. É o segredo da arte, da vida e das decisõesbem tomadas. Um enfoque novo sempre proporciona um ponto de referência melhor para uma avaliação independente, seja de linhas e cores, seja de opções e valores de vida.
Um ponto de vista novo, limpo e original é uma grande ajuda para uma vida sadia.

O que Jesus pretende na pequena parábola de hoje é dar-nos um novo ponto de vista,um novo ângulo, uma nova perspectiva, fazendo-nos ver a realidade do outro como se fosse pela primeira vez, com um olhar límpido e um juízo desinteressado.
Os “sacedotes e anciãos do povo” são os “profissionais” da religião: aqueles que disseram um grande “sim” ao Deus do templo, os especialistas do culto, os guardiães da lei. Não sentem a necessidade da conversão e não se abrem à novidade trazida por Jesus.
Os “publicanos e prostitutas” são aqueles que disseram um grande “não” ao Deus da religião, aqueles que se colocaram fora da lei e do culto. No entanto, seu coração se manteve aberto à conversão e acolheram a novidade de Jesus.

“Sacerdotes e anciãos do povo” x “publicanos e prostitutas”: revelam o lugar e o modo de viver de cada grupo na estrutura religiosa do tempo de Jesus. Mas podemos ir além: tais grupos estão presentes, e em constante conflito, em nossa própria interioridade.
Como integrá-los e como conviver com eles para que nossa vida sejacriativa e expansiva?
Nesse sentido, esta pequena parábola nos capacita a considerar nossa vida sob outra perspectiva.
Provavelmente, a parábola – em linha com a sabedoria de Jesus – está nos convidando a que sejamos capazes de reconhecer e abraçar o “publicano” e a “prostituta” que cada um de nós carrega em nosso interior. O sentido seria o mesmo que aquela outra parábola que fala do “fariseu” e do “publicano”: até que não reconheçamos o nosso publicano interno não poderemos estar reconciliados.
Simbolicamente, “publicano” e “prostituta” é aquela dimensão nossa que temos reprimida e oculta, nossa própria sombra. É claro que, enquanto não a reconhecermos, projetaremos nos outros o que em nós mesmos  rejeitamos. Só quando abraçamos nossa “negatividade”, nos humanizamos, porque nos abrimos à humildade. E só então pode emergir a bondade e a compaixão para com os outros.
Os “sacerdotes” e os “anciãos” – escravos de sua própria imagem de “observantes religiosos” – eram incapazes de reconhecer e aceitar seu “publicano” e sua “prostituta” – presentes em todos nós. Isso os incapacitava para amar os outros – publicanos e prostitutas – e para entrar no Reino.
Quanto mais nos reconciliamos com nossa debilidade e fragilidade, mais próximos estaremos da verdade.
Uma coisa parece clara: abraçar nossos próprios “publicano” e “prostituta” nos permitirá abraçar qualquer pessoa que cruze nosso caminho, sem necessidade de impor-lhe nenhuma etiqueta prévia.
Dito de outro modo: ao reconhecer e aceitar nossa própria sombra (tudo aquilo que em algum momento tivemos que negar, ocultar, reprimir...) crescemos em unificação e harmonia interior, desaparecem os juízos e preconceitos e entramos em um caminho de humildade e graça.
A aceitação da sombra (“publicano-prostituta”) nos faz descer do falso pedestal ao qual nos havia feito subir o “sacerdote que nos habita” e nos permite crescer em humildade e em humanidade.

Para Jesus, a conversão significa mover-nos em direção à nossa fragilidade, aos limites, às sombras...
Ao reconhecer-nos fracos e limitados, nós nos abrimospara Deus e para os outros; sentimo-nosnecessita-dos de salvação.Só a aceitação de nossa verdade completa conduzir-nos-á no caminho da libertação.
E a verdade é que em cada um jazem unidas a luz e a sombra, o sacerdotee o publicano.Em cada san-to dorme um pecador, e não reconhecer isso conduz ao farisaísmo e ao moralismo; mas em todo pecador dorme também um santo, e não percebê-lo supõe um empobrecimento humano, desesperança e vazio.
Somente quando integrarmos e nos reconciliarmos com os aspectos nossos que tínhamos negado ou até rejeitado – a sombra - , poderemos alcançar a paz e a harmonia estáveis.  Portanto, nossa grande tarefa não consiste em sermos “perfeitos”, mas “completos”. Na medida em que somos mais “completos”, por-que aceitamos de maneira integral nossa verdade, tornamo-nos mais compassivos e humanos.

