quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Amigos e amigas, segue uma sugestão para rezar o Evangelho do próximo domingo. Um bom Carnaval a todos. Pe. Adroaldo sj



DEUS ME LIVRE DE SER NORMAL

“Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca” (Lc. 5,4)

Vivemos em “mundos-bolha”. É difícil sair do terreno conhecido, dos mares rasos. Tudo parece conspirar para que as pessoas se mantenham dentro dos limites politicamente corretos. Debaixo das expressões “transgressor”, “alternativo”, “diferente”  se esconde um forte e constrangedor convencionalismo.
Quê significa hoje “lançar as redes em águas mais profundas?” Está difícil encontrar algo que soa verdadeiramente diferente: sair de nossas seguranças para adentrar-nos no mar aberto; sair dos espaços onde nos sentimos fortes para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis; sair do inquestio-nável para enfrentarmos o novo...
É decisivo estar dispostos a abrir espaços em nossa história a novas pessoas e situações, novas vivências, novas experiências... Porque sempre há algo diferente e inesperado que pode enriquecer-nos...
A vida está cheia de possibilidades; inumeráveis caminhos que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em nossas vidas; desafios, provocações, aprendizagens, motivos para celebrar... lições que aprenderemos e nos farão um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais simples...

Há uma “normalidade doentia” instalada no nosso interior, reprimindo nosso nobre potencial e condici-onando-nos a levar uma vida sem meta, sem significado, sem vigor, sem criatividade, sem entusiasmo...
Ser normal é ser doente (Kierkegaard). “Normalidade doentia” é a vida pequena, mesquinha, atrofia-da..., é sempre fazer as mesmas coisas e não imaginar que elas poderiam ser realizadas de uma forma diferente; é a doença de praticar o que todos praticam sem refletir, sem questionar se existiria outra possibilidade de fazer. Faz as coisas de forma repetitiva, utilizando baixo potencial criativo.
Na pessoa “normal” predomina o dinamismo do medo e não do desejo.
A necessidade de mudanças gera insegurança, obscuridade no seu horizonte... Tende a ser uma pessoa medíocre, nada arrojada e sem desejos de romper seu estreito e limitado mundo.
Nem tudo na vida pode ser diferente, novo, rompedor. Mas existe o perigo de que tudo na vida seja convencional, rotineiro. Uma pessoa pode construir uma vida encapsulada em espaços feitos de hábitos e seguranças, situações estáveis, convivendo com pessoas que pensam e vivem do mesmo modo...
Com isso, ela acaba estabelecendo fronteiras vitais e sociais impermeáveis ao diferente. Se isto acontece, termina tendo perspectivas pequenas, visões incompletas, horizontes atrofiados e, provavelmente, igno-rância sobre um mundo amplo, complexo e cheio de ricas possibilidades.

Somos “seres de travessia”; é próprio do ser humano ousar, romper, ir além... No entanto, não temos rotas formatadas; “ir em direção às águas mais profundas” é um bom momento para arriscar a viver uma experiência trans-formadora, aproximando-nos do diferente: abrir portas de mundos que desconhecemos; viver situações às quais não estávamos acostumados; sentir coisas que nunca havíamos sentido; conhecer lugares e pessoas que tornarão mais autêntica nossa travessia...
“Nós não nascemos humanos; nós nos tornamos humanos”, através de um investimento em nosso potencial de despertar e de auto-realização.
Nesse sentido, é normótica uma pessoa estagnada em seu processo de humanização, que não ativa seu potencial de inteligência e imaginação, de consciência ética, de transparência e integridade, que enterra seus talentos que lhe foram confiados...
Uma pessoa se humaniza quando abandona os trilhos “normais” previsíveis e penetra em trilhas criativas e inusitadas. O imenso desafio da existência humana implica na ousadia de transgredir, consciente e responsavelmente, as amarras da normalidade, romper as velhas rotinas consagradas e se aventurar no mar aberto da vida. Neste caso, a pessoa realmente saudável é a que expressa um certo desajustamento justo, uma rebeldia criativa, um impulso mobilizador...
“Dá-me, Senhor, capacidade e valentia para deixar o terreno conhecido, para sair do já sabido, para aprender cada dia aquilo que possa se tornar novidade, surpreendente, diferente” (oração Magis)

