“SANTIDADE: “estar
no mundo... sem sair do mundo”
“Santificai-vos e sede santos,
porque eu sou Santo” (Lev. 11,45)
No próximo domingo celebraremos a festa
de Todos os Santos e Santas, ou seja, todos aqueles(as) que, sem
exceção, estão na Memória, na Entranha, no Consolo de Deus, na eterna Compaixão
que regenera, na Grande Comunhão que é o coração do próprio Deus.
Ela nos recorda que esta é a vocação fundamental à qual somos todos
chamados, enquanto seguidores de Jesus Cristo. Deus é a possibilidade universal
da santidade, da liberdade para o bem, para a misericórdia, para
a justiça. A santidade de Deus é a vocação universal de todos, cada um à
sua maneira.
Deus é a graça que
transborda, a bondade que se derrama, o perfume que se expande, a fonte que
mana e corre em todos os seres, transformando tudo sem fazer-se notar.
Ser santo(a),portanto, é ser dócil para “deixar-se conduzir”
pelos impulsos de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e não entendemos.
Seus caminhos não são os nossos
caminhos.
Este “deixar-se
levar” pela mão providente de Deus é uma ousadia.
“Deixar-se levar” é uma ousadia porque pressupõe a ação de Deus, um Deus que impulsiona e
que impulsionará sem limites. É também uma ousadia
porque a pessoa confia tranquila e descansadamente na força do Senhor que não
falha. Ser santo(a) é “arriscar-se”
em Deus. É navegar no oceano da gratui-dade, da compaixão, da solidariedade...
Nós cristãos honramos a santidade
universal sem fronteiras de raça, de credo, de cultura...
Todos os santos e santas estão no
coração do mundo pois são plenamente em Deus. Todos são san-tos(as),
porque já vivem a Vida Eterna e dão alento ao coração do nosso tempo e do nosso
mundo.
Nossa vocação é a santidade
da Vida para além de todo sistema moral, para além de toda crença, para
além de toda religião, porque fora da Igreja há salvação ou santidade.
Mais ainda. A santidade é
nossa verdade mais íntima e universal.
Somos santos. Não somos santos porque somos irrepreensíveis, senão
simplesmente porque somos, e vivemos, nos movemos e somos sempre em Deus e Deus
em nós, também quando nos sentimos medio-cres e inclusive fracassados. Ainda
não temos encontrado nossa plenitude, não temos realizado nosso ser verdadeiro,
mas para esse horizonte caminhamos na santa comunhão de tudo quanto é. Somos um
tesouro em vasos de argila em formação, e Deus é o paciente oleiro na sombra
mais profunda de nosso barro.
Ser santo(a)
é ser humano por excelência; é resgatar a paixão por um ideal de vida; paixão pela vitória da esperança;
paixão pelo sonho de melhorar a si mesmo e ao mundo; paixão pelo futuro...
enfim, ser santo(a) é fazem das Bem-aventuranças a pauta de seu viver.
Santos(as) são todos
aqueles(as) que fizeram do amor e da entrega a Deus e ao
outro o centro e o sentido maior de suas vidas. Isto é ser santo:
alguém que se “des-centrou” de tal maneira que sua vida é movida pela
necessidade do encontro e do compromisso com o outro que cruza seu caminho.
O Evangelho nos propõe um modelo de santidade
muito mais dinâmico e próximo da vida cotidiana, com seus altos e baixos,
alegrias e dores. Ele revela uma nova forma de santidade: a santidade da
vida comum, da resposta à Providência divina em
meio às rotinas do tempo, uma caridade tecida nos pequenos gestos
cotidianos. O(a) santo(a) faz as coisas que todo mundo faz, mas faz de maneira
diferente. Há um “mais” qualitativo. Há algo na conduta, no brilho do olhar, na
bondade do gesto, na pureza do agir, na liberdade, na gratuidade que o faz ser
diferente. Isso é ser santo(a).