Quem se identifica com “ideais”muito elevados, quem se exalta a si mesmo na busca da “perfeição”, mais cedo ou mais tarde terá de confrontar-se com suas “sombras”, será forçado a tomar consciência de sua condição humana e terrena, de seu “húmus”.
Quem “desce” até sua própria realidade, até os abismos do inconsciente, até a escuridão de suas sombras, até a impotência de seus próprios sonhos, quem mergulha em sua condição humana e terrena e se reconci-
lia com ela, este sim, está “subindo” para Deus, faz a experiência do encontro com o Deus verdadeiro.

Texto bíblico:Mt 21,28-32

Na oração: “Em você há uma luz capaz de espantar as trevas dos acontecimentos mais dramáticos; você é
portador de uma força que pode sustentá-lo em experiências exigentes. Em sua fraqueza há algo divino. O que a terra seca tem a oferecer? Nada, quando abandonada às suas próprias limitações. Mas ela não desespera. Mesmo sob a pobre forma de deserto, continua guardiã de tesouros insuspeitos”(Frei Cláudio V. Balen).

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A JUSTIÇA SUBVERSIVA DE DEUS “Chama os trabalhadores e paga-lhes uma diária a todos, começando pelos últimos até os primeiros” (Mt 20,8)



A JUSTIÇA SUBVERSIVA DE DEUS
“Chama os trabalhadores e paga-lhes uma diária a todos, começando pelos últimos até os primeiros” (Mt 20,8)
Outra parábola surpreendente de Jesus onde o protagonista é o dono da vinha, um homem bom e justo, que quer trabalho e pão para todos. Ao contá-la, certamente Jesus despertou nos ouvintes um desconcerto geral. Os trabalhadores são contratados em horários diferentes, ao longo do dia e, surpreendentemente, o dono da vinha paga a todos um denário, que era o que uma família precisava para viver cada dia na Gali-léia. Os que chegaram primeiro protestaram, considerando uma injustiça o fato de terem trabalhado mais e recebido o mesmo valor pela diária.

Jesus revela uma concepção revolucionária de justiça do Pai. Deus desafia a justiça calculadora, auto-suficiente. Nós achamos justiça pagar algo com seu preço equivalente. Mas Deus tem outros critérios: para Ele, justo é o que é bom. A justiça de Deus é idêntica à sua bondade. O dono da vinha pagou o salário que não era proporcional ao trabalho feito, mas sim proporcional às necessidades dos trabalhadores e de suas famílias.Ele não se fixa nos méritos de cada um, se trabalhou muitas horas ou se trabalhou poucas horas; o que lhe preocupa é que, esta noite, todos tenham o que comer.
A parábola também revela que o importante é a intensidade do trabalho e a intenção com que ele é realizado e não apenas sua duração; revela também que o trabalho a serviço do Senhor já é uma graça e um privilégio. No Reino não se trabalha por méritos ou para receber recompensa. A retribuição já está dada no fato de“trabalhar na vinha do Senhor”.

