quarta-feira, 14 de setembro de 2011

TRABALHAR NA VINHA DO SENHOR



“Trabalho, trabalho, trabalho. Mas não se esqueça, vírgulas significam pausas...” (publicidade)



O trabalho é um dos espaços que mais precisa ser humanizado e evangelizado.

Todos conhecemos pessoas que perderam a saúde e a alegria de viver pelo fardo do trabalho; facilmente nos deixamos arrastar para um tipo de vida desintegrada e sem direção, onde os ritmos estressantes e sufocantes do trabalho se convertem numa tortura, e não uma experiência positiva de crescimento pessoal ou de encontro com os outros; ao esvaziarmos o trabalho de sentido (para quê? para quem?) perdemos a paixão por aquilo que fazemos, nos burocratizamos e caímos no ativismo inútil.



Um conjunto de sintomas como desânimo, cansaço, frustração, competição, ativismo, irritabilidade, estres-se... se fazem cada vez mais presentes nos ambientes de trabalho. Estamos mergulhados na cultura de resultados. A existência inteira faz-se maquinal e rotineira; já não encontramos mais “tempo” para desfrutar das atividades mais simples e humanas.

Sentimo-nos invadidos por ruídos, pressas, atropelos, ansie-dades, resultados imediatos, atividades superficiais... sem uma unidade interna e sem uma direção.

Tal fenômeno potencializa-se pela sobrecarga de compro-missos repetitivos e soltos, desprovidos de inspiração e criatividade, num ritmo burocrático e sem o exercício da avaliação dos mesmos.



Precisamos alimentar uma outra relação com o trabalho no sentido de assumi-lo como cooperação com o Deus trabalhador e com tantas pessoas tocadas pela sua graça. Uma relação que permita nos distanciar das cargas, ativismos, tarefas estressantes... e viver o trabalho com humor e criatividade.

Uma relação que nos ajude a desfrutar do trabalho, apesar da sua intensidade.

Poderíamos assumir um tipo de trabalho mais semelhante ao do artista, que se esmera em sua peça musical, literária ou pictórica, mas que se enriquece e se expande na sua obra.

Para o mundo bíblico, o trabalho é associado à criatividade. Não simplesmente cansaço e sofrimento sem sentido, ma atividade feita em sintonia com o processo de criação que mantém o universo. A finali-dade do trabalho não se restringe em produzir, vender e lucrar. Vai além. É desejo de embelezar o mundo com o resultado do trabalho. E não importa se ele é pago ou voluntário, material ou espiritual, por conta própria ou para os outros. Trabalho como atividade humanizadora, porque feita com aplicação e arte.

Em suma, trabalha-se para fazer do mundo um jardim, e não uma superfábrica ou uma lixeira de restos. Nesta ótica, todo trabalho é arte, tem sentido transcendente, e todo ser humano que põe seus dotes a serviço do planeta é um artista.



O trabalho nos revela para os outros e para nós mesmos Por meio dele construímos nossa identidade. A partir dele descobrimos habilidades, dons, limites, competências, alegrias, tristezas, realizações, fracassos... Criamos vínculos com as pessoas, com os ambientes, com a cidade...; desenvolvemos interesses, afinida-des, finalidades e metas para nossa vida; e também afinamos sonhos, desejos, projetos...

Por meio do trabalho poderemos conhecer nossa própria interioridade projetada sobre a obra e, ao mesmo tempo, a obra realizada torna-se o espelho do nosso próprio rosto; contemplar-nos a nós mesmos no trabalho realizado e, com júbilo, poderemos exclamar como o Criador: “E viu que era bom!”

Nesse sentido, o melhor seria chamar o trabalho de “labor”, e o ato de trabalhar de “elaborar”.

O ser humano se elabora como tal, ao mesmo tempo que elabora a natureza. Ele luta, cansa-se, afadiga-se, esforça-se, esmera-se... mas o trabalho o rejuvenesce, fornece-lhe energia e entusiasmo, alegra-se com o fruto... Ele vive e delicia-se do e com seu trabalho. Porque “trabalhar é criar, é ser inventivo”.