Jesus é o homem integrado, livremente tem acesso ao seu oceano interior e deixa emergir as ricas possibi-lidades, criatividades, inspiração... Ele traz o “novo” das profundezas do seu ser: novo ensinamento, novo olhar sobre a vida, nova atitude, novo compromisso...
Ao mesmo tempo, com sua presença instigante, Ele desperta, ativa e faz vir à tona o que há de mais hu-mano nas pessoas. No caso dos pescadores, homens rudes mas que carregam uma nobreza interior, Jesus os desafia a serem mais humanos. “Farei de vós pescadores de homens”. “Pescar homens” é trazer à tona o que de humanidade está escondido ou atrofiado em cada pessoa.
O apelo a lançar “redes em águas mais profundas” é ocasião para motivar a buscar a inspiração no oceano interior. Jesus convida aqueles pescadores, instalados numa maneira tradicional de pescar, a serem criati-vos na arte de pescar: sair da rotina, da maneira tradicional de pescar, buscar o novo e o diferente nas profundezas do mar...  Isso dá medo, mas faz a pessoa deslocar-se para o desconhecido, sair das margens conhecidas e seguras.

Do mar da Galiléia ao mar da vida: este é o movimento que Jesus desencadeia em todos nós. Ele desafia a que cada um mergulhe mais a fundo no oceano do coração e alí busque o humano que está escondido: novos sonhos, novas possibilidades, nova inspiração, novo sentido para a existência...
Para isso é preciso vencer o medo que atrofia tudo o que é humano em nós. Alargar nossos espaços interiores, sermos mais ousados e sonhadores, romper com o “normótico” e tradicional, ativar e des-velar o que está escondido. Assim, com nossa presença humanizadora, seremos capazes de pescar o “humano” que também está presente no outro.

Texto bíblico:  Lc. 5,1-11
 
Na oração: Pedro e seus companheiros queriam algo novo; no entanto, romper
                    com a normalidade na arte de pescar estava para além de suas possibi-lidades. Foi necessário que Alguém de fora os incitasse ao abandono daquele modo arcaico de pescar.
Diante de Deus, considerar algumas posturas que poderão ser desenvolvidas, para eliminar o “vírus” da normalidade:
- você tem uma curiosidade sadia diante do novo e do desconhecido?
- você age com otimismo lúcido, enfrentando as situações desconhecidas
   de forma auto-motivada?
- você tem o hábito da interrogação? Grandes oportunidades podem ser descobertas quando se apren-
   de a fazer perguntas, principalmente a si mesmo.
S. Inácio, antes de fazer qualquer coisa,  tinha o hábito de se perguntar:
O quê eu vou fazer? por quê vou fazer? para quem vou fazer? como vou fazer?

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Amigos,
 
hoje teremos o retorno da Missa da nossa comunidade.
 
Local: Capela do Colégio Loyola
 
Hora: 19:15 hs.
 
Esperamos todos lá.
 
Um abraço,
 
Pedro Gomes.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

4º Domingo.



O PESO DE UMA PALAVRA DIFERENTE 

“Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam de sua boca” (Lc. 4,22)

O ser humano é um “corpo falante”.  O “sopro de vida”  passa pelo “sopro da palavra”.
“Nós somos palavra”. Somos feitos para a comunhão, para unir as nossas vidas. É graças à força das palavras que derrotamos o silêncio angustiante da solidão, derretemos o gelo da indiferença, aprendemos a “partilhar o ser e o ter”. De modo particular os poetas, os amantes, os místicos e os filósofos percebe-ram, desde sempre, a força e a sedução da palavra.
As palavras conseguem criar pontes, horizontes, chegando a lugares jamais imaginados ou tocados pelos pés de quem a emite. No entanto, elas perdem força quando não nascem do silêncio. O mundo está repleto de papos vazios, confissões fáceis, palavras ocas, cumprimentos sem sentido, louvores desbotados e confidências tediosas, palavras enfeitadas e vazias, sem alma, nem paixão. “Os homens gastam-se tanto em palavras que não podem entender o silêncio de Deus” (D. Helder Câmara).

A palavra tem os atributos divinos. Os próprios textos sagrados nos dizem que “Deus é Palavra” e, em Jesus, ela se faz carne.
Jesus, a Palavra Encarnada, ajusta sua palavra à Palavra do Pai. As palavras tem um peso no anúncio e na atividade missionária de Jesus; não são neutras. Como um raio x que transpassa, as palavras proferidas por Ele iluminam os recantos mais profundos do ser humano; como um refletor em noite escura, ela reacende a esperança onde tudo já perdeu o sentido; como a chuva em terra seca, ela desperta novidades na vida, sacode as consciências adormecidas, põe em questão as atitudes de indiferença e de fechamento...
Enfim, a palavra de Jesus desencadeia nos ouvintes uma crise: eles tem que se decidir porque com a palavra de Jesus se dá uma divisão entre luz e trevas, vida e morte... Quem aderir à sua pessoa e mensagem, encontrará uma saída feliz e libertadora da crise: a vida eterna.
Jesus pregou uma mensagem que constituia uma crise radical para a situação social, religiosa, política e humana da época. Proclama o Reino de Deus.
A crise que Jesus provoca junto aos seus conterrâneos visa redimir o ser humano, isto é, tirá-lo de seu horizonte limitado e estreito para elevá-lo a um horizonte amplo, próprio de Deus. A crise irrompe quando os dois horizontes se entrechocam.

A novidade de Jesus consiste em afirmar que existe um caminho para encontrar a Deus que não passa pelo Templo. Desse modo, Ele aponta para a vida como lugar da Presença.
Jesus nos convida a viver o encontro com Deus no centro de nossa pessoa e da vida mesma. E Ele se faz de “espelho” para nós, para nos revelar como é que é uma vida vivida desse modo: uma existência marcada por um amor compassivo e por um compromisso acolhedor.
Jesus se tornou um sinal de contradição porque permaneceu absolutamente fiel a uma mensagem, a um modo de agir e a uma missão que havia recebido do Pai e que devia realizar com critérios e opções coerentes com o conteúdo do seu Evangelho.
         Falar em conflito na missão de Jesus é o mesmo que falar da fidelidade de Jesus.
         O que tem valor em sua vida é seu Amor fiel, e não os conflitos em si mesmos. A dimensão conflitiva da
         fidelidade de Jesus à missão é o resultado do confronto entre sua missão (que anuncia a justiça do Reino e
         as bem-aventuranças) e a realidade que não quer ouvir e rejeita a novidade  do Reino.
         A conflituosidade na vida de Jesus proveio do choque entre as exigências do Amor e a realidade injusta
         e pecadora. Jesus não cria conflitos;  Ele  os constata ao dar testemunho das exigências do Amor.

Talvez o que mais nos falte hoje em dia seja dirigir nosso olhar sobre “a palavra”, prestar atenção à palavra mesma a partir da espiritualidade.
Podemos chegar, assim, ao “interno conhecimento” da palavra, à reverência para a palavra por ser expressão externa da palavra interior escutada no silêncio, por ser palavra “dirigida” a Alguém.
Sem dúvida, em nossa sociedade pós-moderna, a palavra cada vez tem menos relevância, cada vez é menos significativa. Atrofiamos as palavras, adocicamo-las, manipulamo-las ou as submetemos a um violento  esvaziamento de significados segundo nossa conveniência.
É preciso uma atenção especial à “palavra ociosa” ou sem direção, a qual não traz benefício próprio nem alheio, nem tem intenção clara. Portanto, “cuidar a palavra é cuidar o mais próprio do ser humano, enquanto que é através dela como se expressa nosso mistério” (Melloni, sj).

É preciso “sentir” a palavra, e isso implica um conhecimento espiritual, que não é nem puramente intelectivo nem puramente afetivo. É palavra que procura traduzir a palavra interior, saber “empalavrar”, ou seja “pôr em palavras” nossa realidade interior e exterior.
Desde o nascimento até à morte, continuamente estamos “empalavrando” nossos sentimentos, sonhos, as-pirações... A palavra abarca todas as expressividades humanas. Ela não se reduz à oralidade. A gestua-lidade, a linguagem corporal, a presença solidária e compassiva... tudo isso também forma parte da pala-vra humana. Os comportamentos éticos também e os valores são formas de “empalavramento”.
As palavras são, ao mesmo tempo, pensamento, ação, sentimento... Para o ser humano só existe o que  pode ser expresso através das palavras.

Vivemos hoje uma “crise gramatical”, ou seja, temos cada vez menos palavras. O leque de palavras carregadas de sentido é muito limitado. Daí a dificuldade de encontrar palavras para nomear a experiência de Deus, para expressar as grandes questões da vida, para dar sentido a uma busca existencial.
Vivemos tempos de “fratura da palavra” e, portanto, “fratura de sentido”. E a raiz disso tudo está na carência de uma interioridade, lugar da gestão das palavras de sabedoria que inspiram nossa vida.
Vivemos cercados de “palavras vãs”, condenados a uma civilização que teme o silêncio (há demasiado ruído em nós e em torno a nós). Fala-se muito para dizer bem pouco.
Jornais, revistas, tevê, outdoors, telefone, face-book, Inter-net, correio eletrônico... há demasiado palavrório. Carece-mos de poesia.