Outro aspecto que a parábola deixa transparecer é que, além da relação de trabalho, baseada no rendi-mento e regida pela justiça, existe a relação amorosa, baseada na generosidade e regida pela bondade e pela ternura.Precisamente aos “primeiros” que foram trabalhar na vinha, o dono teve de recordar uma coisa que é absolutamente lógica:“o teu olho é mau porque eu sou bom?”
A última palavra é a chave de todo o texto. Deus Pai se relaciona com seus filhos não a partir do critério do mérito segundo o rendimento, mas a partir da generosidade. Ele não anda calculando o que cada um merece. Isso é uma falsa idéia que serviu somente para ‘deformar” a imagem de Deus que todos nós carregamos dentro. Muita gente fundamenta sua fé num Deus “deformado”, porque é um Deus que se parece muito mais a um patrão que ajusta contas com seus criados do que um Pai que quer sempre que seus filhos vivam. Deus é generoso, e basta.
As pessoas que temem sua cabeça o Deus-patrão, que paga segundo os méritos e o rendimento, não entendem e nem podem entender o Deus-Pai revelado por Jesus no Evangelho.
Há cristãos que passam pela vida como “diaristas”, calculando o que vão “ganhar” e “merecer”. E há cristãos que caminham pela vida como “filhos” do Pai do céu: eles não pensam em ganhos e em merecimentos; só pensam em ser bons filhos, honrados por trabalharem na vinha do Pai e que vibram quando alguém acolhe o chamado para colaborar. Para eles o que importa não são os “méritos”, mas a “generosidade”.

Em geral, aqueles que vêem a si mesmos como os “primeiros” e, portanto, como os que apresentam maior rendimento, os mais eficazes e os melhores, o que fazem mais pelos outros, não podem tolerar que os “últimos” sejam tratados como eles, que vêem a vida somente a partir da eficácia, dos direitos, dos privilégios e do bom rendimento.Não possuem outros critérios em sua cabeça e nem sequer em suas vidas há lugar para outras categorias ou outros valores.
Ora, as pessoas que assimilaram tais critérios são pessoas que não entendem as “razões do coração” e, portanto, tais pessoas correm o perigo de não entender a generosidade e, o que é pior, normalmente não estão capacitadas para compreender que a vida tem de se reger por uma bondade tão grande que supere todas as obrigações do direito e da justiça humana.
Ao dizer isso, estamos tocando na utopia do Reino anunciado por Jesus.

Por isso, a ética de Jesus nos desconcerta, nos confunde. Pois não temos a coragem de afirmar que na vida inteira, tanto na vida privada quanto na vida social e pública, se não é a bondade e o amor que prevalecem, fazemos desta vida uma selva, um campo de batalha, um inferno, no qual caem os mais fracos e tiram proveito os que dominam os outros.
Sabemos muito bem que todo aquele que pretende situar-se na frente ou acima dos outros provoca divi-são, inveja, ressentimentos e, definitivamente, rompe a proximidade entre as pessoas.
Ao contrário, aquele que não pretende postos de honra e de importância, somente pelo fato de agir assim, produz uma corrente de harmonia, de união, de humanidade, de proximidade entre as pessoas.

Na parábola de hoje há um “pecado de raiz” que afeta a todos: a comparação com outros. E da comparação brotam a inveja e a queixa. E quanto mais se compara com outros, mais insatisfeito fica e mais se sente prejudicado por Deus e pelo destino. Com isso, trava o fluir da própria vida.
Na parábola, o que deveria ser um motivo de alegria para os primeiros que foram chamados, é sentido como ameaça à própria segurança.Quando ouvimos as palavras dos “primeiros” – justificando-se e pedindo reconhecimento -percebemos uma queixa mais profunda. É a que vem do coração que acha que nunca receberam o que lhe era devido. Na sua queixa, o trabalho é visto como escravidão.
           É a queixa expressa de inúmeras maneiras, sutís ou não, formando uma montanha de ressentimento.
Fechados em si mesmos, só olham para si, para suas obras, para a duração do seu trabalho; encouraçados na própria justiça, não há neles a mais mínima abertura para a gratuidade e a alegria da comunhão, para a vivência da filiação e da fraternidade.




Queixar-se é contraproducente e nocivo. Alguém que só reclama é alguém difícil de conviver.
O trágico é que, uma vez  expressa, a lamúria leva ao que mais se queria evitar: um afastamento maior. Essa queixa íntima é sombria e pesada: condenação dos outros, condenação própria, justificativas... entran-do numa espiral de auto-rejeição. À medida que se deixa arrastar ao interior do vasto labirinto das suas queixas, fica mais e mais perdido, até que, no fim,acaba achando-se a pessoa mais incompreendida, rejeitada, negligenciada e desprezada do mundo.
É esta derrota – caracterizada por julgamento e condenação, raiva e ressentimento, amargura e ciúme – que é tão perniciosa e prejudicial ao coração huma-no.Tornou-se menos livre, menos espontâneo e um tanto quanto“pesado”.

Texto bíblico:Mt 20,1-16

Na oração: - é na “queixa”, declarada ou não,que
reconheço em mim a imagem dos “trabalhadores da primeira hora”. Quais são minhas queixas?
- não é fácil distinguir o meu ressentimento e administrá-lo de maneira sensata;  esta é a realidade: onde quer
que se encontre meulado virtuoso, aí também existirá sempre um ladoqueixoso e ressentido;
- abrir espaço em meu interior para que a bondade e a gratuidade do Pai prevaleçam na minha relação com
os outros.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

CRUZ: expressão máxima da ternura de Deus “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito...” (Jo 3,16)



CRUZ: expressão máxima da ternura de Deus

“Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito...” (Jo 3,16)

Diante do mistério da “exaltação da Santa Cruz”, o mistério do “esvaziamento” e “descida” do Ver-bo de Deus até as últimas conseqüências, muitos questionamentos brotam naturalmente:
- O ser humano pós-moderno, que absolutiza o bem estar, o prazer, o consumo, pode ainda encontrar,
na contemplação de um Crucificado, a chave para entender sua própria vida?
- Quê sentido tem um Deus que se esvazia de suas prerrogativas e “desce”, deixando-se encontrar entre
   os últimos e excluídos?
- a Cruz é sinal de solidariedade ou sinal de impotência, sinal de libertação ou sinal de opressão, sinal de
rebeldia ou sinal de submissão, sinal dos vencidos ou sinal dos vencedores...?

A Cruz é um produto terrível da maldade, se a encaramos da perspectiva humana; e é manifestação do amor levado até as últimas conseqüências, se a olhamos da perspectiva de Deus.
A festa da “exaltação da Santa Cruz” nos des-vela o verdadeiro rosto do Deus de Jesus:  rosto feito de amor e não de ira; de vulnerabilidade e não de distancia; de perdão e não de castigo; de benção e não de maldição.
A primeira coisa que descobrimos ao contemplar a Cruz é a força destruidora do mal, a crueldade do ódio e o fanatismo da mentira. Mas é precisamente aí que nós, seguidores de Jesus, vemos o Deus identificado com todas as vítimas de todos os tempos. Está na Cruz do Calvário e está em todas as cruzes onde so-frem e morrem os mais inocentes. A partir da Cruz, Deus não responde o mal com o mal; Ele não é o Deus justiceiro, ressentido e vingativo, pois prefere ser vítima de suas criaturas antes que verdugo.
A Cruz e o Crucificado nos revelam que não existe, nem existirá nunca um Deus frio, insensível e indiferente, mas um Deus que padece conosco, sofre nossos sofrimentos e morre nossa morte.
Despojado de todo poder dominador, de toda beleza estética, de todo êxito político e de toda auréola religiosa, Deus se revela a nós, no mais puro e insondável de seu mistério, como amor e somente amor.
Nós cristãos contemplamos o Crucificado para não esquecer nunca o “amor louco” de Deus para com a humanidade e para manter viva a recordação de todos os crucificados da história.Tudo está atravessado pelo dinamismo vivificante do Amor de Deus que transpareceu em Jesus com seu amor até o fim.O seu Amor é um Amor que em sua fidelidade sofrida nos sustenta e conforta em nossas noites.

De fato, a Redenção está na Luz e não na cruz. Esta – com minúscula – foi imposta pelos carrascos e, de nenhum modo, foi querida ou imposta pelo Pai, como expiação.
Só podemos escrever Cruz – com maiúscula – quando ela se converte em Luz, deixa de ser ensangüentado patíbulo para serevelar como progressivo Caminho de salvação. O Deus dos cristãos se fez humano para indicar-nos o Caminho da Luz, ou seja, da humanização da pessoa e do mundo.
Abraçar e dar sentido à Cruz supõe uma real e firme adesão aos valores pelos quais o Crucificado preferiu morrer a desertar e trair. Está aíuma multidão de mártires para comprovar isso.
A Cruz é a revelação da “escada de luz” que o Filho desceu até o fundo do poço da degradação na qual o ser humano estava (e está) metido. Só se regenera e se salva quem se empenha em subir por essa escada, vivendo os valores que o Crucificado viveu. Nem sacrifícios, nem méritos, nem pagamentos. Puro amor gratuito de um Deus que é Amor!

