COM CRISTO DESCER À PRÓPRIA HUMANIDADE
Sabemos que Deus nos fala não só através da Bíblia, da Igreja, dos acontecimentos, da Criação... mas também através de nós mesmos, daquilo que nós pensamos e sentimos, através de nosso corpo, de nossos sonhos, e ainda através de nossas feridas e de nossas fraquezas...
O “subir” até Deus passa pelo “descer” até às profundezas da própria realidade pessoal.
Toda pessoa possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo e pessoal.
“Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas. Aí se pode encontrar o sentido de tudo “aquilo que se é, o porque do que se faz, se espera, busca e deseja”.
É preciso “descer” até o fundo para descobrirmos uma nova fonte para a nossa vida; é “descendo” que poderemos revitalizar a vida que se tornara vazia e ressequida.
Nós somos o solo, o húmus, onde Deus, com mãos criativas, vai nos modelando e nos fazendo mais humanos. À medida que nos aceitamos e nos acolhemos como húmus, mergulhamos na graça de Deus.
Quem “desce” até sua própria realidade, até os abismos do inconsciente, até a escuridão de suas sombras, até a impotência de seus próprios sonhos, quem mergulha em sua condição humana e terrena e se recon-
cilia com ela, este sim, está subindo para Deus, faz a experiência do encontro com o Deus verdadeiro.
A própria interioridade é a rocha consistente e firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem, para encontrar segurança e caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis golpes da luta pela vida.
É no “eu mais profundo” que as forças vitais se acham disponíveis para ajudar a pessoa a crescer dia-a-dia, tornando-a aquilo para o qual foi chamada a ser.
Assim, a descoberta do nosso próprio ser profundo nos aproxima do autor da vida: Deus.
É no coração, “última solidão do ser”, que a pessoa se decide por Deus e a Ele adere. Aqui Deus marca “encontro” com a pessoa. “Deus é mais íntimo a cada um de nós do que nós mesmos” (S. Agostinho). Cada pessoa leva dentro de si mesma a “pegada” de Deus, que atua sob a forma de desejo insatisfeito.
A oração cristã é o caminho interior que faz a pessoa chegar até o próprio “eu original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside não só o lado mais positivo de si mesma, mas o próprio Deus. Este é o nível da graça, da gratuidade, da abundância, onde a pessoa mergulha no silêncio, à escuta de todo o seu ser.
A espiritualidade cristã nos ensina o caminho através do qual descemos a uma dimensão mais profunda e assim chegamos à corrente subterrânea; aqui experimentamos a unidade de nosso ser; aqui é o lugar da transcendência, onde nossa transformação realmente acontece.
Se a nossa oração for um autêntico face-a-face com Deus, ela deverá fazer emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser. Deus libera em nós as melhores possibilidades, riquezas insuspeitas, capacidades, intuições... e nos faz descobrir em nós, nossa verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis... É ele que “cava” no nosso coração o espaço amplo e profundo para nos comunicar a sua própria interioridade.
Os que mergulham nas profundidades do oceano interior ficam fascinados pelo esplendor daquilo que contemplam. O coração de cada um está habitado de sonhos de vida, de futuro, de projetos; sente-se seduzido pelo que é verdadeiro, bom e belo; busca ardentemente a pacificação, a unificação interior, a harmonia com tudo e com todos...; sente ressoar o chamado da verdade, o magnetismo do amor, da plenitude; sente-se atraído por um desejo irreprimível de auto-transcendência...
O mergulho em nossa “terra” (húmus) nos revela que somos pequenos e frágeis, nos preserva de nos considerarmos como deuses e nos preserva de uma ilusão de orgulho e vaidade que nos destroem.
Temos primeiro que sujar as mãos, temos que cavar a terra, se quisermos encontrar o tesouro que existe em nós. O coração, a quem não é estranho nada do que é “humano”, alarga-se, enche-se do amor de Deus, que transforma o humano. Se com Cristo quisermos subir ao Pai, temos primeiro que descer com Ele à terra, afundar os pés na nossa própria condição humana. Este é o caminho da liberdade.
Textos bíblicos: Mt. 13,44-46; Sab. 7,7-30; Sl 138
Na oração: Para realizar-se e desenvolver toda a sua poten-
cialidade, busque, na oração, cavar mais profun-
damente, até atingir as raízes de seu ser, o núcleo original de
sua personalidade. É no mais íntimo de nós que rezamos ao
ao Senhor. É no mais profundo de nossa interioridade que
escutamos o Senhor. Deixe-se invadir pela luz e pela vida d’Aquele que “armou sua tenda entre nós”.
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