O silêncio é a matriz da palavra. Talhada pelo silêncio, mais significado ela possui.
O tagarela cansa os ouvidos alheios porque seu palavreado crônico ecoa sem consistência.
Já o sábio pronuncia a palavra - empalavra – lavra a palavra do meio do cascalho de sua vida; ele não fala pela boca, e sim do mais profundo de si mesmo. Ele tem a capacidade de aproximar a palavra à experiência, para resgatá-la da insignificância, do anonimato, fazê-la inédita, consciente e podê-la assim confrontar  com a Palavra que, feito carne, entrou em nossa experiência histórica.
Sabem os místicos que, sem calar o palavreado crônico, é impossível ouvir, no segredo do coração, a Palavra de Deus que neles se faz expressão amorosa e ressonância criativa.
A palavra recém saída do forno da experiência está viva, quente... transforma a vida.

Texto bíblico:  Lc. 4,21-30

Na oração: Você é atento ao que fala, o modo como fala, o tom e os sentimentos com que fala?
                     Você consegue distinguir as palavras que salvam e as que arrasam?
Cave palavras nas minas do seu silêncio, e deixe que o Espírito diga a “palavra” misteriosa, diferente, reve-ladora de sua verdadeira identidade. Somente o silêncio poderá gerar “palavras de vida”.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Curso de Especialização em Teologia


Caro amigo,
O Centro Loyola e a FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - oferecem um Curso de Especialização em Teologia(Pós-graduação Lato Sensu). Trata-se de um aprofundamento da fé em diálogo com o mundo contemporâneo, destinada a agentes de pastoral, líderes paroquiais, professores de ensino religioso de escolas confessionais, catequistas e pessoas que desejam amadurecer sua fé.
As aulas são ministradas às segundas e quartas-feiras, das 19h30 às 21h30, no Centro Loyola, durante três anos.
Veja mais detalhes do curso no link abaixo:
http://pos-graduacaoemteologia.blogspot.com.br/

As matrículas estão abertas. Maiores informações pelo: 3342-2847.

Equipe de Coordenação do Centro Loyola-BH.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Texto para o próximo Domingo.



A “AUTORIDADE” DO GRANDE MESTRE

“Ele ensinava nas suas sinagogas e todos o elogiavam” (Lc. 4,15)

Lucas nos apresenta Jesus como o grande Mestre: seu ensinamento é novo, pois, ao mesmo tempo que ensina, liberta. O Evangelho de hoje marca o início da missão de Jesus: conduzido pela força do Espírito,  Ele começa justamente lá onde “ninguém era capaz de dirigir o olhar e o coração”.
Não há dúvida que Lucas persegue um objetivo claro: fazer deste discurso em Nazaré o programa daquilo que vai ser toda a atuação de Jesus na Galiléia.
A cena na Sinagoga em Nazaré é impactante. Não é casual que Lucas a eleja como ponto de partida de todo o ministério de Jesus. Chama a atenção, antes de tudo, a “ousadia” de Jesus: ele, o carpinteiro do povo, sem qualificação alguma, se levanta na sinagoga de seu próprio povo e se reveste da função do escriba, se apresenta como mestre, diante da admiração e espanto de todos.
Lucas descreve com todo detalhe o que Jesus faz na sinagoga: põe-se de pé, recebe o livro sagrado, ele mesmo busca uma passagem de Isaías, lê o texto, fecha o livro, o devolve e senta-se. Todos  escutam com atenção as palavras escolhidas por Ele, pois revelam a missão à qual se sente chamado por Deus.
Diferentemente dos mestres da Lei e dos escribas, cujo ensinamento está centrado em “decorar” e conservar a Lei, o ensinamento de Jesus parte da realidade humana de sofrimento, exclusão, preconceito...
Aqui estamos numa sinagoga em dia de sábado: lugar e dia de comunhão, de encontro, de festa... No entanto, na mesma sinagoga Jesus convida a ter um olhar mais amplo para a realidade da exclusão.
Surpreendentemente, o texto não fala em organizar uma nova religião, de impor a carga de uma nova lei ou de implantar um culto mais digno... mas de comunicar libertação, esperança, luz e graça aos mais pobres e excluídos da terra.