“Deus amou tanto o mundo...” O mistério da Santa Cruz nos sensibiliza e nos capacita para aproximar-nos do nosso mundo com uma visão mais contemplativa. Em outras palavras,a contemplação da Cruz ativa em nós uma maneira contemplativa de viver no meio do mundopara rastrear a presença de Deus, oculto nos lugares da fragilidade. O “subir” até Deus passa pelo “descer”até às profundezas da humanidade.
O seguidor de Jesus oscila entre o mundo e Deus. É tão familiar com Deus que admira a variedade e a multiplicidade do mundo, e não teme o mundo com toda a sua complexidade. E é tão familiar com o mundo que sente o Espírito de Deus, que trabalha no mundo, em todos os lugares e da maneira mais inesperada.
Em Jesus cristo fica claro, de uma vez para sempre, que Deus é do mundo e o mundo é de Deus . “Meu solo e o solo de Deus são o mesmo solo” (Mestre Eckhart)
A terra já não é um vale de lágrimas mas o lugar onde Deus armou sua tenda.
A pessoa contemplativa, movida por um olhar novo, entra em comunhão com a realidade tal como ela é. É olhar o mundo como “sacramento de Deus”.Um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança que existem no mundo; um olhar afetivo, marcado pela ternura, pela compaixão e por isso gerador de misericórdia; um olhar que compromete solidariamente.

Na Cruz de Jesus, portanto, nos é oferecida uma nova forma de sentir o mundo: “tende em vós os mes-mos sentimentos deCristo Jesus”.O madeiro onde Jesus de Nazaré morreu não é belo aos olhos humanos, nãogratifica nossos sentidos; não é a marca de um “país católico”, nem a divisa da cristandade... É e será sempre fonte origem de um novo modo possível de ver e ouvir o mundo, de olhar quem somos e como é Deus.
A Cruz, com seu mistério fascinante e tremendo, com seu mistério sempre maior, não só é fonte de salvação eterna, mas princípio de uma nova sensibilidade para um novo modo de se fazer presente neste mundo.
Não podemos venerar a Cruz e adorar o Crucificado vivendo de costas ao sofrimento de tantos seres humanos destruídos pela fome, miséria e exclusão. Se ao contemplar o rosto do Crucificado nos esquecemos das vítimas, seja qual for sua raça, cultura ou religião, então é que nosso olhar não é o olhar da fé.Segundo Jon Sobrino, a fé no Crucificado implica em fazer descer da Cruz aqueles que estão dependurados nela.

Na Cruz, Jesus Cristo “desceu” ao nível mais baixo da condição humana, de maneira que todo aqueles que caírem, caiam n’Ele.
Associar-nos ao Cristo em sua “descida”para “subir” com Ele significa, também, arrancar de nosso próprio coração a cumplicidade com todo tipo de morte e deixar-nos possuir pela glória de Deus.
“Descer” com Ele para aquilo que também está morto em nós (no nível corporal, afetivo, espiritual, social). A luz da presença de Cristo ilumina tudo o que é sombrio em nosso interior. Ali estão presentes germes de vida que ainda não tiveram possibilidade de irromper e crescer.



Texto bíblico:  Jo 3,13-17

Na oração: quando levantamos nossos olhos
até o rosto do Crucificado, con-templamos o Amor insondável de Deus; se O contemplamos mais atentamente, logo descobriremos nesse Rosto o rosto de tantos outros crucificados, longe ou perto de nós, reclamando nosso amor solidário e compassivo.
- Diante do Crucificado, trazer à memoria os crucificados de hoje: isto nos afeta? nos deixa inquietos? nos incomoda?