Com isso, o trabalho deixa de ser suportado como um mal menor, como se fosse uma carga inevitável que unicamente proporciona os meios necessários para sobreviver. De fato, a verdadeira vida não se limita ao descanso do final de semana, dos feriados prolongados, das férias... O ser humano revela-se “pessoa” no ato criativo. “Trabalhar descansadamente”, eis o desafio.



A sociedade atual reclama de nós formas de vida que revelem como é possível desfrutar da beleza do trabalho. A grande questão está em promover um ritmo de vida que garanta a maturidade profissional, o crescimento espiritual, o discernimento, a união com Deus, o espírito de comunhão, o trabalho partilhado.

Com isso o trabalho torna-se oração: trabalha-se rezando e reza-se trabalhando.

Como cristãos, deveríamos ser capazes de evangelizar a sociedade precisamente naquilo que nos é mais característico: sem afastar-nos dela, mostrar um jeito sério e comprometido de trabalhar, mais humano e evangélico. É preciso descer de nossa máquina existencial de corrida.

Na espiritualidade bíblica buscamos a inspiração e o sentido para o trabalho cotidiano; ela nos motiva a praticar a pausa, o olhar calmo e contemplativo, os gestos serenos... Viver é ser mais lentos, mais sua-ves, mais essenciais, mais conscientes... com mais profundidade. Com isso, teremos a serenidade e a paz para poder descobrir, ou encontrar, na ação cotidiana, pequenos tesouros que enriquecem nossos encon-tros. Assim, nosso trabalho se converterá em sinal de benção que faz crescer a beleza e o sentido das coisas; e a festa da vida não terá fim.



Esta é a espiritualidade do trabalho, ou seja, o trabalho como colaboração do ser humano ao Deus tra-balhador; pelo trabalho a pessoa está louvando o Pai, está salvando o mundo e está crescendo em graça.                Louvor sem trabalho é alienação; Trabalho sem louvor é escravidão.

Trabalho que se faz com amor;

Amor é servir, trabalhar: trabalhar com a mesma intenção de Deus; trabalhar com Deus na mesma direção, fazendo as mesmas obras que Deus está  fazendo, ou seja, aperfeiçoando a Criação.

Encontramos aqui o fundamento para uma teologia do trabalho: o fazer, seja ele qual for, é redendor, se a motivação é evangélica, se ele está orientado para o Reino.

Não é o trabalho que nos faz importantes, mas somos nós que fazemos qualquer trabalho ser impor-tante, quando ele é realizado na perspectiva do Reino de Deus. Todo trabalho é nobre, seja ele o de cinzelar estátuas ou o de esfregar o chão.

A alegria do trabalho está no fato de perceber o sentido e a intenção presentes nele. Afinal, somos chamados a “trabalhar na vinha do Senhor”. E se é “vinha do Senhor” o importante é a intensidade do compromisso, sem queixas e sem comparação com os outros; o trabalho a serviço do Senhor já é uma Graça e a recompensa não pode ser exigida; ela é dom.

A verdadeira “experiência espiritual ” é estabelecer com o “Deus da Vida” uma relação “desinteres-sada”, isto é, uma relação na e a partir da gratuidade; é passar do “Deus mérito” ao “Deus do dom”, do “Deus juiz” ao “Deus Pai-Mãe”, do “Deus ameaça” ao Deus de “bondade escandalosa” que nos  desafia a sermos criativos em sua vinha.

Daqui brota a dimensão contemplativa do trabalho, pois este passa a ser “templo” do encontro com Deus trabalhador e de co-laboração com os outros.

O “trabalho contemplativo” é aquele que é feito com carinho, poesia, ciência e consciência; caracte-riza-se por ser uma atividade diária, plena de sentido e dignidade, levando em conta a sensibilidade, a criatividade, os impulsos vitais; desenvolve a imaginação e nos faz ficar admirados diante daquilo que elaboramos; enriquece o espírito e fortalece o caráter; abre nossas mãos para ajudar e unir-nos aos outros, em espírito de cooperação; ajuda a descobrir o lampejo de Deus que tanto trabalha em nosso favor.






Textos bíblicos:  2Tes. 3,1-12   Mt. 20,1-16



Na oração:  - dar sentido de amor e profundidade ao trabalho diário;

                   - através do trabalho, servir a Deus por puro amor;

                   - ser contemplativo na ação: o trabalho como lugar do encontro  com Deus.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário