sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Texto para contemplar o Evangelho de domingo:


NO PRINCÍPIO ERA A IGUALDADE…

“…desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher” (Mc. 10,6)

As bases das relações humanas foram profundamente abaladas pela presença e atuação de Jesus.
No seu tempo, a única glória que uma mulher poderia possuir era um corpo fecundo. Entretanto, no Reino de Deus, esta reclusão da mulher ao campo biológico sofre uma transformação radical.
Quando a mulher fica reduzida à condição de objeto e acorrentada por inteira às suas funções biológicas, perde sua voz e sua palavra; seu lugar na sociedade e na religião se esvazia.
Portadora de um desejo e de uma palavra, a mulher deixa de ser, para Jesus, um objeto que se possui, um instrumento que se usa e uma propriedade a dominar e a destruir.
A mulher, que não está mais limitada às suas funções biológicas, recupera sua palavra, sua voz e torna-se protagonista na instauração do Reino de Deus.
Marginalizadas, convertem-se nas preferidas de Jesus.

No meio de uma cultura marcadamente machista e patriarcal, Jesus desativou o machismo e rompeu com tabus intocáveis, adotando uma atitude de reconhecimento e valorização da mulher em nível de igualdade com o homem; e isso desde “o princípio”, ou seja, por vontade divina. Em um contexto no qual o mundo feminino era invisível, Jesus o fez visível, superando preconceitos e atitudes de dominação.
Ao renunciar sacralizar a sociedade patriarcal de sua época, Jesus restituiu à sua fonte original a relação entre homem e mulher, o matrimônio e a família.
Homens e mulheres aparecem em seu projeto como iguais, sem prioridade de um sexo sobre o outro.
No discipulado igualitário de Jesus, as mulheres encontraram espaço para se desenvolver em liberdade, rompendo a submissão à ordem patriarcal.
Jesus as emancipou e as fez companheiras itinerantes, em companhia dos homens, para escândalo daque-les que olhavam o corpo da mulher como perigoso e contaminante.

Ao fazer referencia “ao princípio” Jesus vai diretamente à essência do problema, tratando de descobrir as exigências mais profundas do ser humano (vontade de Deus). O único absoluto é a pessoa e seu desen-volvimento como tal.
O homem e a mulher são um lugar privilegiado de revelação e de experiência do sagrado. Cada pessoa jamais deixa de ter suas raízes plantadas no coração do próprio Criador.
Os fariseus estão fechados ao mundo da ternura, do amor e do perdão. Só estão abertos à Lei.
O mais interessante do Evangelho de hoje é que Jesus vai mais além de toda lei. Busca desvelar a raiz antropológica do matrimônio (o projeto de Deus) para não anular nunca o que é verdadeiramente humano.
O ser humano se humaniza quando em companhia, e uma estável relação de casal alcança o grau mais profundo de relação humana. Esta é a chave de todo o discurso.

Este projeto matrimonial é para Jesus a suprema expressão do amor humano. É Deus mesmo que atrai mulheres e homens para viverem unidos por um amor livre e gratuito. O matrimônio é a verdadeira escola do amor. Nenhuma outra relação humana chega a tal grau de profundidade. Em nenhum outro âmbito pode-se expressar melhor o dom total. O amor só emerge na pessoa quando esta amadurece como humana. O amor não é puro instinto, não é paixão, não é interesse, não é simples amizade nem o simples desejo de um querer mútuo. É a capacidade de ir ao outro e encontrar-se com ele(ela) como pessoa, ou seja, para ajudar-lhe a ser mais humana, e experimentando no dom, o mútuo crescimento em humanidade.
Uma das qualidades mais bonitas do amor é que pode estar crescendo toda a vida.
“O amor é faísca de Javé” (Cant. 8,6-7)
Nesse sentido, o matrimônio não é uma realidade estática, mas uma realidade dinâmica, é chama divina, é mudança, é abertura ao novo, é projeto a ser construído cotidianamente a dois, é movimento na direção de um “Amor maior”, “amar melhor”, fundado sobre o amor incondicional de Deus.

Viver o matrimônio como dinamismo de vida é entrar no dinamismo expansivo do amor de Deus: “por ser exato o amor não cabe em si; por ser encantado o amor revela-se”.
O amor não se fecha a dois; abre-se, amplia-se, envolve outros...; amor expansivo e que se expressa na compreensão, no perdão, no apoio, na paciência, no companheirismo...
“Projeto a dois”, mas sem anular a identidade, a originalidade do outro. O amor faz do homem e da um-lher não “duas metades” que se encontram, mas dois inteiros que se doam, e que generosamente acolhem e transbordam o Amor de Deus semeado em seus corações, desde sempre.
Cada um é chamado a ajudar o outro a ser mais humano, mais gente, mais pessoa, mais santo(a)... possibilitar que o outro cresça e desenvolva suas capacidades, riquezas...
É querer bem, respeitar, valorizar, sentir a falta do outro, conceder espaço, querer que o outro cresça, alegrar-se com as vitórias do outro, compadecer-se com os seus fracassos...
É ajudar a manter sempre acesa a “faísca de Javé”, a chama do amor. Amor que encontra expressões diferentes de acordo com as circunstâncias e as fases da vida.

Por isso, o matrimônio deve ser re-inventado, re-construido cada dia. Isso implica ser criativo na maneira de vivê-lo, buscar novas expressões, novos gestos...
Há sempre o perigo da “faísca divina do amor” se apagar pela rotina, cansaço, pela desencanto...
A cada dia, o casal deveria dizer, um ao outro: “Hoje eu te recebo novamente como minha esposa/meu esposo, e te prometo ser fiel, na alegria e na tristeza...”.
Re-encantar o “sim” e carregá-lo de sentido, de afeto, de ternura... Sim que se prolonga...
O “sim” dado ao outro diante de Deus, torna-se sagrado, compromete, faz cúmplice... Não é um “sim” que se fecha, mas que se expande, repercute nos outros, desencadeia outros “sins”...
Sim com a marca da coragem, da ousadia... que arranca do imobilismo e desperta o sentido dos pequenos “sins” cotidianos.

Texto bíblico:  Mc. 10,2-16

Na oração:  Que a “faísca de Javé”, presente nos corações de tantos casais, se transforme numa labareda, ilu-
minando e aquecendo o cotidiano de suas vidas, inspirando e apontando caminhos para todos a-queles que, em meio às sombras, vivem tateando um sentido para suas existências.

                                             “Nascestes  juntos no matrimônio, e juntos permanecereis para sempre.
Estareis juntos mesmo quando as asas brancas da morte separarem vossos dias.
Estareis juntos também na silenciosa memória de Deus.
Deixai, porém, que exista espaço no vosso estar juntos; deixai que os ventos do paraiso dancem entre vós.
Amai-vos reciprocamente, mas não permitais que o amor se torne uma prisão:
Deixai, antes, que haja um mar em movimento entre as orlas de vossas almas.
Ficai alegres, cantai e dançai juntos, mas deixai que cada um esteja só.
As cordas de um alaúde também estão sós, e, no entanto, vibram com a mesma música.
Recebei o coração um do outro, mas não para possuí-lo,
porque só a mão de Deus pode conter vossos corações.
Ficai de pé, juntos, mas não muito próximos, pois as colunas do templo estão separadas,
o carvalho e o cipreste não crescem um na sombra do outro”.
                                                                                                                                                   (Kalil Gibran, poeta libanês)

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