A primeira coisa que se destaca, no evangelho de hoje, é a apresentação que Lucas faz de Jesus como alguém que é movido “pela força do Espírito”. Nem sempre somos conscientes das “forças” que nos movem em nosso viver cotidiano, nem das motivações reais que nos impulsionam e nem do sentido daquilo que fazemos (para quê? para quem?).
No entanto, o que chama a atenção em Jesus é a clareza de suas motivações e a coerência com as mesmas: é o homem íntegro e verdadeiro, lúcido e transparente. Deixa-se conduzir pelo mais profundo de si mesmo, pelo Espírito; deixa que Deus viva nele; deixa Deus ser Deus nele.
Conduzido pelo Espírito de Deus, Jesus se sente enviado aos pobres, orientando toda sua vida para os mais necessitados, oprimidos e humilhados. Esta é a orientação que Ele quer imprimir à história humana. Os últimos serão os primeiros a conhecer essa vida mais digna, livre e ditosa que Deus quer, desde agora, para todos seus filhos e filhas.

A missão de Jesus é a de aliviar o sofrimento humano; Ele reconstrói o ser humano ferido, fragilizado, privado de sua dignidade, sem poder dar direção à sua própria vida. Jesus “desce” em direção a tudo o que desumaniza as pessoas: os traumas, as experiências de rejeição e exclusão, as feridas existenciais, a falta de perspectiva frente ao futuro, o peso do legalismo e moralismo, a força de uma religião que oprime e reforça os sentimentos de culpa, as instituições que atrofiam o desejo de viver...
Enfim, tudo aquilo que prejudica as pessoas, provoca miséria, tira a dignidade do homem  e da mulher.
Lucas destaca que “todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos n’Ele”.
E ao “fixar os olhos n’Ele” os ouvintes são movidos a ampliar o olhar e voltar-se para aqueles que são vítimas do sistema social e religioso de seu tempo.
As pessoas percebem n’Ele um novo Mestre, cujo ensinamento desperta o assombro e a admiração.

Na pregação e na prática de Jesus nós nos deparamos com uma espiritualidade que vem de “baixo”,  que brota do seu encontro com a fragilidade humana. Ele, conscientemente, se compromete com os publi-canos e pecadores, com os pobres e doentes, com os presos... porque sente que eles estão abertos ao amor de Deus.
Por isso, a partir do homem Jesus de Nazaré, o conceito de Deus mudou, como também mudou a maneira de encontrá-Lo. Não podemos encontrar Deus senão fazendo o que Ele fez, ou seja, se Deus se humanizou em Jesus, “o único meio de encontrar a Deus é fazer-nos profundamente humanos”.
Acontece que, para muitas pessoas, é mais fácil amar a Deus que amar alguém muito concreto, com seu nome, seu rosto, seus defeitos e suas limitações; devem aventurar-se a compartilhar alegrias e sofrimen-tos, renunciando a muitas coisas às quais seguramente não estão dispostas a renunciar.
Portanto, o sentido de nossa existência cristã não está em “divinizar-nos”, mas em “humanizar-nos” (descermos até o fundo de nossa condição humana). Porque o “ponto de encontro” entre Deus e os seres humanos não foi só o “divino”, senão o “divino humanizado”.
A questão fundamental é perguntar se nosso Deus quer, antes de tudo, o culto do templo e seus sacrifícios ou prefere, antes de mais nada, que se ponha em prática o programa das bem-aventuranças (traços daquilo que de mais humano existe em nós).
Jesus é tão entranhavelmente humano que nos desconcerta a ponto de parecer estranho, extravagante e, para muitos, escandaloso. Mas, precisamente dessa maneira Ele nos revela, não só sua profunda humani-dade, senão o grau de “desumanização” a que podemos submeter os outros, sem darmos conta disso.
Quando dizemos que “Deus se fundiu com o humano”, na verdade estamos afirmando que o humano é o único meio e a única possibilidade para termos acesso ao divino.

Texto bíblico:  Lc. 1,1-4; 4,14-21

Na oração: Antes de começar a narrar a atividade de Jesus, Lucas quer deixar muito claro a seus leitores qual é a paixão que impulsiona Jesus e qual é o horizonte de sua atuação. Os cristãos devem saber em quê direção o Espírito de Deus conduz Jesus, pois segui-Lo é precisamente caminhar em sua mesma direção.
Não é possível viver e anunciar Jesus Cristo se não é a partir da defesa dos últimos e da solidariedade com os excluídos. Se o que fazemos e proclamamos, como cristãos, não é captado como algo bom e libertador pelos que mais sofrem, quê Evangelho estamos anunciando? A quê Jesus estamos seguindo? Quê espiritualidade estamos promovendo? Estamos caminhando na mesma direção que Jesus caminhou?
Esse mesmo Espírito que atuou em Jesus está atuando sempre em cada um de nós. E sob a força do Espírito seremos deslocados para as “margens” da exclusão. Conectemos com essa energia divina que já está dentro de nós, e a espiritualidade será o mais espontâneo e natural de nossa vida.