CRISE; RISCOS E OPORTUNIDADES
“Esta
palavra é dura. Quem consegue escutá-la” (Jo. 6,60)
É
hoje quase “lugar comum” afirmar que nos encontramos num tempo de crise,
no mundo, na Igreja, nas instituições, na vida pessoal e familiar, no mundo do
trabalho, da economia,da política, da educação...
Rejeitada
por muitos como algo perturbador da ordem e destrutivo da “normalidade” da
vida, a crise é um processo
normal e faz parte da essência da vida e da história. Ele emerge de tempos em
tempos para permitir a vida permanecer sempre vida, poder crescer e
irradiar. O simples fato da crise é bom sintoma. É sinal de que se
abriram novas possibilidades, de que fermenta um processo depurador e salutar.
O
termo chinês para a palavra “crise” (“wei-ji”) fala de duas coisas: perigo
e oportunidade.
No
grego, crise (“krisis”, krinein”) significa a decisão num juízo.
De
crise vem também a palavra “critério” que é a medida pela qual se
pode discernir e distinguir o autêntico do inautêntico, o bom do mau.
No
sânscrito “kri” ou “kir” e significa “desembaraçar”, “purificar”,
“limpar”. Crise designa, então, o processo de purificação do cerne,
para trazer à tona o essencial e eliminar os elementos secundários que foram se
acumulando no interior da vida, comprometendo-a e esvaziando-a de sentido.
Todo
processo de purificação implica ruptura, divisão e descontinuidade. Por isso
esse processo é tam-bém doloroso e assume aspectos dramáticos. Mas é nessa
convulsão que se catalisam as forças e se purificam os valores positivos
contidos na situação de crise.
Toda
situação de crise, para ser superada, exige uma decisão (a
pessoa é convocada “não
a opinar sobre algo, mas a decidir sobre algo”). Esta marca o
caminho novo e uma direção diferente que é dada à vida. Sem essa decisão
não há vida. Idéias, nós as temos, mas decisões, nós as vivemos.
Por
isso, uma situação de crise é muito rica; não constitui uma tragédia na
vida, mas seu vigor e transformação. É oportunidade de crescimento. Não é perda
do chão debaixo dos pés, mas desafio que esse chão vital lança para uma
maturação maior.
Na crise tire o “s”: crie!
Para
os despreparados (imediatistas) a crise representa estresse e colapso.
Para os atentos (contempla-tivos), significa um trampolim para o aprendizado e
para o novo.
A
crise provoca uma decisão que abre um novo caminho de crescimento
e rasga um horizonte de possibilidades que vão moldando um novo estilo de vida.
Não havendo decisão, protela-se a crise, e as forças positivas
nela contidas nunca chegam a se manifestar.
Crise
é
o momento crítico da decisão, onde algo é deixado para trás e se abre um
patamar superior que possibilita uma nova forma de vida.
O
Evangelho de hoje nos ajuda a interpretar e viver a crise com
profundidade mais evangélica.
Segundo
o evangelista João, Jesus resume assim a crise que está se criando em seu
grupo: “As
palavras que vos disse são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não
crêem”
(v.63).
Jesus
introduz um espírito novo naqueles que o seguem; suas palavras
comunicam vida; o programa que propõe pode gerar um movimento capaz de
orientar o mundo para uma vida mais digna e plena.
Mas
existem aqueles que resistem aceitar seu espírito e sua vida. O narrador diz
que “muitos
voltaram
para
trás e não andavam mais com Ele”. Na crise revela-se quem são os
verdadeiros seguidores de Jesus.
O
opção decisiva sempre é essa: quem volta para trás e quem permanece com Ele,
identificados com seu espírito e sua vida? Quem está a favor e quem está contra
seu projeto?
O
grupo começa a diminuir. Mas Jesus não teme o fracasso e não pronuncia nenhum
julgamento sobre eles. Só faz uma pergunta decisiva àqueles que permaneceram
junto dele: “Não
quereis também vós partir?” Seguimento é questão de decisão
pessoal; é exercício de liberdade.
Esta
é a pergunta que ressoa no interior de cada um de nós: Quê queremos?
Por quê permanecemos? É para seguir a Jesus, acolhendo seu
espírito e vivendo seu estilo? É para trabalhar em seu projeto?
A
resposta de Pedro é exemplar: “Senhor, a quem iremos nós? Tu tens palavras de
vida eterna”.
Os
que permanecem o farão por Jesus. Só por Jesus. Comprometem-se com Ele. O único
motivo para permanecer em seu grupo é Ele. Ninguém mais.
Jesus põe seus seguidores em crise porque tem consciência de que há momentos na vida em que, para
continuar, é preciso romper, entrar num processo de agitação, de instabilidade
e radical questionamento.
A crise é esse momento angustiante, mas
profundamente criativo, que permite o evoluir da vida sobre outras bases e com
outros valores.
A crise não é um mal que surge inesperadamente,
interrompendo o curso normal da vida; é um momento de virada. Caímos em crise
quando algo novo quer entrar em nossa vida e não podemos ou não queremos dar-lhe
espaço e atenção. Crise na vida é chance de vida.
A crise
traz sempre incômodos, aflições e dores tremendas, mas também as promessas de
uma nova vida, uma forma mais integral de viver, de amar, de
sonhar, de lutar, de sofrer e de ser feliz.
A crise é portadora de vitalidade
criadora; não é sintoma de uma catástrofe iminente, mas é o “momento crítico”
em que a pessoa se questiona radicalmente a si mesma sobre o seu destino, sobre
o mundo que a cerca, sobre a sua missão... A crise aparece como uma
dimensão da transformação.
As crises tem sempre uma dimensão
instrutiva, isto é, sempre uma oportunidade de aprendizagem, de evolução, de
crescimento. Elas podem sinalizar mudanças positivas e dão início a profundas
transforma-ções, rompendo coisas incrustadas, atitudes acomodadas, visões
estreitas...
O caminho torna-se mais claro, a vida
mais agradável, o futuro mais empolgante.
Depois de qualquer crise, seja
corporal, psíquica, moral, seja interior e religiosa, o ser humano sai
purificado, liberando forças e criatividade para uma vida mais vigorosa e cheia
de renovado sentido.
Nos
momentos de crise vive-se com
especial intensidade o “kairós”
(momento de graça), onde o essen-cial surge com mais
clarividência. Tudo o que é acidental, periférico, empalidece em sua
consistência e va-lidade. É chance de vida nova num outro nível e dentro de um
horizonte mais aberto.
Texto bíblico: Jo. 6,60-69
Na oração: fazer memória das crises na vida pessoal
–
elas foram ocasião para uma mudança ou acomodação, movimento em direção do novo
ou re-
traimento? Medo ou ousadia?
Criatividade ou “normose”?
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