Surge, então, a imagem de um(a)
santo(a) que é filho(a) do momento e
da situação presente, cuja atuação se dá no mundo em que está encarnado. O(a) santo(a) é aquele que, na “loucura
santa”, revela uma pulsação
de vida para com o mundo; é um biófilo (amigo
da vida); é um co-operador, agindo
sob o primado da escuta da Palavra de Deus dita na e pela
situação cotidiana.
Não é o trivial ou o excepcional
que distingue a santidade do ato:
o que importa é sua correspondência à Vontade de Deus expressa na situação
concreta.
Ainda carregamos resquícios de uma falsa
visão da santidade como afastamento do mundo e de seus perigos e buscar
refúgio no deserto, nas montanhas ou nos conventos. O(a) santo(a) não se afasta
do mundo para encontrar a Deus; ele(ela) faz a “experiência”
do Deus agindo no mundo.
Aí O encontra e caminha com Ele. O(a)
santo(a) é aquele(a) que faz o que Deus faz neste mundo, aquele que faz que
este mundo seja justo, santo, salvo.
O mundo
não é só o “habitat” da sua missão: é sobretudo a fonte da sua
espiritualidade, o lugar certo para encontrar a Deus e escutar o Seu chamado. Na espiritualidade cristã, o
mundo já não é percebido como ameaça ou como suspeita, mas como dom
pelo qual Deus nos faz participar d’Ele mesmo. O mundo não é lugar da
exploração e da depredação, mas é o lugar da receptividade e da oferenda.
É característico da espiritualidade cristã encontrar a Deus na vida cotidiana, ou seja,
no dia-a-dia
da vi-
da familiar, no exercício
da profissão, nas relações sociais, nas decisões éticas, na ação cida-dã, no amplo
tema dos direitos humanos, no campo da economia, na presença ativa em política,
no mundo da cultura, no diálogo com os meios de comunicação, na navegação por
internet...
Pondo-nos na
escola do Evangelho, é aqui, neste mundo, que Deus nos chama a estender
o seu Reino, trabalhando cada dia como amigos de Jesus que passam, observam,
curam, se compadecem, ajudam, transformam, multiplicam os esforços humanos.
O(a) santo(a) é
aquele(a) que na liberdade, afirma: “Fora do mundo não há salvação”.
O(a) santo(a) faz a experiência da intimidade, da
presença, da proximidade, da comunhão, da aliança, da glória de Deus em sua
própria vida. Ele vive embriagado de vida, de Deus, vive como um peixe no
oceano de Deus, dizendo um profundo sim
às ondas, ao vento, ao sol, à existência...
Os santos
sentem e sabem: se Deus não
pode ser encontrado no próprio coração e no coração da vida
não será encontrado em lugar nenhum.
O(a) santo(a) sente-se cativado, envolvido, amado, entusiasmado,
sintoniza-do, habitado por Deus de tal maneira que seus olhos, gestos, suas
atitudes, palavras, seu coração, sua existência transbordam Deus.
Tal experiência
é incomunicável; ninguém pode vivê-la por nós.
Num
mundo em que nem todos são capazes de grandes façanhas ou de alcançar sucessos,
Deus nos deu a aptidão de encontrar a grandeza
no dia-a-dia. Temos apenas que ser santos
o bastante para que possamos reconhecer o milagre
no ritmo da vida.
Texto bíblico: Mt. 5,1-12
Na oração: Marcados pelo espírito das Bem-aventuranças, os(as) santos(as)
de
hoje, movidos por um olhar
novo e um coração ardente, entram em comunhão com a realidade tal
como ela é; sentem o mundo como “sacramento
de Deus” e são capazes de descobrir e apontar os sinais de esperança ali presentes; revelam uma presença afetiva, marcada
pela ternura, comaixão e por isso geradora de misericórdia; presença
comprometida solidariamente na vivência da mansidão e na busca a paz...
* Rezar sua presença santificante na realidade
cotidiana.
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